Acórdão nº 115/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 115/2022

Processo n.º 1106/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Centro Hospitalar de Lisboa Central, E. P. E, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 13 de outubro de 2021.

2. Pela Decisão Sumária n.º 727/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O presente recurso incide sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de outubro de 2021, que negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo autor, confirmando o despacho saneador-sentença do Tribunal de 1.ª instância que julgou a ação improcedente, absolvendo o réu do pedido.

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade «[d]a norma do artigo 13.º do Decreto-Lei n.° 247/2009, de 22 de setembro, na interpretação e aplicação que dela foi feita».

Não obstante a norma em causa não se encontrar adequadamente enunciada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – o recorrente menciona a interpretação e aplicação que foi feita do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, mas não enuncia que interpretação terá sido essa ––, não se justifica lançar mão do convite ao aperfeiçoamento do requerimento previsto no artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, na medida em que se verifica a falta de um pressuposto do próprio recurso de constitucionalidade, por natureza insanável. O convite previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC «só é possível se a omissão for sanável, ou seja, se consistir numa falta do próprio requerimento, não tendo cabimento para o suprimento de falta de pressupostos de admissibilidade do recurso que seja insanável» (Acórdão n.º 99/2000).

De facto, nas conclusões da alegação do recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente não suscitou, de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de nenhuma norma, designadamente reportada ao citado artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, sendo certo que tinha o ónus de o fazer, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC. Em tal peça processual, designadamente na alínea 2.4 das conclusões, o recorrente limitou-se a invocar que o preceito em questão, «se entendido como caucionando a diferenciação de remuneração, é materialmente inconstitucional». Ora, esta formulação é manifestamente inidónea para satisfazer o ónus de suscitação prévia e processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa. Dizer que determinada interpretação do artigo 13.º cauciona uma «diferenciação de remuneração» nada nos diz sobre o conteúdo dessa diferenciação, relativamente a quem ou o quê se verifica e qual o termo de comparação relevante para a aferir. Tal concretização é de particular acuidade tendo em conta que o preceito legal em causa dispõe apenas que «[a]s posições remuneratórias e as remunerações dos trabalhadores integrados na carreira de enfermagem são fixadas em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho».

Suscitar a inconstitucionalidade de uma determinada norma, extraída de um ou vários preceitos legais, de forma idónea e processualmente adequada ao preenchimento do requisito previsto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, não consiste na explicitação das razões pelas quais se considera a mesma inconstitucional, nem em enunciar a correta interpretação de um dado preceito legal, segundo os parâmetros constitucionais considerados pertinentes. Antes é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir, o que implica que se enuncie o conteúdo da norma sindicada, viabilizando ao julgador, «no caso de julgar inconstitucional tal norma, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários dela e os operadores do direito em geral fiquem a saber que esses preceitos legais não podem ser aplicados com um tal sentido» (Acórdão n.º 21/2006).

Não tendo o recorrente observado o ónus de suscitação prévia e processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa, não se pode tomar conhecimento do objeto do recurso, justificando-se decisão sumária.»

3. Da Decisão Sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, o que fez nos seguintes termos:

«1- Com todo o respeito: a questão da inconstitucionalidade material do art.º 13.° do Decreto-Lei n.° 243/2009, de 22 de setembro, foi suscitada no recurso jurisdicional para o Tribunal da Relação de Lisboa de modo processualmente adequado e foi expressamente conhecida no douto acórdão recorrido.

2- Com efeito, no argumentório jurídico o (então) Recorrente Jurisdicional, no que ora importa, disse:

"18. O thema decidendum nuclear dos presentes autos é a diferenciação remuneratória negativa do pessoal de enfermagem no regime do contrato de trabalho próprio das entidades públicas empresariais do sector da saúde (no caso, o Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E.) relativamente ao pessoal de enfermagem no regime do contrato de trabalho em funções públicas.

19. O A., ora Recorrente Jurisdicional, é titular de contrato de trabalho no regime próprio da entidade pública empresarial do sector da saúde (o Réu, ora Recorrido Jurisdicional, Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.) e a douta sentença deu como provado que "O autor exerce funções de enfermagem em cuidados diretos aos doentes exatamente iguais às que são desempenhadas, também para o réu, pelos enfermeiros com contrato em funções públicas".

20. Porém, e apesar do dado como provado, a douta sentença recorrida julgou improcedente a ação intentada pelo A., ora Recorrente Jurisdicional, assentando o seu discurso jurídico fundamentador em vector segundo o qual a diferenciação de regimes jurídicos justificam a diferença de remuneração (bem como a diferença de número de horas semanais de trabalho).

21. Em termos materiais não há clivagem, constitucionalmente acomodável, entre o contrato de trabalho próprio das entidades públicas empresariais do sector da saúde e o contrato de trabalho em funções públicas: as situações não são objetivamente desiguais, impostas pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas resultando, sim, de criação e manutenção artificial pelo legislador. Com efeito,

22. O contrato de trabalho próprio das entidades públicas empresariais do sector da saúde é distinto do regime comum do contrato individual de trabalho e as entidades públicas empresariais do sector da saúde não são um empregador como qualquer...

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