Acórdão nº 15184/15.5T8LSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2022
Magistrado Responsável | NUNO PINTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 20 de Janeiro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recorrente: Banco Privado Português, S.A. – Em Liquidação e Massa Insolvente do Banco Privado Português, S.A. – Em Liquidação Recorrida: Massa Falida de Acácio Jorge, Lda.
I. — RELATÓRIO 1.
Banco Privado Português, S.A. – Em Liquidação e Massa Insolvente do Banco Privado Português, S.A. – Em Liquidação intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Massa Falida de Acácio Jorge, Lda., tendo formulado os seguintes pedidos: I. — que a Ré seja condenada, a título de restituição por enriquecimento sem causa, no pagamento do valor de, no mínimo, 177 520,24 €, ou de valor superior que venha a apurar-se, ao qual acrescem juros de mora vincendos calculados à taxa legal anual de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; II. — que a Ré seja condenada, a título de indemnização, por responsabilidade civil por factos ilícitos, ou subsidiariamente, a título de restituição por enriquecimento sem causa, no pagamento do valor de, no mínimo, 6 844,40 €, ou de valor superior que venha a apurar-se, ao qual acrescem juros de mora vincendos calculados à taxa legal anual de 4%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
III. — subsidiariamente, caso não seja possível concretizar o montante exato do enriquecimento da Ré, deverá tal valor ser determinado com recurso à equidade, sempre considerando o prejuízo gerado ao BPP, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, aplicável com as necessárias adaptações.
2.
A Ré Massa Falida de Acácio Jorge, Lda., contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção — deduziu, designadamente, a excepção dilatória de ilegitimidade processual activa.
3.
O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente.
4.
O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor: Por tudo quanto exposto fica, decide-se julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver a ré, Massa Falida de Acácio Jorge, Lda., dos pedidos contra si formulados (…).
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Inconformadas, as Autoras interpuseram recurso de apelação.
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Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: E. Não assiste, porém, qualquer razão ao Tribunal a quo. Senão vejamos, F. Em 27.04.2009, por despacho proferido no processo de falência da Recorrida, foi ordenado ao BPP SA que transferisse para a Recorrida a quantia de € 962.493,59; G. Apesar de em 12.05.2009 ter recorrido do referido despacho, no dia 24.07.2009 o BPP transferiu o valor em questão para a conta titulada pela Recorrida; H. Por Acórdão em Conferência do Tribunal da Relação ..., de 14.11.2013 e transitado em julgado no dia 03.12.2013 foi concedido provimento ao recurso interposto pelo BPP, revogado o despacho recorrido e ordenado à Recorrida a devolução dos fundos ao BPP; I. Apesar das interpelações das Recorrentes, a Recorrida apenas transferiu para o BPP o montante de € 962.493,59 em 05.02.2014; J. Durante o período de mais de 4 anos que as Recorridas estiveram desapossadas da quantia de € 962.493,59 (novecentos e sessenta e dois mil, quatrocentos e noventa e três euros e cinquenta e nove cêntimos) ficaram impedidas de a rentabilizar o que, conforme resultou provado dos autos, lhes causou um empobrecimento no montante de € 177.520,24; K. Durante esse mesmo período, a Recorrida, também conforme resultou provado dos autos, enriqueceu o respectivo património em, pelo menos, € 21.602,09; L. A manutenção da quantia em causa na posse da Recorrida por mais de quatro anos e a sua rentabilização na esfera jurídica da mesma representa um claro benefício deste credor em detrimento de todos os outros credores do BPP e da sua Massa Insolvente, em violação do princípio par conditio creditorum.
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Na decisão sub judice, o Tribunal a quo considerou que o enriquecimento da ora Recorrida estava respaldado numa decisão judicial que ordenou a transferência dos fundos para a sua conta, concluindo que não se encontram verificados os pressupostos nos quais assenta o instituto do enriquecimento sem causa; N. Porém, caso o Tribunal a quo tivesse interpretado correctamente o disposto no artigo 473.º, do CC, teria de ter concluído que, na verdade, tais pressupostos estão reunidos.
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Isto porque dispondo o n.º 2 do aludido preceito legal que “A obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou” devia o Tribunal a quo concluído que o rendimento obtido pela ora Recorrida não teve – ou, no limite, deixou de ter – causa justificativa.
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Conclusão que estaria em linha com Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação … de 14/11/2013, que considerou que o despacho que havia ordenado a notificação do BPP para proceder à transferência dos fundos que a Massa Falida, aqui Ré, havia aplicado naquela instituição, era “ilegal, pelo que não pode deixar de ser revogado”.
