Acórdão nº 19384/16.2T8LSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. BB requereu, em .../07/2018, contra AA a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, sob o regime de guarda conjunta e residência alternada por períodos semanais, relativas à filha de ambos CC, nascida a .../.../ 2009, que fora estabelecido mediante acordo homologado por sentença de 24/01/2017, alegando, em síntese, o seguinte: .

A situação de residência de CC com a mãe, ora Requerida, deixara de ser a melhor, uma vez que, segundo o que a menor transmitira ao Requerente, quando ela se encontrava com a mãe, o namorado desta dava-lhe beliscões, empurrões e pontapés, por debaixo da mesa, chamando-lhe piegas; .

E segundo o relato da menor, a mãe dizia-lhe para não se queixar, chegando a apertar-lhe o braço.

. Por sua vez, o Requerente apercebeu-se de que a filha passou a autocensurar-se por aquilo que dizia ao pai, mostrando-se inquieta e com tensão nervosa e queixando-se, quer às primas quer a amigos de família, de que o namorado da mãe lhe batia.

.

A CC está segura e é bem tratada em casa do Requerente, que tem condições para assumir exclusivamente a guarda daquela. Concluiu o Requerente a pedir que fosse alterado, com urgência, o regime das responsabilidades parentais estabelecido, desde logo, provisoriamente, no sentido de ser atribuída a guarda da criança apenas a ele.

  1. Foi então proferida a decisão de fls. 42-42/v.º, de 25/07/2018, a fixar um regi-me provisório, autorizando, a título cautelar, que a menor CC permanecesse em casa do pai, caso manifestasse essa vontade, sem prejuízo de manter convívios com a mãe, mas sem a presença do namorado desta e com o apoio da Segurança Social.

  2. Citada, a Requerida veio responder, negando a prática dos factos alegados na petição inicial, tanto os imputados a ela como os atribuídos ao seu namorado, afirmando ainda que a CC é a sua prioridade e que a restruturação da sua vida familiar tem sido feita de harmonia com essa opção, respeitando o ritmo da criança. Nessa base, pugnou pela aplicação do regime de guarda alternada com supervisão técnica pelo período mínimo de dois meses, com avaliação psicológica a si e ao Requerente e acompanhamento de CC por psicólogo a indicar pelo tribunal, sem prejuízo de eventual articulação com a profissional que vem acompanhando a menor no Centro de Saúde, pelo menos desde setembro de 2017.

  3. Realizada a audição da menor e iniciada a conferência de pais, sendo também ouvida a técnica da Segurança Social que acompanhava os autos, em 05/09/2018, foi introduzida nova regulação provisória a manter a residência de CC junto do pai e a fixar um regime de convívio com a mãe, por períodos determinados, sem a presença do companheiro desta, conforme despacho constante de fls. 150-152.

  4. Em 04/12/2018, foi reaberta a conferência de pais e ouvida a técnica da Segurança Social sobre o modo como decorreu o regime provisório, na sequência do que foi estabelecida nova alteração do regime de visitas, com a inclusão de fins de semana alternados da criança com a mãe, mas sem a presença do companheiro desta, conforme despacho de fls. 200-201, agendando-se a continuação da conferência para avaliação da evolução conseguida.

  5. Em 20/03/2019, foi realizada nova sessão de conferência de pais, determinando-se algumas alterações temporais do regime de convívio da menor com a mãe, sem a presença do companheiro desta, conforme despacho de fls. 214-216.

  6. Apresentadas alegações, foi realizada a audiência final, no decurso da qual, na sessão de 22/09/2020, foi novamente alterado o regime provisório, alargando-se o período de convívio da menor com a mãe, conforme o despacho de fls. 648.

  7. Terminada a audiência final, foi proferida a sentença constante de fls. 786-807, de 05/04/2021, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição da Requerida do pedido de alteração das responsabilidades parentais.

  8. Inconformado, o Requerente recorreu para o Tribunal da Relação ..., em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 874-892, de 07/10/2021, a julgar parcialmente procedente a apelação, modificando alguns dos pontos de facto impugnados e decidindo “alterar” a sentença recorrida com a fixação do regime de regu-lação das responsabilidades parentais de CC nos seguin-tes termos: «1) Até 31 de Março de 2022: a) mantém-se o regime actualmente em vigor, fixado em 24 de Janeiro de 2017 e alterado pelos despachos de 4 de Dezembro de 2018, de 20 de Março de 2019 e de 22 de Setembro de 2020, com as aclarações entretanto feitas; b) mantém-se o afastamento do convívio entre a CC e o companheiro da mãe com reintrodução gradual de tal convívio se e quando considerado adequado pelo técnico que acompanhará a CC.

