Acórdão nº 143/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Fevereiro de 2022

Data17 Fevereiro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 143/2022

Processo n.º 1225/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrida B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 9 de novembro de 2021.

2. Pela Decisão Sumária n.º 761/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que deve ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

A recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 6.º-A, n.º 6, alínea c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, interpretado das duas seguintes formas: (i) «é vedada à Recorrente o expediente da suspensão das ações de despejo com o fundamento de que não fez prova de que dispões de outra habitação»; e (ii) «expediente da suspensão das ações de despejo (previsto no art.º 6.°-A, n.° 6 da Lei 1-A/2020 com a redação da Lei 16/2020) impondo à Recorrente uma exigência de prova de um facto negativo ("a ausência de habitação própria") tal que compromete o próprio exercício do direito por trazer um grau probatório exigente, desde logo quando para os autos haviam sido carreados elementos documentais que atestavam a situação de beneficiária de RSI da Recorrente, que não dispunha de imóveis em seu nome e que padecia de problemas de saúde».

Ainda que fosse de admitir a idoneidade do objeto do recurso, não se verifica o requisito da suscitação prévia, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC. Com efeito, nem nas conclusões da alegação do recurso que incidiu sobre o despacho de 7 de janeiro de 2021 do Tribunal de 1.ª instância – o momento processualmente adequado para o fazer, dado que seria nessa sequência que o Tribunal aqui recorrido se pronunciaria sobre a norma do artigo 6.º-A, n.º 6, alínea c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação a considerar –, nem nas subsequentes conclusões da apelação que incidiu sobre a sentença proferida, a recorrente suscitou a inconstitucionalidade de uma qualquer norma, designadamente daquela que agora pretende controverter.

A não verificação deste requisito do recurso de constitucionalidade obsta a que o Tribunal Constitucional possa conhecer do objecto do mesmo, justificando-se, dessa forma, a prolação da presente decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»

3. Da decisão vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, o que fez nos seguintes termos:

«A., Recorrente nos autos à margem referenciados, e neles melhor identificada, inconformada com a decisão sumária n.° 761/2021 deste Tribunal que não admitiu o recurso de constitucionalidade vem, nos termos dos artigos 76.°, n.° 4 e 77.° da Lei 28/82 de 15 de novembro (Lei de Orgânica do Tribunal Constitucional, doravante designada por "LTC") apresentar a sua RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, nos termos e com os seguintes fundamentos:

1.°

Vem a presente reclamação interposta do despacho da decisão sumária n.° 761/2021, proferida em 22 de Dezembro de 2021, que indeferiu a apreciação do recurso apresentado pela ora reclamante, com o fundamento de que não se verifica cumprido o requisito da suscitação prévia, nos termos do artigo 72.°, n.° 2 da LTC.

2.°

Entende, contudo, a ora reclamante terem sido cumpridos todos os pressupostos do art.º 72.°, n.° 2 da LTC e em geral todos os pressupostos de recorribilidade junto do douto Tribunal Constitucional.

3.º

Efetivamente, e ao invés do que concluiu a decisão sumária, ora impugnada, a reclamante suscitou a inconstitucionalidade de normas, tanto nas alegações de recurso sobre o despacho 7.1.2021, como posteriormente na apelação que incidiu sobre a sentença proferida.

4.°

Senão vejamos: nos artigos 42.°, 43.° e 44.° das alegações de recurso do despacho proferido em 7.1.2021, cujo teor se transcreve, a reclamante identificou expressamente as normas cuja inconstitucionalidade questiona, apresentando ainda as razões axiais para tal arguição:

«42. Neste sentido, a decisão proferida no despacho fls., de que se recorre, de 7.1.2021, assume-se, em si mesma, como inconstitucional, por comportar uma interpretação do quadro legal que viola o direito à habitação.

43. Em causa está a interpretação segundo a qual é vedada à recorrente o expediente da suspensão das ações de despejo (previsto no artigo 6.°-A, n.° 6 da Lei 1-A/2020) com o fundamento de que deveria ter apresentado determinado tipo de prova quando invoca a referida suspensão, designadamente provas que dispõe de outra habitação própria para residir, nem dispõe de quaisquer outros meios económicos ou financeiros.

44. Isto quando processualmente o quadro legal é omisso quanto a essa necessidade (de provas específicas ou provas com determinada qualidade processual) e quando, caso se suscitem dúvidas quanto à invocada suspensão - é o princípio do inquisitório que impunha ao MM. Juiz a quo que ordenasse outras diligências e a produção oficiosa de prova, caso esta se mostrasse necessária».

5.°

Sendo que foi naturalmente com base no enquadramento jurídico e argumentativo inscrito nos artigos 42.° a 44.° do recurso do despacho proferido em 7.1.2021 que, subsequentemente, foram extraídas as conclusões I, J, K, L que também se transcrevem:

: «I. Deve o julgador privilegiar uma interpretação da Lei 1-A/2020 com o sentido mais favorável à salvaguarda do direito à habitação (consagrado no art.º 65.º da CRP), na medida em que se trata do último reduto da dignidade humana. J. A decisão proferida no despacho de 7.1.2021, para além de nula por violação do principio do inquisitório é ainda inconstitucional por violação do direito à habitação na interpretação segundo a qual é vedada à Recorrente o expediente da suspensão das ações de despejo com o fundamento de que não fez prova de que dispõe de outra habitação nem de que não dispõe de quaisquer outros meios financeiros, quando existem factos documentados e indiciados nos autos, exigindo para a prova de um facto negativo um grau de prova tal que compromete o exercício do próprio direito.

k. A decisão do Tribunal viola as finalidades prosseguidas na Lei 1-A/2020 de 19 de março porque contraria os princípios da aquisição processual e do inquisitório, e promove uma interpretação restritiva e ablativa de uma norma que consagra um direito constitucional. »

6.°

Ou seja: existe uma interdependência estrutural, e um silogismo obrigatório entre as alegações vertidas nos artigos 42.° a 44.°...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT