Acórdão nº 1963/20.5T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Fevereiro de 2022

Data10 Fevereiro 2022

PROCESSO 1963/20.5T8STR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 3 I. Relatório (…) instaurou contra Santander Totta, Seguros – Companhia de Seguros, S.A., e Banco Santander Totta, S.A., a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final: a) a condenação da 1.ª R. a pagar-lhe o montante em dívida correspondente ao capital seguro a 01.04.2019, data do óbito do segurado seu marido, e a devolver-lhe a totalidade das prestações do prémio do seguro pagas desde a mesma data, declarando-se extinto o contrato de seguro celebrado; b) a condenação da 2.ª R. a devolver-lhe a totalidade das prestações pagas desde a data do óbito do segurado, acrescidas de juros contados da citação, declarando-se extinto o contrato de mútuo celebrado. Em fundamento alegou, em síntese, ter adquirido por compra realizada em 19/7/2007, juntamente com seu falecido marido, a fracção autónoma que identifica, tendo contraído junto da 2.ª Ré empréstimo no montante de € 106.000,00, quantia com a qual pagou o preço do imóvel. Para garantia do reembolso do capital mutuado celebraram com a 1.ª Ré contrato de seguro do ramo vida grupo, passando ambos a ser pessoas seguras, sendo a 2.ª Ré, mutuante, a beneficiária. Mais alegou que tendo o seu marido falecido no dia 31/3/2019, morte ocorrida devido a “a asfixia por obstrução intrínseca das vias aéreas por corpo estranho (alimentar)”, participou o óbito à demandada seguradora, a fim de proceder ao pagamento do capital em dívida, no valor à data de € 65.204,02, o que esta se vem recusando a fazer, invocando cláusula de exclusão prevista nas condições especiais contratadas. Face à recusa da 1.ª Ré, continuou a fazer o pagamento das prestações relativas à amortização do empréstimo e, bem assim, dos prémios de seguro, o que fundamenta o pedido de restituição das quantias entregues, a par da condenação daquela no pagamento do capital seguro. * Citadas as RR, apresentaram ambas contestação: a demandada seguradora alegou que, tendo o óbito do marido da A., pessoa segura, ocorrido na sequência de acidente que resultou do consumo de bebidas alcoólicas – situação de intoxicação alcoólica aguda que foi causa directa da sua morte – encontra-se excluído da cobertura nos termos das condições especiais contratadas; a 2.ª Ré, por seu turno, tendo invocado desconhecimento da efectiva causa da morte, sustentou que só pode ser condenada a restituir à autora as quantias entretanto pagas por esta se receber da Ré seguradora o capital seguro à data do óbito. * Dispensada a realização da audiência prévia e tabelarmente saneado o processo, prosseguiram os autos para julgamento. Teve lugar a audiência final, tendo sido proferida sentença que, na procedência da acção, condenou as RR nos pedidos formulados. Inconformada, apelou a Ré seguradora e, tendo desenvolvido na alegação os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: i. Considera a Recorrente incorretamente julgada toda a matéria facto dada como não provada, na medida em que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos não é possível, salvo o devido respeito, concluir pela procedência do entendimento dado pelo douto Tribunal a quo. ii. Tendo em conta toda a prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal, entende a ora Recorrente, salvo o devido respeito, que a matéria dada como não provada foi incorretamente apreciada, a qual conduziu a uma decisão injusta e incoerente com a factualidade efetivamente apurada nos autos. iii. Veja-se o depoimento da testemunha – Dr. (…) – gravado em CD, em ficheiro com referência n.