Acórdão nº 01540/06.3BEVIS 01711/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: RELATÓRIO A……………, advogado, inconformado com o acórdão do TCA-Norte que negou provimento ao recurso que interpusera do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro que julgara improcedente a acção administrativa especial que intentara contra a Ordem dos Advogados, dele recorreu para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: “1. A presente revista deve ser admitida em função da necessidade de uma melhor aplicação do direito, quer porque as questões em causa são especialmente relevantes e complexas, quer porque têm um enorme potencial de repetição no âmbito do direito sancionatório.

  1. As questões que se debatem nos autos respeitam à (ir)relevância invalidante da falta de notificação ao arguido de uma diligência probatória essencial a descoberta da verdade e ao acerto decisório quando esse arguido tem a mera possibilidade de consultar o processo, respeitam aos limites do poder judicial quanto às decisões administrativas e à extensão do controlo jurisdicional relativamente aos pressupostos de facto da punição (desembocando, entre o mais, no conceito estruturante de tutela jurisdicional efectiva).

  2. Salvo o devido respeito, o erro de julgamento é efectivamente gravíssimo, incontroverso e ostensivo, sendo a intervenção do STA “claramente necessária para uma melhor “aplicação do direito”, sendo, aliás, patente a complexidade das operações lógicas e jurídicas indispensáveis para a resolução do caso, revelando-se inegável o seu especial relevo jurídico, envolvendo a realização de operações exegéticas de particular dificuldade, aliás, a sua resolução implica a articulação de diferentes diplomas legais, de diferentes princípios jurídicos estruturantes e de diferentes normas regulamentares passando ainda pela análise de conceitos indeterminados e de princípios e garantias estruturantes.

  3. No que concerne ao direito de audiência e ao direito ao contraditório, para a ilegalidade cm causa se poder considerar sanada ou suprida sempre seria necessário que o arguido viesse a saber efectivamente que as diligências tinham ocorrido (mormente através da prática de ou actos no processo que lhe fizessem referência) e, então, que nada fizesse - o que não sucedeu -, não bastando a eventual possibilidade de ter conhecimento das diligências se, casualmente, consultasse o processo administrativo.

  4. O arguido em processo sancionatório não tem o ónus de fazer sistemáticas e permanentes consultas do processo no sentido de verificar se alguma diligência foi feita nas suas costas, sob pena de não o fazendo se dever considerar a ilegalidade sanada.

  5. Salvo o devido respeito, a decisão recorrida viola, frontal e grosseiramente, o direito de audiência e defesa e o princípio do contraditório, que entroncam no próprio princípio do Estado de direito democrático (art. 2.º da CRP) sendo, ademais, que a interpretação que é feita dos arts. 118.º e 123.º n.º 1 do CPP é inconstitucional por violação desses princípios consagrados nos art 32.° da CRP e 6º do TEDH, ao não julgar que a falta de comunicação da diligência probatória essencial à descoberta da verdade é insuprível, impondo aos arguidos em processo sancionador o ónus de consulta sistemática do processo se no sentido de verificarem se alguma prova foi contra si produzida, sob pena de, não o fazendo e tendo hipóteses de o fazer, a ilegalidade se dever considerar sanada..

  6. Quanto ao princípio de reserva de prova adstrita à administração, ao autocontrolo ao poder autónomo de julgamento em matéria disciplinar e ao poder judicial meramente confirmatório ou anulatório, temos que, em matéria de prova, de um facto com relevância disciplinar não existe margem de Liberdade.

  7. Salvo o devido respeito, é inconstitucional a interpretação dos arts. 90.º e 130.° do EOA no sentido de conferirem uma prerrogativa de avaliação em matéria de facto, no sentido de afirmar a existência de um poder disciplinar autónomo e exclusivo da acção disciplinar, que restringe o controlo judicial a uma mera confirmação ou, anulação do acto sancionador, por violação grosseira do art.º 20.º, 1 e 268.º, n.º 4, ambos da CRP - cfr. jurisprudência e doutrina citadas.

  8. Acrescidamente e salvo o devido respeito, a interpretação do art. 3.º, n.° 1 do CPTA, em matéria disciplinar, restringindo o controlo judicial à mera possibilidade de anular ou de confirmar decisões punitivas, como se diz no Acórdão recorrido, afronta de forma grosseira o estatuído no art. 212º, nº 3 e 111.º da CRP - cfr. jurisprudência e doutrina citadas.

  9. À luz da jurisprudência citada e do princípio do in dúbio pro reo, este alto STA pode verificar se ocorre ou não a violação do princípio da objectividade, sem necessidade de outras indagações probatórias, nomeadamente quanto ao “descrédito da posição do arguido.

