Acórdão nº 140/11.0TBCVD-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo: 140/11.0TBCVD-A.E1.S1 6.ª Secção ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório Anfriso – Agricultura e Comércio, Lda.

, executada nos autos à margem identificados, veio deduzir embargos à execução intentada pelos exequentes CC e esposa, DD, alegando, em síntese, o seguinte: - A execução intentada pelos exequentes extravasa por completo o título executivo ao abrigo da qual foi instaurada, tratando-se de uma tentativa de ver realizada pela presente via processual de nova e diferente versão do caminho cuja existência e localização foi sentenciada no procedimento declarativo; - A executada, após a prolação da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, jamais impediu ou condicionou a passagem dos exequentes pelo caminho nos termos determinados pela própria sentença, tendo mantido em permanência aberto, ou em condições de ser aberto o portão referido pelos exequentes; - Após a prolação da sentença declarativa, a executada, para contenção dos animais que pastoreiam na Herdade ..., vedou esta sua propriedade ao redor da ... deixando uma faixa de terreno, entre esta sua propriedade e o pequeno muro que delimita a ..., para o caminho de servidão com largura sempre superior a 3 a 4 metros de largura em toda a sua extensão; - Os exequentes pretendem através da presente execução, lograr que se lhes reconheça um direito de passagem, novo e diferente; - Os exequentes voltam a invocar os mesmos factos invocados na ação declarativa, visando obter indemnização com base neles, à custa da executada, pedido que é completamente infundado tal como resultou provado, após discussão, na ação declarativa; -À executada não deverão ser aplicadas quaisquer penalizações ou sanção pecuniária, sendo que as diligências solicitadas pelos exequentes para “restauro do caminho” não fazem qualquer sentido; - E conclui pedindo que se julguem procedentes os embargos e se declare extinta a execução.

Os Embargados deduziram contestação, pugnando pela improcedência dos embargos.

Suscitaram ainda, incidentalmente, a litigância de má fé da embargante, por entenderem que a mesma deduz oposição cuja falta de fundamento não deveria ignorar, pelo que pede que os mesmos sejam condenados no pagamento de uma indemnização de valor não inferior a € 10.000,00.

Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizada audiência final, foi proferida sentença que culminou com o seguinte “dispositivo”: “Nesta conformidade, tudo visto e ponderado, decido: Julgar os Embargos de Executado totalmente improcedentes e, consequentemente, determinar o prosseguimento da execução.

Julgar totalmente improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé formulado pelos Exequentes e, consequentemente, dele absolver a Embargante.”.

Inconformada com tal decisão, interpôs a executada recurso de apelação, o qual, por acórdão da Relação ... de 23/09/2021, foi julgado procedente, tendo-se julgado procedentes os embargos deduzidos e, consequentemente, extinta a execução.

Agora inconformados os exequentes, interpõem o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o decidido na sentença da 1.ª Instância.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) Tal como disseram os embargados, aqui recorrentes, no limiar destas alegações, forçoso é lembrar que este litígio só surge, pelo menos na feição e objecto que apresenta, porque a embargante destruiu o leito da servidão que lhes foi reconhecida, lavrando-o, com intenção de esconder da justiça a sua existência (está escrito, por mão de julgadora, como se disse e se repetirá por nunca ser de mais lembrá-lo).

Sendo a autora dos embargos a mesma que mandou destruir o leito, como não estranhar não haver, no discurso do douto acórdão, uma única palavra que revele ter-se tido presente essa circunstância, e ao invés, se sinta, atrás de algumas expressões ou sinais de pontuação, alguma desconsideração dos embargados.

Para procurar demonstrar que o douto acórdão deve ser revogado, em três momentos se desenvolve a alegação: Expondo os factos; Questionando o motivo de acórdão e sentença se terem colocado em posições tão opostas; Procurando demonstrar que a razão está do lado dos embargados e concluindo pela inevitabilidade (pensa-se) da procedência do presente recurso.

Exposição dos factos: Está em causa, no processo - de embargos a uma execução para cumprimento de uma sentença que reconheceu uma servidão de passagem – saber se a executada já cumpriu, pois que, pretendendo os exequentes que não, a executada diz que sim.

