Acórdão nº 00285/18.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: S...

(Rua (…)), em acção administrativa por si intentada TAF de Coimbra contra o Instituto Politécnico da Guarda (Avª. Dr. Francisco Sá Carneiro, nº 50, 6300-035 Guarda), interpõe recurso subordinado perante recurso interposto pelo réu sobre a decisão final da acção, esse outro já decidido, cumprindo apreciar o da autora, conforme superiormente decidido.

A autora interpôs o seu recurso subordinado, no qual estende sob conclusões: I. Da factualidade provada nos autos resulta que, não obstante os deveres gerais ou especiais impostos não se mostrem consagrados em quaisquer normas legais ou regulamentares, os mesmos correspondem, essencialmente, a orientações verbais dadas pelo Presidente do IPG em julho e em setembro de 2017 que, no entender da ora Recorrente, jamais se poderão traduzir em deveres gerais ou especiais, na aceção do artigo 183º da LGTFP; II. A técnica da cláusula geral com enumeração exemplificativa não impede o exercício do poder disciplinar relativamente a deveres gerais ou especiais inerentes à função desempenhada pelo trabalhador, mas deve ser descrita a conduta que corporiza tal violação; III. As condutas da ora Recorrente puníveis em sede disciplinar serão aquelas que violem os deveres especiais impostos pelas advertências verbais, de julho e setembro de 2017, à falta de norma legal ou regulamentar que os imponha, motivo pelo qual apenas a partir de julho de 2017 a ora Recorrente estava efetivamente adstrita aos mesmos, como «inerentes à função que exerce», nos termos do artigo 183º da LGTFP, pelo que logicamente, as condutas anteriores a essa data não consubstanciam verdadeiras infrações disciplinares, sob pena de violação do princípio da legalidade, o qual vincula o poder discricionário à «qualificação jurídica dos factos reais», cf. o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.12.2012 (processo nº 06944/10), incluindo a fonte dos deveres, gerais ou especiais, que impendiam sobre a ora Recorrente; IV. Se é certo que a douta Sentença recorrida considera que a infração corresponde ao facto de «a Autora indicar a sua afiliação no IPG nos congressos e eventos em que participou», não se deverá ignorar que tal indicação terá ocorrido previamente ao estabelecimento dos referidos deveres, i.e., julho de 2017, pelo que ocorre violação do princípio da legalidade; V. Ao contrário do que decorre da douta Sentença recorrida, a ora Recorrente impugnou expressamente que teria sido informada pelo Presidente do IPG de que a afiliação colocaria em causa o próprio IPG junto da Agência de Avaliação e Creditação de Cursos (artigo 44º da petição inicial), pelo que também a este respeito improcede que os alegados deveres fossem do seu conhecimento; VI. A Entidade Demandada nem sequer logrou provar a existência de prejuízos concretos causados pela conduta da ora Recorrente, pelo que, não se mostrando qualquer prejuízo para o interesse público, deverá determinar-se, nesta perspetiva, a inexistência de infração disciplinar e a violação do princípio da legalidade; VII. A douta Sentença recorrida incorre em clara contradição, quando, num primeiro momento, reconhece a existência de uma infração disciplinar decorrente da violação de deveres gerais ou especiais, e, num segundo momento, conclui que não foi possível esclarecer se a ação será imputável à ora Recorrida ou a uma imposição exterior - «imposição dos organizadores dos congressos e eventos da mesma natureza; VIII. Pelo que, ao contrário do que parece ter decidido o Tribunal a quo, a dúvida relativa à autoria da alegada infração disciplinar não se situa no domínio da culpa, mas sim da própria ilicitude, já que apenas os atos (ou omissões) feridos de ilicitude poderão ser objeto do poder disciplinar; IX. Assim, na medida em que não será possível imputar a atuação à ora Recorrente, a maiori, ad minus, jamais se lhe poderá imputar a ilicitude de tal atuação, pelo que também a este respeito se mostra violado o princípio da legalidade previsto no artigo 183º da LGTFP; X. A liberdade de criação intelectual, artística e científica estabelecida no artigo 42º da CRP inclui a liberdade de divulgação, nos termos do nº 2, onde logicamente se inclui a liberdade (e até o dever) de referenciar quaisquer instituições académicas que potenciaram e financiaram a investigação, pelo que, ao vedar esta possibilidade, as orientações verbais dadas pelo Presidente do IPG, com referência a julho e setembro de 2017, afiguram-se atentatórias da liberdade de criação intelectual, artística e científica da ora Recorrente, na modalidade de liberdade de divulgação; XI. Nas palavras da douta Sentença recorrida, «sendo necessário que o dirigente tome conhecimento de tais factos em termos de os poder enquadrar como ilícito disciplinar», face ao que se deixou exposto supra, os factos imputados à Recorrente não podiam ser enquadrados como ilícito disciplinar pelos respetivos superiores hierárquicos; XII. Com efeito, a violação