Acórdão nº 550/20.2T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO F. R. e esposa A. R., R. T. e marido A. C., F. T. e esposa M. S. intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: 1. A. S. e marido P. D., 2. Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de M. P., representada pela cabeça de casal M. R., pedindo que:

  1. Se declare anulada e sem qualquer efeito a venda dos prédios identificados no artigo 2º da petição inicial efectuada por M. P., entretanto falecida, aos Réus A. S. e P. D. e, consequentemente, o regresso do direito em causa ao património da Ré Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de M. P.; B) Se declarem, consequentemente, anulados e de nenhum efeito quaisquer negócios jurídicos, actos ou factos levados a efeito pelos Réus A. S. e P. D. que tenham por objecto quaisquer bens que integrassem o património hereditário da falecida M. P., à data da abertura da respectiva sucessão; C) Se condene os Réus no pagamento das custas do processo e mais legais acréscimos.

Alegam, em síntese, que os AA. F. R., R. T. e F. T. são filhos de M. P., falecida em 13/10/2018, e tios da Ré A. S., sendo esta filha da irmã daqueles, M. R. que é, por sua vez, a cabeça de casal da herança aberta por óbito da mãe.

A falecida M. P., por escritura outorgada em 3/01/2014, vendeu em comum à sua neta A. S. e ao então companheiro P. D. dois prédios urbanos identificados no artº. 2º da petição inicial, pelo preço global de € 29.540,00, que corresponde à soma do valor patrimonial daqueles prédios: artigo matricial 101 - € 18.100,00 e artigo matricial 102 - € 11.440,00.

Após a venda dos mencionados prédios, em 26/08/2018 a Ré A. S. casou com o R. P. D. sob o regime da comunhão geral de bens.

A referida venda foi realizada sem o consentimento dos AA., os quais apenas tiveram conhecimento da mesma no âmbito do processo de inventário n.º 2404/19, que corre termos no Cartório Notarial do Dr. P. C., em Barcelos.

Quando os AA. foram notificados da relação de bens apresentada no referido processo de inventário, verificaram que da mesma não constavam relacionados os prédios identificados no artº. 2º da petição inicial e, desconhecendo a aludida venda, reclamaram aqueles bens que não haviam sido relacionados.

Só quando receberam a resposta à reclamação da relação de bens, em 5/09/2019, é que tiveram conhecimento da venda.

Neste caso, os RR. pretenderam que os AA. fossem lesados nos seus direitos sucessórios, pois os prédios têm um valor de mercado superior a mais de metade pelo qual foram vendidos, sendo que a referida venda foi efectuada pelo valor simbólico, se não totalmente irrisório, de € 29.540,00, sendo este um valor muito inferior ao valor real.

A venda foi efectuada, em comum, aos RR. A. S. e P. D., porque todos os RR. sabiam que nunca os AA. iriam consentir na venda em tais moldes e que, caso tivessem conhecimento da mesma, pediriam a sua anulação.

O facto do R. P. D. intervir na escritura quando ainda era apenas companheiro da Ré A. S., foi uma “artimanha” preparada pelos RR. para quando os tios, os aqui Autores, pedissem a anulação da venda, ficarem em parte salvaguardados.

Os RR. bem sabiam que o negócio era anulável, uma vez que faltava o consentimento dos filhos da vendedora e respectivos cônjuges, e que implicava uma diminuição do património da vendedora e da legítima dos herdeiros não intervenientes na escritura, razão pela qual alguns dos filhos da vendedora (como é o caso dos Autores) não dariam o necessário consentimento.

Os RR. A. S. e P. D. apresentaram contestação, na qual defendem-se por excepção, arguindo a falta de personalidade/ilegitimidade dos AA., pois a presente acção deveria ser intentada por todos os herdeiros de M. P., não tendo uma das filhas da vendedora instaurado a acção, devendo do lado passivo permanecer apenas os RR. contestantes.

Invocam, ainda, a caducidade do direito dos AA. de arguirem a anulabilidade do contrato de compra e venda em causa, pois aqueles sabiam em 2010, e em data anterior a esta, da intenção de venda dos referidos prédios e ainda em 2013 souberam da intenção de venda em concreto aos Réus, e tiveram conhecimento da realização da escritura nas semanas seguintes à mesma. Os AA. sabiam, pelo menos desde 2010, que a sua mãe tinha os prédios à venda, existindo placas publicitárias para venda no prédio, tendo igualmente alienado outros prédios.

Acrescentam que os AA. sempre mantiveram, e mantêm, entre si um estreito relacionamento e têm terrenos próximos dos prédios que os RR. adquiriram, sendo que o A. F. T. é confrontante pelo lado poente. Antes da venda, os AA. depositavam objectos no prédio, o que deixou de suceder após a venda, tendo em 30/12/2015 o A. F. T. sido notificado, por carta registada com aviso de recepção, para proceder à retirada de um veículo que depositava na propriedade dos RR., o que este fez.

Os pedidos formulados pelos AA. não podem proceder quanto ao R. P. D., pois o mesmo não tinha qualquer laço de parentesco com a vendedora, o que determinará a sua absolvição do pedido, ficando a presente acção reduzida a ½ dos prédios, ou seja, a parte adquirida pela neta da vendedora.

