Acórdão nº 1194/21.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Março de 2022
Magistrado Responsável | FREDERICO MACEDO BRANCO |
Data da Resolução | 03 de Março de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I Relatório J....., apresentou Providência Cautelar contra a Caixa Geral de Aposentações, tendente à “suspensão da eficácia do ato contido no Ofício com a referência AAC3MV.1071788.00, que determinou que os montantes alegadamente em dívida seriam repostos mediante o mecanismo de compensação da pensão de aposentação do Requerente e que se condene, a título provisório, a Entidade Requerida no pagamento da pensão de aposentação ao Requerente”.
Por Sentença de 22/11/2021, veio o TAC de Lisboa a julgar “(…) totalmente procedente o presente requerimento cautelar e nessa decorrência determino a suspensão de eficácia do ato emitido pela Entidade Requerida que determinou a continuação da suspensão do pagamento da pensão ao Requerente proferido pela Entidade Requerida em 16/04/2021 (…)”.
Correspondentemente, não se conformando com a decisão proferida, veio a CGA, em 3 de dezembro de 2021, apresentar Recurso para esta instância, tendo concluído: “1ª A atribuição das providências cautelares, nos termos do artigo 120º do CPTA, depende de se encontrarem cumulativamente preenchidos dois requisitos positivos (previstos no nº1) e um requisito negativo (previsto no nº 2).
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Mal andou o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ao considerar que, no caso em apreço, tais requisitos – periculim in mora, fumus boni iuris, ponderação dos interesses - se encontravam preenchidos.
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No que respeita, ao fumus bonis iuris, contrariamente ao decidido pelo tribunal de primeira instância, a situação em causa não é subsumível na hipótese normativa do art° 120°n° 1 a) CPTA.
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Para se falar em carácter incontroverso, patente e irrefragável do presumível conteúdo favorável da sentença a proferir ter-se-ia de mostrar evidente a ilegalidade do ato impugnado.
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Não é isso que acontece no caso presente. Não é evidente que a Caixa Geral de Aposentações, estando obrigada a tal, não deu cumprimento o dever de audiência prévia dos interessados. Assim como não é evidente que o ato que determinou a suspensão do abono da pensão de aposentação é nulo porque ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental nos termos da alínea d) do nº2 do artigo 161º do CPA. Assim como não é evidente que o ato administrativo em causa violou o nº4 do artigo 36º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de julho 6ª Contrariamente ao decidido em primeira instância, também não se encontra preenchido o requisito do “periculum in mora”.
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Não existe fundado receio de que, quando o processo principal chegar ao fim e sobre ele vier a ser proferida uma decisão, esta já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio.
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O requerente não logrou demonstrar que existe o receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.
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Não se pode considerar que a suspensão do abono da pensão de reforma a quem, nos últimos 20 anos, exerceu as funções de piloto da TAP provoca prejuízos de difícil reparação Na verdade, os danos patrimoniais que invoca como irreversíveis e de gravidade irreparável são a consequência normal e comum para qualquer aposentado que, tendo, de forma ilegal e indevida, auferido determinadas pensões, se vê, posteriormente, confrontado com a necessidade de regularizar a sua situação e, por isso, na maior parte das vezes, privado de determinados montantes pecuniários.
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Para se considerar verificado o periculum in mora, é necessária a verificação cumulativa de dois requisitos: tem de haver privação do vencimento/pensão/salário e tem de ocorrer uma situação em que o trabalhador e o seu agregado familiar não dispõem de quaisquer outros rendimentos que permitam satisfazer necessidades básicas, como, por exemplo, educação e alimentação dos filhos.
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No caso em apreço, dúvidas não há de que, temporariamente, até integral regularização da dívida, haverá privação da pensão de reforma do requerente. Porém, não é possível considerar, como o fez o tribunal a quo, que o requerente e o seu agregado familiar não dispõem de rendimentos para satisfazer as necessidades básicas.
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Não se verificam assim os requisitos previstos no artigo 120º do CPTA e dos quais dependia a procedência da providência cautelar intentada pelo requerente.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.” O Recorrido/J.....
veio a apresentar as suas Contra-alegações de recurso em 23 de dezembro de 2021, nas quais concluiu: “I. Vem a CGA recorrer da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 22.11.2021, que julgou “(…) totalmente procedente o presente requerimento cautelar e nessa decorrência determino a suspensão de eficácia do ato emitido pela Entidade Requerida que determinou a continuação da suspensão do pagamento da pensão ao Requerente proferido pela Entidade Requerida em 16/04/2021 e constante de 15 dos factos provados, com todas as consequências legais”.
