Acórdão nº 096/11.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO CAIXA GERAL de APOSENTAÇÕES, IP doravante CGA, com sede na Avenida 5 de Outubro, nº 175 - Apartado 1194 – 1054-001 Lisboa, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC) a presente acção administrativa comum contra a ADPL – Administração dos Portos do Douro e Leixões (ADPL), peticionando: “a) ser declarado que a APDL está obrigada a suportar o encargo das pensões complementares do seu pessoal a quem tenha sido aplicado o Decreto-Lei nº 141/79, de 22 de Maio; b) ser a APDL condenada a regularizar a dívida decorrente do reiterado incumprimento daquele dispositivo legal, a qual ascende actualmente (Dezembro de 2010) a 333.762,17€, dos quais 215.914,46€ correspondem a capital e 117.847,71€ a juros de mora); c) ser a APDL condenada a pagar os valores que, para além do referido na alínea anterior, se venham a vencer por força do mesmo incumprimento no futuro, acrescido dos juros legais”.

*Por decisão do TAC de Lisboa, datada de 30 de Novembro de 2018, a presente acção administrativa comum foi julgada improcedente e absolvida a ADPL do pedido.

*A Autora apelou para o TCA Sul, juntando três documentos – o primeiro trata-se de uma cópia de uma informação e de despacho que lhe é aposto datado do ano de 1991, o segundo uma cópia de uma sentença do TAF do Porto de 13.11.2017 e o terceiro uma cópia de um acórdão do TCA Norte, num processo de oposição à execução fiscal, datado de 7.12.2016 - e este, por acórdão proferido a 02 de Julho de 2020, decidiu que os dois últimos documentos não assumem relevância, não admitindo ainda a junção aos autos do primeiro daqueles, negando provimento ao recurso e confirmando a sentença recorrida.

*A Autora CGA, inconformada, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1ª O presente recurso de revista deverá ser admitido por este Supremo Tribunal, uma vez que trata de matéria que suscita dificuldades superiores ao comum, extravasa do caso concreto, não foi ainda objeto de devida apreciação pelo STA e envolve quantias consideráveis que financiam o regime de proteção social convergente.

  1. Outra das razões pelas quais se considera dever ser aceite a presente revista prende-se com a observância do disposto no art.º 411º do CPC, segundo o qual “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, o que cremos não sucedeu no caso concreto.

    Nestes termos, 3.ª O documento junto ao recurso da CGA (identificado como Doc. 12 e que a decisão recorrida manda desentranhar) constitui um facto que era já conhecido do Tribunal a quo e que foi, aliás, expressamente referenciado em 16) dos Factos Assentes, mais concretamente no ponto 6 do documento de 1999-02-22 do Gabinete do Secretário de Estado do Orçamento, sobre o qual foi proferido despacho de 1999-03-17, o qual remetia expressamente para idêntica resolução da Tutela, proferida em 1991-12-04.

  2. Esse despacho genérico da tutela da CGA – à época o Ministério das Finanças – foi proferido ao abrigo dos art.ºs 111º e 143º do Estatuto da Aposentação, segundo os quais: “Regem-se igualmente pelas disposições relativas ao processo de aposentação, na parte aplicável, os demais processos cuja resolução seja da competência da Caixa Geral de Aposentações”, competindo “...

    ao Ministro das Finanças, ouvida a administração da Caixa ou mediante proposta fundamentada desta, resolver, por despacho genérico, as dúvidas que se suscitarem na aplicação do presente diploma ou de quaisquer preceitos legais sobre matéria de aposentações.” 5.ª O documento junto ao recurso da CGA (identificado como Doc. 12 e que o Tribunal a quo recusou apreciar e mandou desentranhar) não constitui um facto novo, nem uma contraprova, nem um facto que fosse desconhecido pelo Tribunal, visando, antes, completar a informação que já se encontrava nos autos, dotando os autos de um elemento de prova pertinente e relevante para a boa decisão da causa, que encontra devido enquadramento no CPC, tributário da verdade material e do primado da substância sobre a forma – art.º 411º do daquele Código.

  3. Daí que, tratando-se de facto que resulta da própria Matéria Assente (cfr.

    16) dos Factos Assentes) considera a CGA que o Tribunal a quo deveria ter determinado a ampliação da Matéria Assente peticionada por esta Caixa, ficando assim os autos a conhecer o conteúdo do ali referido despacho de 1991-12-04, da Senhora Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento ou, pelo menos, ponderar este facto, até porque contraria a interpretação segundo a qual a CGA não tinha qualquer fundamento para imputar os encargos em causa à APDL.

  4. Não deveria, portanto, ter recusado conhecer o conteúdo de um despacho da Tutela da CGA que consta expressamente referido em 16) dos Factos Assentes e que foi proferido à luz do disposto nos artigos 111º e 143º do Estatuto da Aposentação, supra transcrito.

