Acórdão nº 02739/08.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelRos
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. O Exmº Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 29.04.2014, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial que a “P” intentou contra a liquidação de IRC do ano de 2005, no valor de €942.987,59.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação sub judice, deduzida da liquidação de IRC de 2005 lançada à impugnante, declarando que “a atividade exercida pela impugnante (...) reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designada de recolha e tratamento de lixo urbano”, e concluindo que “não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al.b), do CIRC”.

B.

Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se, por entender que a sentença recorrida se mostra afetada de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, já que selecionou de modo insuficiente e valorou erroneamente a factualidade evidenciada da prova produzida no processo, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença.

C.

Dá-se aqui por reproduzida a factualidade que, na ótica da Fazenda Pública, deve complementar a matéria de facto assente na sentença recorrida, que se indicou no desenvolvimento em cumprimento do disposto no art. 640º CPC, no exercício dos poderes concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662º, nº 1, do CPC, aplicáveis por via da al. e) do art. 2º do CPPT, que se documentalmente demonstrados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente os extratos do Relatório de Inspeção Tributária transcritos no ponto D. do título “III – Dos Factos” da sentença recorrida.

D.

A razão de ser do enquadramento da associação de municípios impugnante como sujeito passivo não isento de IRC que exerce a título principal atividades de natureza comercial e industrial, como decorre da factualidade que se pretende seja acrescentada à fundamentação da decisão, na realização dessas operações económicas com caráter empresarial, ie, pela melhor combinação dos fatores de produção para a perceção de acréscimos patrimoniais, visando obter uma diferença positiva entre os valores do património líquido no início e no fim do período de tributação, que a impugnante destina segundo a gestão dada pela sua administração E.

Relevante‚ para o caso delineado nos autos, é, então, a natureza e modo de exercício da atividade pela impugnante, que gerou os valores objeto de tributação, pois que ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, a realidade económica, a realidade de facto, conforme estatui, de forma genérica, no nº 3 do art. 11º da LGT.

F.

Resulta demonstrado que a impugnante dispõe de organização comercial e industrial em ordem ao exercício de uma atividade de produção ou troca de bens e serviços que é capaz de gerar rendimentos e, portando de acréscimo patrimonial.

G.

Esse acréscimo patrimonial lhe advém principalmente do produto da sua atividade de produção ou troca de bens e serviços, mormente dos clientes privados da recolha de resíduos e da venda dos produtos reciclados e de energia elétrica, da contraprestação dos Municípios que pagam preços – tarifas – pela prestação de serviços de reciclagem e incineração de resíduos sólidos urbanos, e da contraprestação dos Municípios que pagam preços – tarifas – pela prestação de serviços de reciclagem e incineração de resíduos sólidos urbanos, que servem à redução das comparticipações para investimentos, e das subvenções públicas, nacionais ou comunitárias.

H.

Daí que não assuma relevo a omissão do escopo legal ou estatutário da impugnante de qualquer finalidade lucrativa efeito excludente, pois que, segundo a realidade dos factos apurada no processo sub judice, as atividades exercidas pela impugnante têm sido dirigidas à obtenção sucessivos acréscimos patrimoniais, obtidos pela eficiente combinação de fatores de produção, conseguindo não apenas economias de escala, mas “maior rentabilidade”, “redução de custos” e, por isso, aumento de proveitos.

I.

Tais acréscimos destinam-se a ser aplicados na estrutura produtiva, reduzindo as contribuições financeiras que os Municípios associados têm o dever de prestar, e, assim, repartindo indiretamente os proveitos entre esses associados.

J.

É esse acréscimo patrimonial verificado na associação impugnante em consequência do modo como exerce a sua atividade que determina a sua tributação em IRC, e não a finalidade, existente ou não, de enriquecimento dos seus associados.

K.

O legislador fiscal liga a obrigação do imposto, não a formas jurídicas, mas à prática de atos, ao exercício de atividades e ao gozo de situações, pois, como observa Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 324, “o facto tributável com ser facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos que, por esta nova ótica, se convertem em elementos do próprio facto”.