    2) Após 31 de Março de 2022 e até 31 de Agosto de 2022: a) cessa o afastamento do convívio da CC com o companheiro da mãe, estando a revogação condicionada a prévio parecer favorável dos técnicos que acompanharem a CC, a mãe e o companheiro desta e ao envio de relatórios mensais sobre a evolução da situação por parte dos mesmos técnicos; b) a estada da CC com a mãe passa a iniciar-se à quarta-feira (em vez da quinta-feira); c) reinicia-se o regime de férias estabelecido em 24 de Janeiro de 2017.

    3) Após 31 de Agosto de 2022, mediante parecer positivo dos técnicos que acompanharem as famílias nucleares da CC, será retomado na íntegra o acordo de regulação das responsabilidades parentais fixado por decisão de 24 de Janeiro de 2017.

    4) O regime agora estabelecido será acompanhado pela entidade indicada na sentença de primeira instância - Equipa Tutelar Cível de ...da Santa Casa de ... -, sem prejuízo das alterações que seja necessário fazer no decurso do acompanhamento e que à primeira instância caberá estabelecer.

    5) O acompanhamento envolverá os pais, os seus companheiros e a CC, sem prejuízo da possibilidade de recusa, cuja incidência no regime agora estabelecido será objecto de apreciação.» 9.

    Desta feita, inconformada, a Requerida veio pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Será de concluir pela improcedência da ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais com a consequente absolvição da recorrente do pedi-do formulado, conforme sentença, proferida em 05/04/2021; Porquanto: 2.ª - A consecutiva mudança do Regime de Contactos e Convívios da criança com os respetivos progenitores, bem como a imposição de alterações abruptas no seu quotidiano, infligem à menor instabilidade e insegurança, tão rápido se decidiu pela viabilidade do regime da residência alternada, como se o teve de alterar para um modelo de gradual complexidade; 3.ª - O afastamento do companheiro da mãe da criança, aquando dos períodos de convívio com a mãe, foi inicialmente decretado a 25/07/2017, findando com a decisão proferida a 05/04/2021, não se compreendendo como se poderá caminhar em sentido inverso àquele que se estava a caminhar no sentido da promoção da tão desejada adaptação gradual do convívio entre a CC e o companheiro da mãe, parecendo tratar-se de impor uma escolha entre duas famílias, a que uma criança não deve ser submetida, parece lesar o princípio do superior interesse da criança 4.ª - A regulação das responsabilidades parentais deve visar assegurar essencialmente o interesse da criança, mas também proteger as capacidades e legítimos interesses dos progenitores.

    1. – Na regulação das responsabilidades parentais, não poderá tal regulação ingerir-se na integridade dos pais, na sua liberdade pessoal, nos termos do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

    2. - O acórdão recorrido enferma da desjudicialização da decisão, tratando-se efetivamente de uma decisão submetida a condição, cabendo única e exclusivamente ao Tribunal, órgão que se ocupa da apreciação do caso concreto, munido do respetivo poder jurisdicional proferindo decisões capazes de produzir efeitos, "in casu", na esfera jurídica interna das partes, poder que não cabe às referidas Instituições, nomeadamente a técnicos de acompanhamento; 7.ª - De outro modo, admitir-se-ia que os Tribunais se fizessem substituir, na fixação de decisões judicias, o que contenderia de modo gravoso com o Estado de Direito Democrático, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa 8.ª - Conclui-se ainda pelo pedido de efeito suspensivo ao presente recurso, uma vez que estamos perante uma questão sobre o estado de pessoas.

    Pede a Recorrente que se julgue a ação improcedente com a sua consequente absolvição do pedido.

  9. O Digno Representante do Ministério Público contra-alegou, arguindo a inadmissibilidade da revista, pugnando, no mais, pela manutenção do efeito meramente devolutivo do recurso e pelo seu não provimento.

  10. O Recorrido também contra-alegou, concluindo pela confirmação do acórdão recorrido, exceto se for entendido que os regimes provisórios são inadequados, caso em que, em atenção ao superior interesse da criança, bem como à sua segurança e estabilidade, se deverá estabelecer que a menor fique a residir com o pai, sendo atribuído à mãe um fim de semana quinzenal para passar com a filha e um jantar por semana com ela no fim se semana que não lhe couber.

  11. A Exm.ª Relatora da Relação admitiu o recurso, por considerar ser fundado em alegada violação de lei, atribuindo-lhe o efeito meramente devolutivo, atendendo à gradualidade de adaptação do regime fixado e á sua inadequação ao efeito suspensivo. II – Da questão prévia sobre a admissibilidade e efeito da revista Quanto à questão prévia da admissibilidade da revista, não obstante estarmos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, em que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade, nos termos do art.º 988.º do CPC, o certo é que, no caso, a Recorrente invoca violação de lei, especialmente do disposto no artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC (no respeitante ao alcance do “superior interesse da...

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