Acórdão nº 114/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022

Data03 Fevereiro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 114/2022

Processo n.º 1076/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que são recorrentes A. e B. e recorrido os credores reconhecidos no âmbito do processo de insolvência dos recorrentes, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 7 de setembro de 2021.

2. Através da Decisão Sumária n.º 707/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso interposto no âmbito dos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acordo com a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo desta alínea que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Tal pressuposto, tal como reiteradamente notado na jurisprudência deste Tribunal, decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos «dirimir questões meramente teóricas ou académicas» (cf. Acórdão n.º 498/96), um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo do(s) preceito(s) legal(ais) indicado(s) pelo recorrente — isto é, ao modo como o comando deste(s) extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio. Por isso, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

Tal pressuposto não pode dar-se por verificado no caso presente.

5. Conforme delimitado pelos recorrentes, o objeto do presente recurso é integrado pelo «[a]rtigo 239.º, n.º 4, alínea c) do CIRE, quando interpretado no sentido […] de que a entrega imediata dos rendimentos disponíveis tem periodicidade mensal, e é, mensalmente, que se faz o seu cálculo».

Apesar de ter concluído no sentido de que o quantum do rendimento disponível objeto de entrega deve ser calculado mensalmente — e não anualmente, conforme defendido então pelos recorrentes —, o Tribunal recorrido extraiu essa conclusão, não da alínea c) do n.º 4 do artigo 239.º do CIRE, mas sim, de modo decisivo, da subalínea i) da alínea b) do respetivo n.º 3, preceito que não integra o objeto do recurso.

Senão vejamos.

A alínea c) do n.º 4 do artigo 239.º do CIRE determina que, «[d]urante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a [e]ntregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão».

A subalínea i) da alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo 239.º esclarece, por seu turno, que «integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão [d]o que seja razoavelmente necessário para [o] sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional».

Ora, foi deste último preceito que o Tribunal recorrido extraiu a resposta à questão central colocada no recurso, que definiu nos seguintes termos: «sempre que há entradas de rendimentos no património do devedor (periódicas, esporádicas ou ocasionais), coloca-se necessariamente a questão do apuramento do rendimento disponível a ceder ao fiduciário».

Nas palavras do acórdão recorrido, «a resposta a tal questão, quando o apuramento se fizer por força da combinação do corpo do n.º 3 com a alínea b), subalínea i), do artigo 239.º, não pode deixar de ter por referência o rendimento disponível de um determinado período. No caso, o período de referência é o de um mês. Com efeito, apesar de a letra do artigo 239.º, n.º 3, alínea b), i), do CIRE, não dizer expressamente que, ao fixar o que seja razoavelmente necessário para assegurar o sustento minimamente digno do devedor e da sua família, o juiz tomará, por referência, em princípio, o que é razoavelmente necessário no período de um mês, é este o pensamento legislativo. De resto depõe neste sentido a circunstância de o limite que o legislador estabeleceu para a exclusão em causa ter por referência o salário mínimo nacional, o qual é estabelecido por referência ao período de um mês» (sublinhado aditado). Conclusão que o Tribunal a quo deixou particularmente evidente ao afirmar que, «[p]or todo o exposto é de interpretar a subalínea i) da alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE no sentido de que o que é razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar tem por referência o período de um mês e não o de um ano. Cita-se em abono desta interpretação o acórdão do STJ proferido em 9-03-2021, no processo n.º 11855/16.7T8SNT.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt. E assim é com este sentido que deve ser interpretado o despacho inicial, na parte em que determinou que durante o período da cessão ficava excluída da cedência ao fiduciário o valor igual a dois salários mínimos...

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