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E em linha com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 01.02.2018, no âmbito do processo n.º 276/03.1TYLSB-N, cujo objecto era exactamente igual ao dos presentes autos e no qual se concluiu pela verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa; R. Donde, o Tribunal a quo ao invés da decisão ora em crise devia ter proferido uma decisão que, dando por verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa, condenasse a Recorrida a restituir às Recorrentes tudo o que aquela obteve à custa das mesmas.
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Mais a mais porque, in casu, o despacho que ordenou ao BPP a transferência dos fundos para a esfera jurídica da Recorrida nunca chegou a transitar em julgado, não existindo necessidades de segurança e certeza jurídica que fosse premente salvaguardar, donde também por esta perspectiva, o Tribunal a quo devesse ter considerado não subsistir causa justificativa para o enriquecimento da ora Recorrida.
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O entendimento professado pelo Tribunal a quo traduz-se num vazio de tutela jurídica para aquelas situações em que durante o período que medeia entre uma decisão de um tribunal inferior e a de um tribunal superior, por via de uma decisão ilegal (porquanto assim considerado pelo tribunal superior) do tribunal inferior, uma das partes enriqueceu à custa da outra.
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Mal andou o Tribunal a quo ao entender que existe causa justificativa para o enriquecimento da Recorrida, porquanto este derivou de uma decisão judicial, olvidando-se que face à revogação de tal decisão judicial, deixou de haver causa jurídica para o locupletamento da Recorrida, o qual, consequentemente, se tornou injustificado, à luz do ordenamento jurídico civil.
V. Assim, ao concluir que não se verificam os requisitos do enriquecimento sem causa, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do n.º 2 do artigo 473.º do CC, devendo, por conseguinte, a decisão sub judice ser revogada e substituída por outra que considere estarem reunidos os pressupostos do enriquecimento sem causa.
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Por outro lado, considerando que: a. nos termos do disposto no artigo 479.º, n.ºs 1 e 2, do CC, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido e não pode exceder a medida do locupletamento e que b. da prova carreada para nestes autos resultou provado que a Recorrida obteve uma rentabilidade líquida emergente do depósito a prazo que integrava os € 962.493,59, no valor de € 21.602,09 o Tribunal a quo devia ter condenado a Recorrida a restituir às Recorrentes, a título de enriquecimento sem causa, o valor correspondente, pelo menos, a € 21.259,58.
X. Isto porque uma vez que os € 962.493,59 representam 98,4% do valor total aplicado pela Recorrida no mencionado deposito a prazo (€ 978.000,00), deverá esta restituir às Recorrentes o valor correspondente a 98,4% do total da rentabilidade líquida por si obtida (€ 21.602,09), ou seja, os referidos a € 21.259,58.
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Assim, verificando-se, como acima se deixou alegado, que se encontram reunidos os pressupostos nos quais assenta o instituto do enriquecimento sem causa, não podia o Tribunal a quo deixar de ter condenado a Recorrida no pagamento às Recorrentes de, pelo menos, € 21.259,58.
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Não o fazendo, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do n.º 2 do artigo 473.º e do art.º 479.º do CC, pelo que não poderá a decisão ora em crise deixar de ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida no pagamento às Recorrentes de, pelo menos, € 21.259,58.
AA. Também mal andou o Tribunal a quo ao quando, para justificar a sua decisão de inexistência de causa de enriquecimento, no momento temporal posterior ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., entendeu ser necessário que as Recorrentes tivessem interpelado a Recorrida para proceder à devolução da quantia em causa, uma vez que o referido acórdão não fixou prazo para esse efeito.
BB. Desde logo, o Tribunal a quo devia ter dado como provado que as Recorrentes procederam à interpelação da Recorrida e não, como o fez, dar esse facto por não provado.
CC. Isto porque tendo as Recorrentes nos artigos 27.º e 28.º da P.I. alegado tal facto e não tendo a Recorrida impugnado o mesmo, o Tribunal a quo, atento o disposto no art.º 574.º n.º 2 do CPC, tinha de ter dado como provado que as Recorrentes interpelaram por diversas vezes a Recorrida para esta proceder à restituição dos € 962.493,59.
DD. De qualquer modo, sempre se dirá que a interpelação em causa não se revela essencial para que o Tribunal a quo pudesse ter condenado a Recorrida a pagar às Recorrentes, a título de indemnização por responsabilidade civil por factos ilícitos, o valor dos juros de mora vencidos entre a data do trânsito em julgado do acórdão Tribunal da Relação ... que determinou essa devolução, até à data em que a Recorrida efectivamente procedeu à mesma.
EE. Isto porque, na senda do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 22.06.2004, no âmbito do processo n.º...
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