Invocam a existência de abuso de direito por parte dos AA., pois souberam da realização da escritura nas semanas seguintes à sua outorga e a ela não se opuseram. Pelo contrário, os AA. sempre agiram de forma a respeitar a propriedade dos RR., deixando de entrar nos prédios como faziam até então.

Referem, ainda, que os AA. sabem que a venda efectuada aos RR. não tinha intenção de os prejudicar, como não prejudicou, pois as construções existentes nos prédios datam de 1937, já estavam devolutas pelo menos desde o ano de 2007, não tinham condições de habitabilidade e os RR. pagaram à vendedora € 40.000,00, valor esse superior ao declarado na escritura, o que os AA. não ignoram.

A partir da compra, os RR. passaram a agir como donos e legítimos proprietários dos prédios, praticando os actos de posse que descrevem no seu articulado, o que sempre fizeram à vista de todos e sem oposição de ninguém, nomeadamente dos AA., sendo que tais prédios constituem a habitação própria e permanente dos RR. e do seu filho. Em virtude das obras realizadas pelos Réus, cujo valor ascende a € 119.246,68, os prédios têm, actualmente, um valor muito superior.

De qualquer forma, sempre seria abusiva a actuação dos AA. de arguirem a anulabilidade do negócio, tanto mais que, ao longo dos anos já decorridos, sempre criaram nos RR. a convicção de que nunca arguiriam tal anulabilidade, conduzindo a eventual procedência da acção a um injusto locupletamento dos AA. e a um prejuízo injustificado dos Réus.

Subsidiariamente, na hipótese de a acção ser julgada procedente, os RR. deduziram reconvenção, alegando, em síntese, que desde a compra dos imóveis, e por via da mesma, gastaram as quantias que discriminam nos artºs 90 a 93º da contestação e realizaram diversas obras quer no interior dos imóveis, quer arranjos nos exteriores, que descrevem no seu articulado e cujo valor ascende a € 119.246,68, pelo que os prédios têm, actualmente, um valor muito superior ao que tinham aquando da compra.

Concluem, pedindo que:

  1. As excepções invocadas sejam julgadas procedentes e a acção julgada totalmente improcedente com as consequências legais; b) Os AA. sejam condenados como litigantes de má-fé em multa a arbitrar pelo Tribunal e em indemnização ao RR., a qual deverá incluir todas as despesas do pleito, a liquidar nos termos do artº. 543º do CPC, mas nunca inferior ao montante global € 22.500,00 (€ 7.500,00 a cada um dos 1ºs, 2ºs e 3ºs Autores); c) Subsidiariamente, deve ser julgada procedente a reconvenção deduzida e: - reconhecer-se os RR. como donos e legítimos proprietários dos prédios descritos sob os nºs ... e 293/..., concelho de Barcelos, por acessão imobiliária; - ou serem os AA. condenados a pagar aos RR. a quantia correspondente a benfeitorias realizadas nos imóveis no valor de € 119.246,68, que seria acrescido por decorrência da anulação, das quantias referidas nos artºs 90º a 93º, no valor de € 42.254,50, num total de € 161.501,19.

    Os AA. apresentaram réplica, onde responderam às excepções e se pronunciaram sobre a reconvenção.

    Quanto às excepções, pugnam pela improcedência da invocada falta de personalidade/ilegitimidade dos AA., alegando que bastaria um dos AA. não consentir na venda para que a mesma fosse anulada, pelo que não estamos perante um caso de litisconsórcio necessário ou obrigatório, para além de que a herança ilíquida e indivisa aqui Ré goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.

    Relativamente à caducidade, defendem que apenas tiveram conhecimento da venda em 5/09/2019, data em que receberam a resposta à reclamação da relação de bens, impugnando tudo o que os RR. alegam acerca do conhecimento anterior dos Autores, tendo a carta endereçada ao A. F. T. sido apenas assinada pelo R. P. D., o que não permitia saber da venda à Ré A. S., para além de que o A. F. T. nunca deu conhecimento da aludida carta aos demais Autores.

    No que concerne ao pedido reconvencional, alegam que o mesmo deveria ser deduzido contra a herança ilíquida e indivisa e todos os herdeiros, e não apenas contra os aqui Autores, pois no caso de procedência da acção, os prédios regressam ao património da herança aqui Ré e todos os herdeiros daí retiram benefícios.

    Como tal, defendem que a reconvenção não deve ser admitida; no entanto, caso assim não se entenda, impugnam os factos alegados em sede de contestação/reconvenção, pois os RR. não despenderam com o imóvel o valor que referem, nem o mesmo tinha o valor diminuto que alegam, sendo que nunca teve valor não inferior a € 100.000,00.

    Terminam, pugnando pela: A) improcedência das excepções deduzidas, concluindo-se como na petição inicial quanto à matéria da contestação; B) inadmissibilidade da reconvenção ou, caso assim não seja entendido, pela total improcedência do pedido reconvencional, com a...

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