º 20210512095141_2912719_2871698, com início às 09h51min e duração de 45 minutos. iv. Por referência ao depoimento desta testemunha veio o douto Tribunal a quo a concluir, e bem, a nosso ver, que “(…), médico, a prestar serviços para a R. Santander Totta Seguros desde 2003, com quem celebrou um contrato de avença, tendo por funções a análise do risco de saúde e a análise de sinistros quando é acionado um seguro, para determinar se o evento está abrangido pela apólice do ponto de vista médico. Declarou que da análise do relatório da autópsia a causa da morte foi a asfixia após ter tentado engolir um bocado de carne de grande tamanho, o que fez porque estava alterado e não teve reflexos devido à alcoolemia, associada ao medicamento calmante. Concluiu que a ingestão do álcool diminuiu no falecido o estado de consciência e os reflexos de defesa. Das informações solicitadas tomaram conhecimento que o falecido teve um AVC, que não deixa sequelas ao nível da deglutição e mastigação, mas ao nível da fala.”. v. Contudo, acrescentou quanto ao mesmo depoimento, e por referências às causas da morte do falecido Segurado, que “Sobre estas questões pronunciou-se a testemunha (…), médico, que presta serviços à R. Santander Totta Seguros desde 2003, em regime de avença que, tendo analisado o relatório da autópsia, verificou que o sinistrado tinha tentado engolir um bocado de carne de grande tamanho, o que só pode ser explicado por estar alterado devido ao álcool, que lhe diminuiu o estado de consciência e os reflexos. Trata-se de um depoimento genérico, baseado nos conhecimentos profissionais e científicos da testemunha, mas que não têm a virtualidade de fazer com que, relativamente ao sinistrado dos autos, tal realidade tenha efectivamente acontecido, pois que não é possível determinar com segurança a influência que o álcool teve no desfecho fatídico. De facto, os efeitos da ingestão de bebidas alcoólicas não são iguais em todas as pessoas, relevando apenas na medida em que lhe pode ou não alterar a percepção ou o tempo de reação.”. vi. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que o depoimento da testemunha não se trata de um depoimento genérico. vii. Pelo contrário, foi a única testemunha médica com competência técnica ouvida pelo Tribunal e com conhecimento científico bastante para alcançar as conclusões que resultaram do seu depoimento, sem que, no entanto, tenham merecido valor probatório bastante para proferir decisão desfavorável à ora Recorrente, nomeadamente quanto ao efeito do álcool na causa da morte do falecido Segurado. viii. Merece, pois, censura a douta sentença proferida nesta parte, com especial enfoque na consideração da matéria de facto dada como não provada. ix. Se, por um lado, resulta inequívoca a circunstância de inexistir quem tenha assistido ao infortúnio que vitimou o Segurado, certo é que, do depoimento da referida testemunha resultou que o cenário morte só poderia ter resultado de um contexto de etilização. x. Dúvidas não restam, nesse sentido, que a morte do Segurado ocorreu num contexto de etilização aguda, conforme, aliás, resulta do próprio relatório da autópsia. xi. Não se questiona, portanto, que à altura da morte do falecido Segurado apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2.08 +- 0,27 g/l, porém, não se considera o reflexo dessa taxa de álcool na morte daquele, o que não se aceita. xii. Não obstante ter sido nesse contexto que ocorreu a asfixia por obstrução intrínseca das vias aéreas, como a ora Recorrente defende! xiii. Sucede que o falecido Segurado, voluntária, mas inconscientemente, decidiu introduzir um alimento de grandes dimensões na boca, sendo que estamos perante um cenário, como referido pela testemunha Dr. (…) – cujo depoimento merece credibilidade – atípico e chocante. xiv. Neste sentido, valora igualmente a dimensão daquele alimento: 16x4x5, como decorre do relatório da autópsia, e relembre-se que aquela testemunha compareceu em tribunal e exibiu, com vista a melhor perceção da dimensão do alimento, duas bananas, explicando ao Tribunal que o alimento ingerido teria dimensões semelhantes aqueles frutos. xv. A acrescer, como resulta do seu depoimento, temos o consumo de álcool aliado à toma de benzodiazepinas. xvi. Está a ora Recorrente em crer que o douto Tribunal a quo desvalorizou, em absoluto, a referência às dimensões do alimento no relatório da autópsia e a sua importância no depoimento da testemunha médica...

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