  5. Do mesmo modo não se compreende a recusa do Tribunal a quo em ponderar os documentos identificados como Doc. 13 e Doc. 14, juntos ao recurso da CGA (cópia da Sentença transitada em julgado proferida em 2017-11-13 pelo TAF do Porto, processo nº 2414/04.8BEPRT e cópia do Acórdão transitado em julgado proferido em 2016-12-07 pelo TCA Norte, processo nº 1451/07.5BEPRT), uma vez que tais documentos foram submetidos à apreciação do Tribunal por força da referência, feita na decisão de primeira instância, ao Acórdão do STA de 2016-01-07.

  6. O Tribunal a quo deveria, pelo menos, ter ponderado o conteúdo de tais decisões antagónicas, mais que não fosse pela circunstância, já assinalada, de a Sentença de 1ª instância ter partido do princípio que a CGA não tinha qualquer fundamento para imputar os encargos em causa à APDL (ao contrário do que entenderam, afinal, o TAF do Porto e o TCA Norte).

  7. Não obstante as instâncias terem dado como assente que: (a) através dos despachos da Direção da CGA de 1995-03-10, 1994-09-21, 2002-04-30, 1994-12-20, 1994-08-01 e de 1988-12-23, foram respetivamente fixadas as pensões de aposentação dos funcionários da APDL ali identificados (cfr.

    1) dos Factos Assentes); (b) as pensões fixadas naqueles atos administrativos observaram o regime instituído pelo Decreto-Lei nº 141/79 (cfr.

    2) dos Factos Assentes); e (c) os encargos que a CGA está a reclamar da APDL decorrem dos atos administrativos que, individualmente, reconheceram e fixaram o direito à aposentação de cada um daqueles funcionários da APDL (cfr.

    3) dos Factos Assentes); ambas concluem que a CGA não tinha fundamento para imputar à APDL os encargos reclamados.

  8. Na prática, as instâncias colocam em causa a validade daqueles atos administrativos, ao desonerar a Ré das responsabilidades financeiras no contexto de aplicação do Decreto-Lei nº 141/79, fixadas em cada um daqueles despachos a que se refere 1), 2) e 3) dos Factos Assentes.

  9. As instâncias não tiveram em consideração que, na presente ação, a causa de pedir da CGA assenta naqueles atos administrativos que reconheceram, por um lado, individualmente, as pensões de aposentação e que definiram, por outro, a repartição de encargos nos termos do Decreto-Lei n.º 141/79, preceito esse que impõe um encargo para o futuro.

  10. Apesar de a própria decisão recorrida reconhecer essa circunstância, ao escrever, na página 27 do Acórdão, o seguinte: “Tendo em conta a forma como a acção se encontra proposta, a CGA, ora RECORRENTE, expõe a sua tese de que a APDL está incluída no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 141/79, de 22 de Maio e que, por isso, lhe compete suportar os encargos fixados pelos despachos de aposentação (ver, i.a., o artigo 152º da p.i.).” 14.ª O Tribunal a quo não apreciou, assim, a questão que lhe foi colocada – se à APDL compete ou não suportar os encargos fixados pelos despachos de aposentação, questão que o Tribunal a quo reconheceu no trecho do Acórdão acima transcrito (pág. 27) – o que torna a decisão nula, nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, alínea d) do CPC (ex vi artigo 1º do CPTA).

  11. Por outro lado, parece-nos que o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre a consolidação dos atos administrativos a que se refere 1), 2) e 3) dos Factos Assentes, não só em face do alegado pela CGA logo na P.I. (art.º 152º), mas também perante o que se escreveu na página 27 do Acórdão recorrido “Tendo em conta a forma como a acção se encontra proposta, a CGA, ora RECORRENTE, expõe a sua tese de que a APDL está incluída no âmbito de aplicação do Decreto-Lei nº 141/79, de 22 de Maio e que, por isso, lhe compete suportar os encargos fixados pelos despachos de aposentação (ver, i.a., o artigo 152º da p.i.)”.

  12. Pelo que não podemos concordar com a decisão recorrida, onde se defende “…é matéria que constitui questão nova e que, portanto, não pode ser conhecida.”, até porque essa questão havia sido concretamente trazida aos autos, designadamente em sede de alegações proferidas na sessão de audiência de julgamento de 2018-09-14, com gravação digital no sistema SITAF.

  13. Assim, não só em face da matéria de facto dada como provada em 1), 2) e 3) dos Factos Assentes, mas também perante as alegações proferidas na sessão de audiência de julgamento de 2018-09-14 – com gravação digital no sistema SITAF – deveria o Tribunal pronunciar-se sobre a consolidação daqueles atos administrativos, e não colocar em causa a validade dos atos administrativos que, na época, definiram a repartição de encargos das pensões nos termos do Decreto-Lei nº 141/79, de 22 de maio.

  14. Sendo certo que tais encargos mensais, a suportar pela APDL, nunca foram judicialmente impugnados, pelo que, esgotados os respetivos prazos, estamos hoje perante atos administrativos consolidados, não podendo a APDL arguir, passadas décadas, o seu desconhecimento sobre cada uma daquelas decisões administrativas, senão seria caso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT