Acórdão nº 690/19.0T8ABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGIN
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrentes / Rés: (…), Lda. e (…) – Sociedade Imobiliária e Construtora, Lda.

Recorrida / Autora: (…) – Empreendimentos e Investimento Hoteleiro, SA Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual a A, na qualidade de titular de direitos reais de habitação periódica (DRHP) no empreendimento turístico denominado (…) Hotel Apartamento, peticionou que fosse declarada a nulidade e/ ou anuladas as deliberações tomadas nos pontos 2), 3) e 5) da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de titulares de DRHP que reuniu a 27 de abril de 2019, com as legais consequências.

A 1.ª R foi demandada na qualidade de entidade exploradora e administradora do referido empreendimento e a 2.ª R na qualidade de proprietária de raiz do (…) Hotel Apartamento e de titular de direitos reais de habitação periódica.

A A alegou que, no dia 27 de abril de 2019, teve lugar a Assembleia Geral de titulares de DRHP do (…) Hotel Apartamento. Verificou-se, no entanto, desconformidade da convocatória para a assembleia geral com as normas legais em vigor, a que acresce a não disponibilização para consulta dos elementos justificativos das contas e relatórios de gestão que permitissem o voto esclarecido, a falta de informação e de esclarecimentos quanto ao número de semanas presentes na assembleia e, no que respeita à eleição do presidente da mesa da assembleia, a falta de informação quanto à sua qualidade de titular de direitos reais de habitação periódica, o que fere a deliberação de nulidade; mais invocou que o relatório de gestão e as contas não foram submetidos a votação, que a votação do ponto 5 da ordem de trabalhos foi irregular, atento o teor da ordem de trabalhos, que não permitia perceber que se pretendia uma alteração extraordinária do valor das prestações periódicas a pagar em 2019, inobservando-se o parecer do ROC e incorrendo-se em falta de fundamentação, sendo certo que aquela alteração não foi apresentada pela entidade competente para o efeito.

As RR deduziram contestação sustentando a validade das deliberações tomadas, pugnando pela improcedência da ação.

Foi proferido despacho saneador com o seguinte teor: «O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.

O processo é o próprio.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente patrocinadas.

O processo não enferma de exceções dilatórias, nulidades processuais ou questões prévias de que cumpra conhecer e obstem ao conhecimento do mérito da causa.» No âmbito da audiência final, a A apresentou articulado superveniente invocando que os atos de transmissão de DRHPs por parte da 2.ª R para (…) e (…) são nulos por preterição formalidades essenciais, motivo pelo qual não podem eles ser considerados titulares daqueles direitos reais de habitação periódica e por conseguinte, não podem ser contabilizados os votos por aqueles expressos na assembleia de titulares realizada em 27/04/2019, que a “alienação” daqueles DRHPs a (…) e (…), consubstanciam negócios simulados e por isso nulos (art. 240.º, n.º 2, do CC), já que nem a (…) quis vender quaisquer direitos reais de habitação periódica a (…) e a (…), nem estes os quiseram comprar, não houve pagamento do preço, nem assunção pelos supostos adquirentes dos encargos inerentes àqueles DRHPs, inexistindo, portanto, verdadeira compra e venda daqueles direitos de habitação real periódica; que tal “negócio” teve como único propósito conferir a (…) e (…) a aparência de titulares de DRHP, para que as RR, contornando a proibição ínsita no artigo 36.º, n.º 5, do DL 275/93, conseguissem fazer aprovar, por interpostas pessoas, o aumento extraordinário das prestações periódicas que correspondia aos interesses convergentes de ambas as RR. Sustenta que a deliberação que aprovou o ponto 5 da OT (ou seja, a alteração das prestações periódicas) com base nos votos favoráveis de (…) e (…) não poderá deixar de considerar-se uma deliberação abusiva, na medida em que, com os votos daqueles supostos titulares, se visou conferir vantagens especiais à entidade proprietária e exploradora do empreendimento, em prejuízo dos titulares de DRHP, sendo consequentemente tal deliberação anulável.

O articulado superveniente foi admitido, aditando-se aos temas da prova o seguinte: se os certificados prediais correspondentes aos DRHPs pertencentes a (…) e (…) foram validamente endossados e ainda, da relação dos titulares com as Rés, bem como da contrapartida paga pelos respetivos títulos.

II – O Objeto do Recurso Foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, decidindo: «1. Anular a deliberação relativa ao ponto 3) da Ordem de Trabalhos, na parte em que se pronuncia a Assembleia Geral sobre o relatório de gestão e contas de 2018, porquanto omissa tal matéria da ordem de trabalhos constante da convocatória endereçada aos titulares.

  1. Declarar a omissão da votação do relatório de gestão e contas de 2018, e a sua consequente não aprovação.

  2. Anular a deliberação do Ponto 5) da Ordem de Trabalhos, e assim, a alteração à prestação periódica para o ano de 2019.

    Mais absolvendo as Rés do demais peticionado, mantendo-se válidas as demais deliberações impugnadas pela Autora.» Inconformadas, as RR apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue improcedentes os pedidos deduzidos pela A. Concluíram a alegação de recurso nos seguintes termos: «1.ª A anulação da deliberação tomada sobre o ponto 3) da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral de titulares de DRHP realizada em 27 de abril de 2019 tem por base um duplo fundamento, a saber: (a) a pretensa omissão, na Ordem de Trabalhos, do pronunciamento sobre o Relatório de Gestão e Contas de 2018, e (b) a não aprovação do Relatório de Gestão e Contas de 2018 por não ter o mesmo sido sujeito à votação por parte dos titulares de DRHP.

    1. Considerou a d. Sentença recorrida que, em face do concreto teor da convocatória enviada pela 1.ª Ré aos titulares de DRHP para a Assembleia Geral realizada em 27 de abril de 2019, não poderia ter tido lugar naquela mesma Assembleia a apreciação sobre o Relatório de Gestão e Contas de 2018. Entendimento aquele que, salvo melhor entendimento, não procede in casu, atenta a diferença de redação entre a norma do n.º 4 do art. 34.º do RJHP, que regula a convocatória da Assembleia Geral no âmbito do DRHP, e a norma do n.º 2 do art. 1432.º do Código Civil, que regula a convocatória da Assembleia Geral no âmbito da propriedade horizontal.

    2. Com efeito, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 1432.º do Código Civil, «A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos». Já o n.º 4 do art. 34.º do RJHP, que regula a convocatória da Assembleia Geral no âmbito do DRHP, dispõe que «A assembleia geral deve ser convocada por carta registada, ou por envio de e-mail com recibo de leitura para o endereço eletrónico do titular do direito e publicação da convocatória no sítio da empresa na Internet, pelo menos 30 dias antes da data prevista para a reunião, no 1.º trimestre de cada ano, para os efeitos, pelo menos, das matérias referidas nas alíneas b) a d) e f) do n.º 2». Sendo que não existe, no RJHP, uma norma que determine a aplicação subsidiária das normas reguladoras da Propriedade Horizontal àquele mesmo RJHP.

    3. De modo que, existindo uma norma específica que regula a convocatória da AG no âmbito do DRHP, e não prevendo esta norma o leque de requisitos da convocatória que se acham previstos no n.º 2 do art. 1432.º do Código Civil, deve presumir-se, à luz do critério interpretativo consagrado no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, que o legislador efetivamente pretendeu consagrar um grau distinto de exigência formal entre a convocatória para a Assembleia Geral de titulares de DRHP e a convocatória para a Assembleia de Condóminos. Diferença aquela que se justifica perfeitamente, atenta a manifesta diferença existente entre os direitos em causa, apesar de ambos se revestirem de natureza real.

    4. Com efeito, estando em causa, na Propriedade Horizontal, um verdadeiro direito de propriedade sobre o edifício (cfr. o n.º 1 do art. 1420.º do Código Civil), é sobre os condóminos que impende a obrigação de suportar a totalidade dos custos com a conservação e manutenção do edifício (cfr. o n.º 1 do art. 1424.º do Código Civil); pelo que, estando em causa, em cada assembleia ordinária de condóminos, a manutenção e a conservação da totalidade do edifício, é perfeitamente justificado que, na previsão dos requisitos formais da convocatória da Assembleia Geral de Condóminos, seja o legislador mais exigente do que o é na previsão dos requisitos formais da convocatória da Assembleia Geral de titulares de DRHP.

      Isto porque, 6.ª No âmbito do DRHP não está em causa um direito de propriedade dos titulares sobre as unidades de alojamento (e muito menos sobre o empreendimento), mas antes um direito de utilização periódica daquelas mesmas unidades; de modo que, diversamente do que sucede no regime da Propriedade Horizontal, em que a obrigação de conservação e manutenção da totalidade do edifício impende sobre os condóminos (cf. o n.º 1 do art. 1424.º do Código Civil) no âmbito do DRHP, é sobre a proprietária das unidades de alojamento (ou a entidade a quem tiver sido cedida a exploração do empreendimento) que impende a obrigação de conservação e manutenção do empreendimento (cf. art. 25.º, n.ºs 1 e 2, do RJHP).

    5. Por outro lado, prevê-se expressamente, na alínea b) do art. 4.º do RJHP, a proibição de constituição de DRHP sobre mais de 70% das unidades de alojamento do empreendimento, devendo, pelo menos, 30% das unidades de alojamento do empreendimento ser destinadas à exploração turística, a fim de que a manutenção e conservação do empreendimento não fique exclusivamente dependente das...

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