Acórdão nº 03236/11.5BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução09 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A............ SGPS, SA, impugnante (doravante também designada por “A............” ou recorrente), notificada, em 13 de junho de 2020, da douta sentença proferida nos autos de impugnação à margem identificados e não se conformando com a mesma, vem dela interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto nos artigos 280.º e 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na redação introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e tendo presente que o que a mesma dispõe na alínea c) do n.º 1 do seu artigo 13.º.

Alegou, tendo concluído: 1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença, proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual considerou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações adicionais de IRC, efetuadas pela AT, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008.

  1. Salvo o devido respeito, entende a recorrente que a decisão recorrida merece censura porquanto padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no nº 1 do artigo 123º do CPPT e do nº 2 do artigo 659º do CPC.

  2. Confrontados os factos invocados e não impugnados e a fundamentação constante a decisão recorrida, facilmente se identificam os flagrantes vícios de que esta padece.

  3. Ressalva-se igualmente que na decisão de que se recorre é ponto assente que: (a) os serviços adquiridos a terceiros e prestados centralizadamente pela B…………, SGPS, S.A. às suas participadas beneficiaram, pelo menos na parte correspondente ao respetivo volume de negócios, direta e exclusivamente a A............; (b) não se exclui que os mesmos serviços, na parte calculada a partir do volume de negócios global das suas participadas, tivessem beneficiado (também) a A............, mesmo diretamente, ainda que em termos não exclusivos.

  4. O que realmente parece estar em causa nos presentes autos é, em rigor, uma suspeita de que, nas operações de aquisição e prestação de serviços em crise, não terão sido devidamente observadas as normas relativas aos preços de transferência (cujo regime se encontra vertido, essencialmente, no artigo 63º do Código do IRC). Tudo parece corresponder, no espírito da AT, a um problema de preços de transferência, isto é, a um problema que, respeitando muito embora ao normal exercício de aplicação do artigo 63º do CIRC, se “converte” – por frustração de razões e por carência de fundamento – num problema de (falta de) demonstração da imprescindibilidade.

  5. Ora, o problema está em que, tendo sido o artigo 23º do Código do IRC o único dispositivo legal mobilizado para fundamentar legalmente a referida correção, resumindo-se, assim, a questão a uma alegada desconformidade entre o preço efetivamente contratado e aquele a que presumivelmente chegariam entidades independentes, desmerecem atenção praticamente todos os argumentos apresentados pela Administração e secundados pelo Tribunal a quo.

  6. Além disso, e em última analise, é também verdade que, a ser possível à Administração a promoção do ajustamento fiscal nos moldes em que ela o faz – insinuando mas não convocando formalmente a norma do artigo 63º do CIRC como fundamento para a correção agora impugnada –, não seria tolerável, a essa luz, o resultado a que o mesmo conduz: admitir que, numa relação arm’s length, seria teoricamente concebível que uma entidade utilizasse em seu proveito os serviços prestados por entidades terceiras sem lhes fazer corresponder um gasto com relevância fiscal, seria absolutamente impossível e totalmente insustentável.

  7. Por outro lado, ao longo da Fundamentação, quanto a este específico tema, é visível, conforme já se mostrou, uma preocupação com a motivação que terá conduzido à celebração dos negócios jurídicos em apreço: parece decorrer da argumentação expendida que as aquisições de serviços em crise não tiveram outra beneficiária além das sociedades participadas da aqui recorrente, sendo que, para isso, a AT empreende um discurso todo ele baseado em considerações de oportunidade, próprias da gestão autónoma das empresas, elaborando juízos de adequação relativa de tipos de operações a situações de facto que, na realidade, desconhece.

  8. Sucede que este tipo de considerações é também em tudo alheio à aplicação da norma efetivamente invocada – a do artigo 23º do CIRC –, assim como o é ainda da do artigo 63º do CIRC: o primeiro dos preceitos permite à AT questionar a indispensabilidade de um certo custo nos casos em que a sua conexão com a atividade empresarial prosseguida não seja óbvia ou inequívoca, ou ainda nos casos em que ela não se encontre documentalmente suportada; o segundo permite à AT a possibilidade de desconsiderar os preços praticados por entidades vinculadas, substituindo-os, para efeitos meramente fiscais, por aqueles que teriam sido praticados no caso de as mesmas entidades não disporem de qualquer relação especial. As referidas normas em caso algum possibilitam ou admitem um juízo de oportunidade ou de mérito sobre uma dada transação, e muito menos suporta um juízo de confronto entre a substância e a forma de um certo negócio jurídico.

  9. Não se nega que, nos termos do IRC, é possível não aceitar uma certa forma jurídica, porque ela não se adequa à correspondente substância económica (cfr. o nº 2 do artigo 38º da LGT). O que é certo, contudo, é que não é possível, para este efeito, lançar mão, do normativo mobilizado, e, quanto ao resto, limitar-se a especular.

  10. Independentemente do que acabou de referir-se, mas sem prescindir, e com todo o respeito, a argumentação usada, quer pela AT quer pelo Tribunal a quo, revela uma apreciável confusão sobre qual seja o exato alcance do artigo 23º do Código do IRC, a justificar, por isso, alguns desenvolvimentos.

  11. Com efeito, no entendimento da recorrente, os preceitos que mais à frente definem o que se deve entender por “rendimentos” (o artigo 20º, n.º 1) e por “gastos” (o artigo 23º, n.º 1) têm um propósito meramente exemplificativo das parcelas que contam positiva e negativamente para a determinação do resultado líquido do período “com base na contabilidade”, não o de consagrar conceitos de “rendimentos” e de “gastos” mais restritivos do que os que são aceites pela contabilidade. Desses artigos constam também outras normas, que visam corrigir, para efeitos tributários, o resultado líquido determinado pela contabilidade, mas tal objetivo é prosseguido através da estatuição de que determinados “rendimentos” e “gastos” não concorrem para a formação do lucro tributável, e já não mediante a recusa de tal qualificação aos proveitos e custos em causa.

  12. O efeito delimitador do artigo 23º, n.º 1, do Código do IRC, na parte em que se refere à indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, é tão somente o que já resulta do artigo 17.º, n.º 3, al. b), impondo a desconsideração dos gastos que advenham das operações não sujeitas ao regime geral de IRC.

  13. O artigo 23º do Código do IRC, ao contrário do que patentemente se...

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