  10. Salvo o devido respeito, não se percebe, objectiva e suficientemente de que elementos, se serviu o Tribunal recorrido para afirmar o descrédito relativo da versão mutuária do arguido face à versão da participante, quando até está provado que quem faltou comprovadamente à verdade foi essa participante, que só veio reconhecer a verdade já em sede de alegações no Conselho Superior.

  11. Acrescidamente, também não há ponta de prova ou de elementos objectivos que inculquem que a utilização dos dinheiros foi indevida e que, assim, sejam de molde a alicerçar a convicção do julgador no sentido que é sustentado e, por isso, inexiste ilicitude da conduta do arguido.

  12. Em conclusão, temos que se verifica violação de lei e erro de facto nos pressupostos, que é até manifesto na decisão punitiva, e temos que o Acórdão a este, respeito sofre de erro de julgamento e de violação do princípio estruturante do in dúbio pro reo - cfr. jurisprudência citada.

  13. Roga-se assim que o presente recurso seja admitido e seja considerado procedente, sob pena de se cometer uma injustiça flagrante e do arguido ser vítima de uma pena que, sempre será, no mínimo, profundamente desproporcionada”.

A recorrida, Ordem dos Advogados, contra-alegou, tendo concluído: “

  1. De harmonia com o disposto no art. 150º do C.P.T.A., “das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação de direito”.

  2. Ora, da análise do requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações apresentado pelo Recorrente não se antevê o preenchimento dos requisitos que condicionam a admissão do recurso de revista, uma vez que a situação em análise não indicia a existência de questões que possam assumir uma importância fundamental.

  3. Desde logo, sob o ponto de vista jurídico e analisando o douto acórdão recorrido não se vislumbra qualquer particular complexidade ao nível das operações de interpretação e aplicação de direito efectuadas pelo Tribunal a quo com vista à aferição da bondade da pretensão formulada pelo Recorrente.

  4. Por outro lado, também sob o ponto de vista do interesse social não se justifica a intervenção deste Venerando Supremo Tribunal, dado que não se evidencia a existência de interesses comunitários de largo alcance que reclamem a admissão do recurso.

  5. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela e sem conceder, sempre se dirá que o acórdão recorrido não enferma de qualquer um dos erros de julgamento que lhe são imputados pelo recorrente”.

Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

Pelo digno Magistrado do MP junto deste STA foi emitido parecer, onde se concluiu pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento FUNDAMENTAÇÃO I. MATÉRIA DE FACTO O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: “

  1. Em Julho de 2003, B………….. participou ao Conselho Distrital de Coimbra da Ré contra o Autor, alegando, em síntese, que este tinha ficado com um cheque da Companhia de Seguros C…………., S.A, destinado à mesma para pagamento de indemnização por danos causados por acidente de viação, que a mesma lhe tinha endossado a pedido do Autor que “lhe disse ser mais seguro...”, e que depois lhe daria o dinheiro, o que não fez, sendo que tal dinheiro lhe fazia muita falta - cfr. fls. 2 e 3 do PA.

  2. Notificado o Autor de tal participação para responder sobre a matéria da mesma ao abrigo do disposto no artigo 121.º n.º 7 do Estatuto da Ordem dos Advogados - EOA, veio fazê-lo alegando, em síntese, o seguinte: - Que o cheque da Companhia de Seguros lhe foi endossado pela B…………., já que sendo o cheque cruzado não o podia levantar directamente em dinheiro, tendo o Autor emitido no mesmo dia à ordem da B…………. um cheque seu, sacado sobre o Montepio Geral, sem data, no valor igual ao do cheque que lhe tinha sido endossado, isto é, 29.928,00; - Que em princípios de Agosto de 2002 prontificou-se a fazer entrega daquela quantia à Participante e solicitou-lhe um empréstimo de 19.928,00 euros e que esta se prontifica a emprestar tal quantia ao Autor; - Que por essa altura, o Autor entrega, em numerário, à B…………. a quantia de 10.000,00 - cfr. fls. 11 e ss do PA.

  3. Por ofício proveniente da Ordem dos Advogados n.º 3166 de 25.11.2003 foi o Autor notificado para no prazo de 10 dias indicar provas da factualidade alegada na defesa - cfr. fls. 17 do PA.

  4. Decorrido o referido prazo o Autor nada disse, nem requereu quaisquer diligências ou indicou elementos probatórios da factualidade alegada na defesa.

  5. Em 28/01/2004, o Autor é notificado do Despacho de Acusação com o teor que se segue, e para no prazo de 20 dias apresentar a sua defesa e indicar o rol de testemunhas nos termos do disposto no artigo 125.º n.º 1...

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