Acórdão nº 3908/18.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelRIJO FERREIRA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARARTIVA ENTRE JARDIMESC – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, Ldª(aqui patrocinada por AA, adv.) Autora / Apelada / Recorrente CONTRA BB(aqui patrocinado por CC, adv.) Réu / Apelante / Recorrido I – Relatório A Autora intentou a presente acção pedindo se declarasse resolvido o contrato promessa de compra e venda que celebrou com o Réu, por incumprimento definitivo deste, se reconhecesse o direito a fazer seu o sinal prestado e se condenasse o Réu a restituir-lhe o imóvel objecto daquele contrato promessa, do qual ocorreu ‘traditio’, bem como a pagar uma indemnização pela ocupação do mesmo à razão de 1.050,00 € / mês.

Alega para fundamentar tal pedido ter o Réu faltado nas quatro datas designadas para a realização da escritura e para que oportunamente o interpelou, com a indicação de perda de interesse na realização do contrato.

O Réu contestou invocando a excepção de não cumprimento uma vez que a Autora não procedeu à reparação das infiltrações de que padece o imóvel prometido vender, sendo lícita a sua recusa em celebrar o contrato prometido e o abuso de direito na resolução do contrato promessa. Em reconvenção, pediu a condenação da Ré a reparar os defeitos existentes no imóvel, na redução do preço e a reconhecer-lhe direito de retenção; subsidiariamente, a ressarci-lo das benfeitorias feitas no imóvel.

Apenas o primeiro e último dos referidos pedidos reconvencionais foram admitidos.

A final foi proferida sentença que, considerando que o Réu faltou a todas as datas em que foi interpelado para proceder à realização da escritura e que «a existência de defeitos na coisa prometida vender não constitui fundamento bastante para o incumprimento, porque inexiste correlação directa entre uma e outra das prestações», julgou lícita a resolução com o concomitante direito a fazer seu o sinal com exclusão de qualquer outra indemnização, declarando o contrato promessa resolvido, reconhecendo o direito da Autora a fazer seu o sinal entregue, condenando o Réu a restituir o imóvel e absolvendo-o do demais pedido; assim com absolveu a Autora dos subsistentes pedidos reconvencionais.

Inconformado, apelou o Réu concluindo, em síntese, por excesso de pronúncia, erro na determinação da base factual e erro de direito.

A Relação, depois de considerar não padecer a sentença de nulidade e alterar a matéria de facto, considerando que seria «duma violência iníqua exigir que o R. fosse obrigado a comprar a sua casa de habitação nessas condições [com infiltração na sala com escorrências que possibilitam a ocorrência de curto-circuito], tal como seria violência atroz impor ao R. a perda do sinal de €132.750,00, em conjunto com a perda da casa onde já habita», qualificou o exercício do direito à resolução como abusivo, por contrário as ditames da boa-fé, revogando a sentença recorrida na parte em que declarou a resolução do contrato promessa, reconheceu o direito da Autora a fazer seu o sinal entregue e condenou o Réu a restituir o imóvel.

Agora irresignada interpôs a Autora recurso de revista, nos termos do art.º 671º, nº 1, do CPC, concluindo, em síntese, por violação do direito probatório ao alterar a matéria de facto e por erro de julgamento porquanto inexiste abuso de direito.

Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.

II – Da admissibilidade e objecto do recurso A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Destarte, o recurso merece conhecimento.

Vejamos se merece provimento.

-*- Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Por outro lado, também os recursos estão sujeitos à regra da utilidade (art.º 130º do CPC), ou seja, só é legítimo invocar nos recursos questões que sejam relevantes e determinantes para a alteração ou anulação da decisão tomada.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, desde logo se constata que a imputada violação do direito probatório pela Relação ao alterar a matéria de facto relativamente ao momento do conhecimento da comunicação da primeira data para a realização da escritura, não deve conhecida, por inutilidade, uma vez que, como a própria Recorrente reconhece “a mesma não é determinante” para o resultado do recurso.

A única questão a conhecer é assim a de saber se é ilegítima a resolução contratual intentada pela...

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