de quaisquer deveres, gerais ou especiais, na aceção do artigo 183º da LGTFP, a verificar-se, apenas ocorreria após o estabelecimento de tais deveres, por determinação verbal do Presidente do IPG de julho de 2017, reiterada em setembro de 2017, motivo pelo qual, logicamente, o conhecimento da infração, por parte da Entidade Demandada, ocorrera posteriormente à própria instauração do procedimento disciplinar; XIII. Mesmo que tal não se entendesse, sempre se diga que a douta Sentença recorrida ignora a circunstância alegada nos artigos 19º e 20º da petição inicial, porquanto decorre da análise à prova documental junta aos autos que as alegadas infrações eram do conhecimento do próprio Presidente do IPG, contrariamente ao alegado pela Entidade Demandada, pelo que se mostra claramente prescrito o direito de instauração do procedimento disciplinar; XIV. A própria Acusação proferida no âmbito do processo disciplinar, nos artigos 9º a 11º, dá conta de factos já objeto de prévia análise por parte do Presidente do IPG, não sendo enquadrável que a avaliação dos docentes, levada a cabo por aquele, não verifique os documentos, artigos científicos e participação em colóquios e conferências, pelo que deverá improceder totalmente a conclusão de que o conhecimento das alegadas infrações apenas terá ocorrido a 10.07.2017; XV. Quanto à prescrição das alegadas infrações, entende a ora Recorrente que a douta Sentença incorre numa evidente contradição, concluindo, por um lado, que «a infração praticada aquando a participação da Autora neste evento, identificando-se como professora adjunta da Universidade de Liverpool» mas reconhece, posteriormente, «a ausência de certeza quanto a saber se a não inclusão do nome da ED na afiliação se deveu a uma imposição de entidades externas», não se afigurando claro qual a concreta infração que vem imputada à ora Recorrente, ou seja, se a alegada infração corresponde à participação da mesma no evento ou à inclusão do nome da Entidade Demandada na respetiva afiliação; XVI. Assim, a prática da infração terá ocorrido em junho de 2017 ou em junho de 2016, consoante se adote um ou outro entendimento; XVII. Subsistindo a dúvida sobre a imputação da atuação à ora Recorrida ou a terceiros, deveria a douta Sentença recorrida ter decidido que a prática das alegadas infrações ocorreu na data da indicação das afiliações, em junho de 2016, uma vez que a «inclusão» do nome e da filiação da ora Recorrente corresponderia à prática do facto relevante para efeitos de apuramento da data da alegada infração, pelo que à data da instauração do procedimento disciplinar, já se mostrava esgotado o prazo de prescrição previsto no artigo 178º, nº 1, da LGTFP, pelo que tais factos não poderiam ter sido sancionados disciplinarmente; XVIII. O princípio da unidade da infração disciplinar constitui uma manifestação do princípio constitucional non bis in idem, pelo qual se proíbe a dupla punição pelo mesmo facto, devendo-se entender que à prática de diferentes infrações disciplinares corresponde uma única pena, a qual jamais poderá resultar de cúmulo jurídico, cf. ensina LUÍS VASCONCELOS ABREU; XIX. De um ponto de vista sistemático, este princípio constitui a ratio da alínea g) do nº 1 e do nº 4 do artigo 191º da LGTFP, onde se estabelece que a acumulação de infrações constitui uma circunstância agravante especial da infração disciplinar, cujo efeito se manifesta no agravamento da pena única a aplicar no âmbito do procedimento disciplinar, mas nunca no cúmulo jurídico de penas diversas aplicadas a cada uma das infrações, pelo que, ao punir autonomamente cada uma das alegadas infrações disciplinares, a Entidade Demandada efetivamente incorreu na violação do disposto no nº 3 do artigo 180º da LGTFP; XX. De acordo com os melhores contributos da doutrina, perante uma pluralidade de infrações disciplinares, impõe-se a instauração de diferentes processos disciplinares, bem como, de um modo geral, a apensação dos mesmos, nos termos do nº 2 do artigo 199º da LGTFP, ou, em caso de recusa da apensação, a sua devida fundamentação, cf. PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, RAQUEL CARVALHO e Parecer nº 19/2016, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República; XXI. À luz de um princípio de adequação formal que vigora no âmbito da justiça disciplinar – cf. o já referido Parecer nº 19/2016, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República–, resulta que tanto a decisão de apensação como a de não apensação de processos deverá carecerá sempre de fundamentação, pelo que, de modo a se dar a conhecer os fundamentos da apensação ou da não apensação, se deverá inferir logicamente que se impõe a instauração de diferentes processos disciplinares; XXII. Do exposto resulta que o ato impugnado incorreu em dupla ilegalidade, decorrente da não instauração de novo procedimento disciplinar em relação aos factos ocorridos em setembro de 2017 e da falta de decisão (e...

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