Acórdão nº 107/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 107/2022

Processo n.º 1053/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido B., a primeira veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 15 de setembro de 2021, que negou provimento ao recurso de revista por ela interposto, per saltum, da decisão proferida em 19 de março de 2021, em ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum. Nesta decisão, a ré, ora recorrente, foi condenada a: a) reconhecer ao autor o direito a pensão completa do Centro Nacional de Pensões (CNP), deduzida do valor correspondente à percentagem de 33,33%, correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário; b) pagar ao autor a diferença entre aquela percentagem e os valores descontados desde janeiro de 2019, no valor liquidado à data da instauração da ação de € 4.019,28; c) pagar juros de mora vencidos desde a data do vencimento de cada prestação e os vincendos até integral pagamento; d) aplicar uma regra pro rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pelo autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário; e) pagar ao autor todas as quantias que venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em d), desde a propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora vincendos.

2. No recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, a ora recorrente apresentou as seguintes conclusões:

«(...)

“1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de março de 2019.

2. Na interpretação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.

3. No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 98.ª do ACT do A.) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.

4. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com o Recorrido, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.

5. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.

6. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.

7. A cláusula 136.ª alude, precisamente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.

8. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.

9. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de previdência: o regime de segurança social do setor bancário e o regime geral de segurança social.

10. Para isso, por se tratar de um sistema previdencial, remete para as regras de cálculo utilizadas pelo regime geral da segurança social.

11. A fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.

12. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para cálculo da pensão do ANP.

13. São essas as regras aplicadas pela Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.

14. Este sentido sai reforçado, por um lado, por não haver dúvidas quanto à aplicação das regras de cálculo do regime da segurança social quando não há tempo “extrabanco” e, por outro lado, pela redação da cláusula 98ª do ACT do A..

15. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do setor bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.

16. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade, como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio.

17. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.

18. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do setor bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há de ser entregue pelo Recorrido à Recorrente.

19. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a diferentes regimes de forma a impedir que, por força do mesmo período contributivo, o trabalhador possa ver-lhe atribuídos benefícios cumulados.

20. É uma expressão do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).

21. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.

22. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do setor bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.

23. O entendimento do Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.

24. É bom notar que a carreira extrabanco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.

25. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento da Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extrabanco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.

26. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt

27. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal de Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extrabanco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o Tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.

28. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pela Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.

29. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá a Recorrente.

30. Em suma, para dizer que a interpretação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário e da cláusula98.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado oposto ao da Sentença recorrida.

31. A interpretação preconizada pela douta Sentença recorrida olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e no número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).

32. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do setor bancário (tal como a cláusula 98.ª do atual ACT do A.) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os...

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