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Ao longo da sua exposição, a Recorrente limitou-se a afirmar que, a decisão proferida “merece censura”, uma vez que, na sua ótica, os pressupostos de que depende o decretamento da providência não se encontram, in casu, verificados, não demonstrando, contudo, a razão de ser de tal consideração genérica, nem tão pouco cuidando de assacar quaisquer erros concretos à Sentença, ao arrepio do disposto no n.º 1 do artigo 639.º do CPC aplicável ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, devendo, como tal, o Tribunal ad quem recusar apreciar do mérito do recurso interposto, pelo facto de o mesmo carecer de objeto.
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No que tange com o mérito do recurso, em concreto, no que se refere ao requisito do fumus bonis iuris, a alegação da Recorrente mais não passa do que uma manifesta confusão entre os poderes de cognição do Tribunal em sede de ação cautelar e de ação principal.
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Isto porque, não obstante a verificação dos mencionados vícios – facto que em momento algum é, em concreto, refutado pela Recorrida –, certo é que a análise que o Tribunal empreende, em sede cautelar, mais não passa do que uma verificação perfunctória do mérito da pretensão que o Recorrente pretende fazer valer em sede de ação principal, à luz da prova produzida.
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Nesta medida, bem andou o Tribunal ao admitir que “A análise de tais requisitos, terá por base um juízo indiciário e de verosimilhança relativamente à prova produzida nos autos, sob pena de se entrar no conhecimento do mérito da causa o que, naturalmente, está reservado para a decisão da ação principal”.
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Ainda nesta sede, bem andou o Tribunal a quo ao julgar verificado o vício de preterição do direito de audiência prévia, na estrita medida em que, conforme ficou patente nos autos e a Recorrente não refutou, em momento algum foi concedida ao Recorrido a possibilidade de pronunciar sobre o teor do ato suspendendo, antes do mesmo ser praticado.
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De igual modo, carece igualmente de razão a Recorrente ao afirmar que o ato sindicado não viola o direito constitucionalmente consagrado à segurança social, ínsito no artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa.
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E assim é porque, tal como ficou demonstrado, atualmente, o Recorrido não afere qualquer rendimento, encontrando-se a recorrente a vedar-lhe o acesso à pensão de aposentação para a qual contribuiu durante toda a sua carreira laboral.
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No mesmo sentido, conclui-se que a alegação da Recorrente no que concerne com a violação das diretrizes plasmadas no nº 4 do artigo 36º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de julho, se encontra também condenada a soçobrar.
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A este propósito, bem andou o Tribunal a quo ao afirmar que “Donde é de se concluir que a compensação determinada ao abrigo do artigo 36º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07, não pode resulta num montante retido que seja superior a um sexto da remuneração auferida pelo particular. Situação esta, a referida no parágrafo supra, que evidentemente não se verifica no ato ora suspendendo, pois que o mesmo determina a realização da compensação com o valor global da pensão que o Requerente é titular, consequentemente, não se procedendo ao pagamento ao pagamento ao Requerente de qualquer valor de pensão enquanto se verificar a compensação determinada no ato suspendendo”.
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Acresce que, relativamente ao requisito do periculum in mora, não merece igualmente censura o sentenciado pelo Tribunal a quo.
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De notar que a documentação constante nos autos, resulta evidente que a Recorrente se limitou a invocar que não iria proceder ao pagamento da pensão – sem cuidar indicar qual o valor da mesma – com o objetivo de obter a compensação dos valores alegadamente em dívida.
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No caso concreto, bem se compreende que o Tribunal recorrido tenha julgado como verificado o requisito do periculum in mora, com sustento na suspensão do pagamento da pensão por aposentação, considerando que resultou provado que o Recorrido possui despesas – sendo, para o efeito, irrelevante o seu montante, apesar de todas as despesas se encontrarem devidamente comprovadas nos autos – e que não aufere qualquer tipo de rendimento, em virtude do ato suspendendo.
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Desta feita, bem andou o Tribunal recorrido ao admitir que “(…) tanto nestas decisões como no presente caso se tratam de situações em que os particulares se veem privados dos rendimentos que permitem prover o seu sustento e da sua família, é de se concluir que in casu também se verifica o requisito do periculum in mora (…) É da natureza das coisas que a demissão de uma pessoa e a consequente perda do vencimento causa nessa pessoa danos patrimoniais e não patrimoniais que a posterior eventual anulação do ato nunca poderá ressarcir por completo: as dificuldades inerentes a viver-se durante o tempo do processo sem rendimentos nunca poderão ser integralmente ressarcidas à posterior», cuja linha de raciocínio é totalmente transponível para o caso dos...
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