Acórdão nº 9433/19.5T8LRS.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1.–Relatório: 1.1.

–AAA interpôs a presente ação de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento contra “BBB o que fez mediante o competente formulário apresentado em 02-10-2019.

Citada a Ré, teve lugar a audiência de partes, não tendo sido alcançado qualquer acordo.

No dia 04-11-2019, a Ré BBB apresentou o articulado motivador do despedimento, no qual, para além do mais, alega que nunca chegou a ser a entidade patronal do autor, pois essa era a “CCC.”.

Admitiu que a documentação constante dos autos de procedimento disciplinar faz alusão à “BBB”, mas atribui tal facto à convicção criada no seu departamento interno responsável pelo procedimento disciplinar de que o autor havia sido transferido para si, quando o não tinha. No seu entendimento, tal lapso ficou sanado com a “ratificação de todo o processado dos autos de procedimento disciplinar” feita em 04-10-2019 pela CCC”, que “assumiu todos os efeitos jurídicos produzidos nos referidos autos”.

A 27-11-2019, o mesmo trabalhador apresentou formulário de impugnação do despedimento contra a CCC.

Tal formulário deu origem ao proc. 11579/19.3T8LRS, tendo sido ordenado por despacho a sua apensação a estes autos.

Foi designada audiência prévia com a finalidade, além de outras, de, caso não fosse possível alcançar uma solução consensual, “…ponderar e conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre uma decisão de mérito que parta destas premissas: o procedimento disciplinar foi promovido por quem não era entidade empregadora e quem era entidade empregadora não promoveu qualquer processo disciplinar.” A Ré BBB respondeu à reconvenção apresentada pelo Autor.

Foi designada audiência de partes para que nela interviesse a CCC onde tão pouco se logrou acordo.

Foi apresentado o Articulado Motivador do Despedimento por parte da CCC, onde esta refere ser a entidade empregadora do Autor e volta dizer ter em 04-10-2019, ratificado o procedimento disciplinar deduzido contra o Autor. Mais invoca a exceção da caducidade do direito de intentar a ação de impugnação da licitude e regularidade do despedimento e conclui pela regularidade e licitude do procedimento disciplinar que juntou.

O Autor apresentou contestação-reconvenção. Negou a caducidade do direito de ação e invocou a aplicação da lei portuguesa ao seu contrato de trabalho. Reiterou que não foi despedido pela sua entidade empregadora, o que não é sanável através de uma ratificação dos autos do procedimento disciplinar, pois o que efetivamente aconteceu foi que quem exerceu o poder disciplinar não era detentor desse poder. Impugnou os factos alegados para fundamentar o despedimento, pugnando pela ilicitude do mesmo, pedindo a sua a reintegração, o pagamento dos salários intercalares, e de uma indemnização por danos não patrimoniais, bem como dos créditos laborais decorrentes tanto da cessação, como da vigência do contrato de trabalho.

A Ré CCC apresentou resposta à reconvenção, impugnando os factos alegados pelo trabalhador reconvinte. Concluiu pela licitude do despedimento.

Realizou-se a audiência prévia, tendo o Mmo. Juiz comunicado às partes que, no seu entendimento, o processo já reunia todos os elementos necessários para que fosse proferida decisão sobre o objeto do litígio, na parte relativa à apreciação da ilicitude do despedimento.

As partes requereram a suspensão da instância por 20 dias com a vista à conclusão de acordo, o que não veio a ocorrer.

Foi proferida decisão. Nela se finalizou com o seguinte dispositivo: IV–Decisão parcial sobre o mérito Pelo exposto, julgo improcedente a exceção perentória da caducidade do direito do autor de impugnar o despedimento e procedente a ação, na parte relativa à apreciação da licitude do despedimento e consequências legais da ilicitude. Na parte restante, para apreciação da reconvenção deduzida contra a “CCC” e eventual liquidação dos valores dos salários intercalares devidos pela empregadora e pelo Estado, o processo prosseguirá os seus termos.

Assim, a.- Declaro a ilicitude do despedimento do autor ocorrido em 27-09-2019; b.- Condeno a ré “CCC.” a reintegrar o autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c.- Condeno a ré “CCC.”, sem prejuízo da quantia que caberá ao Estado, nos termos do art.º 98.º-N do CPT, a pagar ao autor todas as retribuições que ele deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão ou outra que a confirme, sobre as quais incidirão juros de mora à taxa legal a contar do trânsito em julgado até integral pagamento, deduzidas as quantias recebidas pelo autor no mesmo período a título de remunerações e/ou subsídio de desemprego, em montante que vier a ser liquidado; d.- Absolvo a ré “BBB” dos pedidos; e.- Custas por autor e ré “CCC”, em conformidade com os seus decaimentos e na proporção que será fixada a final. 1.2.

–Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A)–O presente Recurso vem interposto do douto Despacho Saneador de fls..., que concluiu pela ilicitude do procedimento com justa causa do A., aqui Recorrido, considerando o Mmo. Juiz a quo que: “A conclusão a que chegamos só pode ser, então, a de que quem exerceu o poder disciplinar e despediu o trabalhador não era a sua entidade empregadora e que a sua entidade empregadora despediu-o posteriormente, sem que tal despedimento tivesse sido precedido de um procedimento disciplinar promovido por ela.” B)–Por não se conformar com esta decisão a Recorrente interpôs Recurso, pois, entende que o Tribunal a quo desconsiderou relevantes elementos probatórios constantes do processo e faz uma análise errada dos seus vários elementos, não tendo procedido a uma leitura integrada dos mesmos, traduzindo-se numa decisão parcial de mérito “desligada” da realidade material que subjaz ao caso destes autos, resultando numa errada interpretação e aplicação da lei.

C)–A questão fundamental a tratar está, portanto, em saber se o despedimento do Recorrido foi ou não precedido de procedimento disciplinar pela Recorrente, enquanto sua real entidade empregadora.

D)–A questão fundamental a tratar está, portanto, em saber se o despedimento do Recorrido foi ou não precedido de procedimento disciplinar pela Recorrente, enquanto sua real entidade empregadora e se, em caso afirmativo, deve ou não operar a exceção perentória de caducidade do direito do Recorrido de impugnação judicial do despedimento com justa causa promovido pela Recorrente.

E)–No âmbito da presente ação não se realizou audiência de julgamento, por considerar o douto Tribunal a quo estar na posse de todos os elementos necessários à prolação de decisão.

F)–Na apreciação da licitude do despedimento justa causa do Recorrido - e atendendo à matéria de facto considerada provada, sem se debruçar sobre o grau de culpabilidade e censura da conduta do Recorrido - o Tribunal a quo julgou o mesmo ilícito por entender que quem exerceu o poder disciplinar foi uma sociedade que não era a sua entidade empregadora e que a Recorrente acabou por despedi-lo sem procedimento disciplinar prévio. G)–Salvo o devido respeito, uma análise atenta e cuidada da matéria de facto, bem assim dos documentos juntos aos autos, permitiria concluir por decisão diversa.

H)–Em 01/04/2011 o Recorrido iniciou funções na …., que é uma agência de trabalho temporário constituída ao abrigo e nos termos da lei irlandesa e operava em Portugal, sendo que a atividade dessa empresa, em 01/04/2019, foi transmitida e assumida pela Recorrente em território nacional (cfr. pontos i) a iii) da matéria de facto provada).

I)–Para o efeito, e para facilitar a gestão da atividade desenvolvida em Portugal, a Recorrente constituiu a BBB., tendo informado o Recorrido que também a 01/04/2019, o seu contrato de trabalho, entretanto transmitido para a Recorrente, seria, novamente, transferido para essa sociedade de direito português.

K)–O Tribunal a quo considerou este ponto na sua decisão, até porque o próprio Recorrido assim o reconheceu no art.º 22.º da sua Contestação à Articulado Motivador do Despedimento da Recorrente. L)–Formal e materialmente era a Recorrente a única e real entidade empregadora do Recorrido, pois, de entre outros aspetos, era esta que constava dos recibos de vencimento, dos registos da segurança social portuguesa como entidade empregadora do Recorrido, e que eram os mesmos interlocutores da Recorrente que interagiam com o mesmo em diversos aspetos administrativos da sua relação laboral. M)–A conclusão de que o Recorrido nunca desempenhou funções sob a autoridade, direção e fiscalização da BBB (cfr. ponto iv) da matéria de facto provada), que permaneceu sem qualquer estrutura operativa por falta da referida licença, é correta (apesar de implícita na Decisão ora em crise).

N)–O Tribunal a quo deu como provado, nos pontos vii) a xiv) da matéria de facto provada, que o despedimento do Recorrido foi precedido de procedimento disciplinar nos termos da lei portuguesa (aplicável à data do exercício do poder disciplinar).

O)–Contudo, pelo facto de toda a respetiva documentação fazer alusão à BBB (cfr. ponto xvi) da matéria de facto provada), e sem prejuízo da ratificação pela Recorrente e de ter dado a conhecer ao trabalhador (cfr. pontos xviii) e xix) da matéria de facto provada), o Tribunal a quo entendeu que, em síntese, o procedimento disciplinar foi promovido por uma entidade diferente (BBB) do empregador do Recorrido (a Recorrente, CCC) e os atos de retificação e ratificação não têm amparo legal.

P)–Em face do que antecede, entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma leitura e interpretação superficial dos factos, e terá ignorado outros que são de conhecimento público, e, por conseguinte, aplicou erradamente a lei ao caso.

Q)–Em síntese, entende a Recorrente que: (i)-O exercício do poder disciplinar pode ser realizado por entidade terceira; (ii)-Apesar de a documentação...

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