L.

A prossecução de um serviço público não obsta em si mesma, na perspetiva da Fazenda Pública, ao preenchimento das condições para que a associação de municípios impugnante se constitua em sujeito passivo não isento de IRC, M.

Desde que exerça as atividades atribuídas em vista daquela prossecução com natureza empresarial e escopo lucrativo – que o Relatório de Inspeção Tributária demonstra e a prova produzida na presente impugnação corrobora.

N.

As atividades de tratamento e valorização dos resíduos urbanos sólidos que compõem a parte do objeto da associação impugnante indicada no nº1 do art. 2º dos seus Estatutos podem ter sido estabelecidas em função da satisfação de fins ou interesses da coletividade, podem manifestar a prossecução de um serviço público, O.

mas o modo empresarial através do qual é exercida, em conjunto com as demais, e o resultado lucrativo que, em repetidos exercícios económicos é conseguido, reintegrado em toda a estrutura produtiva, preenche a estatuição da lei fiscal de sujeição e não isenção, e deve determinar a tributação daquela entidade em sede de IRC.

P.

Posto que a impugnante exerce a sua atividade de modo empresarial, buscando acréscimos patrimoniais entre o início e o fim de cada exercício económico, tem de concluir-se que os seus custos ou gastos, tal como os seus proveitos ou ganhos, fazem parte do apuramento do resultado líquido desse exercício.

Q. Em face do exposto, a associação aqui impugnante exercendo sua atividade de modo empresarial em vista do contínuo incremento do seu património, aliviando a carga financeira que impende sobre os seus membros, e evidenciando capacidade contributiva, é sujeito passivo não isento de IRC.

».

1.3. A Recorrida “P” apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos: A. Inconformada com a decisão a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, a cujas alegações se apresenta agora resposta.

B. Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de facto ou de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123º do CPPT e pelos nº 2 e 3 do artigo 659º do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125º do CPPT e no artigo 668º do CPC. Na verdade, não pode deixar de reconhecer-se que a sentença identifica convenientemente os factos objecto de litígio, sintetiza a pretensão da impugnante e a posição do representante da Fazenda Pública, bem como os respectivos fundamentos, assim como fixa a questão que ao tribunal cumpre solucionar e no modo como descrimina a matéria provada e fundamenta – de facto e de direito – as suas decisões. Percebe-se que o Tribunal procede a um exame das provas testemunhal e documental que se lhe são apresentadas, apreciando-as, censurando-as e valorando-as ao ponto de as estabilizar e de com elas consubstanciar as suas opções de direito.

C. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário – impugnado – face às questões jurídicas suscitadas, chamando ao seu rol factual elementos parciais e descontextualizados retirados desajeitadamente dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos: os factos que o recorrente reproduziu nas suas alegações como correspondendo a citações de depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela aqui impugnante são retirados parcialmente de um contexto abrangente que tem por objectivo a demonstração da tese a que acaba por aderir o Tribunal a quo e que verdadeiramente nunca chega a ser impugnada pela AT, nem em sede inspectiva, nem nos autos da presente acção.

D. A Fazenda Pública limitou-se, enfim, a repetir nesta sede, quanto à matéria de facto, os mesmos dogmas ou preconceitos que já tinha tornado públicos no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância do alcance das funções e do serviço públicos.

E. Com efeito, pode dizer-se, os “factos” invocados no relatório de inspecção tributária não têm uma correspondência exacta à realidade, pelo que não têm por que ser considerados provados. O facto que o Tribunal a quo é apto a admitir como provado é a sua existência e notificação à parte, com o teor que pode ou não entender reproduzir. A recorrente pode ter a pretensão de ver provados todos os factos que apenas indicia no referido documento, o que não pode é ferir de anulabilidade a decisão judicial que os não conforma como tal, quer porque relativamente aos mesmos foi feita uma prova...

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