Acórdão nº 3/21.1GTBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório 1. No processo comum (tribunal singular) com o nº 3/21.1GTBRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Competência Genérica de Póvoa do Lanhoso, após recebimento da acusação deduzida contra o arguido J. P. e designação de data para a realização da audiência de julgamento, na sequência da contestação apresentada pelo arguido, o Mmo. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho, datado de 07/09/2021 (transcrição): “ACUSAÇÃO – QUESTÃO PRÉVIA 1.

O arguido alega que da acusação não consta um elemento objetivo essencial.

Com efeito, na sua tese, da acusação não consta que devido à influência de estupefacientes o arguido não estivesse em condições de conduzir com segurança tal como exige o tipo incriminador – cf. art. 291, nº 2, do CP.

Foi exercido o contraditório, reconhecendo o MºPº razão ao arguido.

Cumpre decidir.

  1. O arguido tem efetivamente razão.

Na verdade, da acusação não consta tal elemento objetivo essencial.

Por essa omissão, a acusação não devia ter sido recebida por manifestamente infundada uma vez que a conduta imputada não consubstancia um crime (por falta daquele elemento objetivo) – cf. al. d), do nº 3, do art. 311 do CPP.

Nada obsta a que o tribunal aprecie, neste momento, a questão, pois o saneamento do processo exige, em questões desta complexidade, o contraditório (no caso, a apresentação de contestação).

Pelo exposto, a falta daquele elemento essencial obsta à apreciação do mérito da causa, o que se declara.

Remeta os autos a inquérito.

Sem custas.

Notifique.” *2 – Por requerimento de 13/09/2021, o arguido suscitou a irregularidade processual do referido despacho por, em síntese: - o despacho que recebeu a acusação e designou dia para a audiência de julgamento, datado de 07/05/2021, ter transitado em julgado há muito; - a remessa a inquérito nessa fase processual constituir uma flagrante violação do princípio da irretratabilidade da acusação; - o arguido e as testemunhas terem sido desconvocadas sem que exista qualquer despacho a dar sem efeito a audiência.

*3 – Sobre tal arguição recaiu, em 16/09/2021, despacho do seguinte teor: “IRREGULARIDADE PROCESSUAL 1 O arguido veio alegar que a decisão proferida a 7.9.2021 padece de irregularidade à luz do disposto no art. 123, n° 1, do CPP.

Mas sem razão.

Na verdade, não foi cometido nenhum vício processual.

As razões apontadas têm que ver com o fundo (ou mérito) da decisão e não com a sua forma.

Pelo exposto, indefiro o requerido.

2 O arguido veio, ainda, alegar outra irregularidade processual à luz também do disposto no art. 123, n° 1, do CPP.

No seu entender, a desconvocação do arguido e das testemunhas “sem que haja qualquer despacho judicial a dar sem efeito a audiência de discussão e julgamento” é também irregular.

Mas sem razão.

O despacho referido supra é claro.

O tribunal concluiu (apreciando os fundamentos da contestação e com eles concordando) que há razão que obsta ao conhecimento do mérito da causa e remeteu, em consequência, os autos a inquérito.

Ora, com o reenvio dos autos a inquérito não é possível realizar-se qualquer audiência de julgamento.

O despacho, por isso, não pode ser interpretado como tendo qualquer outro sentido nomeadamente o de que se mantém a audiência.

Pelo exposto, indefiro o requerido.” * 4 - Não se conformando com a decisão, o arguido J. P. interpôs recurso da mesma, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição): “1ª O douto despacho recorrido não pode manter-se quer por razões de forma, quer por razões de fundo, sufragando-se pelo presente a sua revogação e substituição por outro que ordene a extinção do procedimento criminal contra o aqui recorrente, ou caso assim não se entenda – o que se avança como hipótese académica -, maxime, que remeta a acusação já deduzida nos autos para julgamento e fixe data para a audiência de discussão e julgamento, seguindo o processo seus demais termos até final.

  1. O visado despacho viola os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e das mais elementares garantias de defesa do arguido, consagrados nos artigos 13º nº. 1 e 18º nº. 2 e 32º, todos da Constituição da República Portuguesa, mais violando os princípios infra constitucionais do acusatório, da irretratabilidade da acusação e da preclusão consumativa, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

  2. Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, o despacho recorrido sempre violará o efeito de caso julgado e a sua intangibilidade, bem como o princípio da legalidade – artigos 311.º, n.º 2, al. a) e 3 e 411º nº. 1 do CPP, 18º, 20º, 29º nº.1, 32º da CRP e art. 1º do CP, o que expressamente vai invocado caso não procedam as invocações supra.

  3. A esmagadora maioria da jurisprudência considera que não há possibilidade de reformular, corrigir ou completar uma acusação (improcedente), uma vez que tal reformulação subverteria o espírito do sistema processual penal, assente nalguma forma de protecção das expectativas do arguido em face de uma acusação determinada – este entendimento é, de resto, o único compatível com o disposto nos arts. 309º, nº 1 ou 359º do C.P.P.

  4. Por maioria de razão, afigura-se não ser legalmente permitido que perante uma acusação manifestamente infundada, o julgador remeta os autos a inquérito para que a acusação possa ser corrigida, pois conceder tal prerrogativa ao Ministério Público significaria uma violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos artigos 13º, nº 1 e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesas.

  5. O exercício da acção penal é sempre orientado pelos princípios da legalidade e objectividade decorrentes da Constituição da República Portuguesa e da lei, os quais são fundamento da autonomia daquele órgão da administração da justiça.

  6. Verificou-se, pois com a prolação do douto despacho recorrido, um atropelo grosseiro dos...

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