A sentença declarou constituída sobre prédio rústico, Herdade ..., propriedade da executada (aqui embargante), a favor de prédios dos exequentes (aqui embargados), uma servidão de passagem, para pessoas, veículos e animais, formada por usucapião, exercida por um caminho de 3 a 4 metros de largura, encostada a uma ... (a ...), confinante com o prédio serviente; e condenou a executada a reconhecer esse direito e a respeitá-lo, abrindo e mantendo aberto em permanência o portão que ela executada colocara no leito para acesso à herdade (e ao exercício da servidão).

O leito já só por alguns indícios, no início e no final, é reconhecido no terreno, tudo indicando que foi a embargante que o destruiu. Em inspecção judicial, efectuada numa providência cautelar preliminar da acção declarativa, a Senhora Juiz desse processo detectou a existência de um corredor de terra lavrada de fresco e teve-o como sendo o local por onde corria o leito.

A entrada para o leito da servidão, comum também à da própria Herdade ..., fazia-se através de um portão que a embargada tinha colocado no terreno, que é o que se vê nas fotografias juntas com o requerimento executivo como does. n° 2, 3 e 4.

A embargante, obrigada pela sentença exequenda a facultar passagem para o exercício da servidão, colocou, no seu prédio, depois de condenada, uma vedação de rede de arame, para contenção dos animais que pastoreiam na Herdade ..., com a qual vedou parte dessa propriedade, porém deixando entre a vedação e o muro que delimita a ..., uma faixa de terreno, que ela embargante pretende que tem 3 a 4 metros de largura (facto D); e deixou o portão de acesso à Herdade ... em condições de poder ser aberto por quem desejasse passar, colocando nele um letreiro com os dizeres "Atenção, este portão está aberto" (facto C).

Ao instalar a vedação, como esta cortasse o acesso à parte interior da Herdade ..., colocou nela um portão, que, esse, se encontra fechado (facto J).

E neste quadro de factos e de comportamento da embargante que se coloca a questão de saber qual das decisões deve prevalecer, no confronto com a decisão exequenda - se a do douto acórdão, que entendeu que a embargante cumpriu o que naquela sentença se ordenou e, em razão disso, declarou extinta a execução, ou a da sentença da Ia instância, que concluiu que ela não cumpriu, havendo que, em conformidade, fazer prosseguir a execução.

Questionamento dos motivos de acórdão e sentença se terem colocado em posições tão opostas; Sendo o mesmo o quadro de facto em que ambas as instâncias se moveram e decidiram, é motivo de surpresa que tão diferente tenha sido a solução, não porque, em princípio, seja de surpreender que haja, na aplicação do direito, soluções diferentes, mas porque não é natural que, no plano factual, tenham uma e outra, visto os factos de forma tão diferente: o douto acórdão a dizer que a embargada abriu o portão de acesso à Herdade ... e com isso cumpriu a ordem contida na sentença executiva; a sentença a dizer que é verdade que abriu o portão mas que isso não significa que cumpriu; o douto acórdão a dar como natural e legal que a embargante queira confinar a passagem dos embargados a uma faixa, diferente do leito primitivo, que ela escolheu, e a considerar cumprida, também nessa parte, a decisão exequenda; a sentença a dizer que a abertura de tal faixa não constitui cumprimento; a sentença a considerar relevantes, como factores de desadequação da faixa a servir como leito da servidão, os acidentes que deu como existentes no seu percurso; o acórdão a desvalorizar esses acidentes.

A razão da divergência está em que o douto acórdão omite, no seu raciocínio, factos que, considerados, levaria a decisão contrária (os acidentes na faixa); invoca normas e jurisprudência que não se aplicam ao caso (art° 1356° do C. Civil e Ac. do STJ de 7-7-1994) ou não têm o alcance que lhes quer atribuir (art°s 1565° e 1566° do C. Civil). Daí que conclua por uma decisão que, apesar da sua aparência lógica, está, com o devido respeito, errada.

De facto, se, em dados momentos, tem ela uma aparência lógica é porque se auto-amputou do que podia contrariar o seu raciocínio. A conclusão a que chegou só estaria certa se os factos que desconsiderou ou omitiu - os acidentes e o segundo portão - não tivessem de facto relevância e fosse justificada a citação das normas jurídicas e jurisprudência invocadas.

A douta sentença, que teve presente a verdade física do local, não sofre dessa desadequação, precisamente porque pôde a Meritíssima Juiz ter a realidade à sua frente. Bem se crê que outra seria a decisão do douto acórdão se as Senhoras Desembargadoras suas...

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