Acórdão nº 119/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | Cons. Gonçalo Almeida Ribeiro |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 119/2022
Processo n.º 975/2021
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da não admissão de recurso para o Tribunal Constitucional.
2. O ora reclamante, na qualidade de arguido em processo crime, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto do despacho do Tribunal de 1.ª instância, datado de 8 de janeiro de 2019, que indeferiu pedido, por si formulado, de declaração de impedimento dos juízes membros do colectivo que iria presidir ao seu julgamento.
Encerrou a sua motivação com as seguintes conclusões:
«A.O recurso é interposto do despacho da Senhora Juíza Presidente que, após deliberação com os dois Senhores Juízes adjuntos, e por nenhum deles se reconhecer impedido, declarou não aceitar o impedimento do Tribunal Coletivo.
B. O impedimento verifica-se porque os três Senhores Juízes constituíram o Tribunal Coletivo que interveio nas primeiras sessões do julgamento, ocorridas em 5 e 12 de dezembro de 2016 da audiência de julgamento, sessões que devem ser repetidas com reinicio do julgamento (pelas razões expressas no requerimento que aqui dá por reproduzido),
C. E ainda, e principalmente, por terem sido eles que constituíram o Tribunal Coletivo que julgou o processo n° 189/12.6 TELSB, face à apensação desse processo ao presente requerida pelo Recorrente - cf. requerimento que igualmente se dá por integrado - e cuja decisão competia precisamente ao Coletivo da Ia instância (conforme aliás havia sido decidido pela Senhora Juíza Presidente - cf. também despacho respetivo, que aqui igualmente dá por integrado).
D. Tais circunstâncias significam muito objetivamente um comprometimento decisório anterior dos Senhores Juízes em causa, que faz subsumir a posição deles relativamente a este processo na hipótese da alínea c) do artigo 40.° do CPP.
E. Intervieram no início do julgamento deste processo, estando por isso impedidos de intervir na sua repetição.
F. Foram eles quem constituiu o Tribunal Coletivo que julgou o arguido em um dos processos (no processo n.° 189/12.6 TELSB) cuja apensação foi por ele requerida (por requerimento de 11 de outubro - que se dá por reproduzido) e cuja decisão cabe também a este Tribunal Coletivo.
G. Além disso, independentemente de ainda se não saber se tal julgamento deve ou não ser repetido - o que se discute ainda em instâncias superiores (na Relação, no Supremo e no Constitucional), conforme resulta das certidões desses autos que a final desta motivação se requererá sejam juntas a este recurso -, o certo é que o julgamento pelos mesmos Senhores Juízes desse processo n.° 189/12.6 TELSB se mostra concluído, tendo eles proferido Acórdão final com considerações muito negativas e muito graves para o arguido sobre a sua culpabilidade relativamente a factos que são ali entendidos como continuação dos aqui em causa, e mesmo acerca da sua personalidade, revelando juízos, entendimentos e opiniões que constituem objetivamente prejuízos relativamente ao objeto do presente julgamento e que são objetivamente capazes de influenciar (negativamente, contra o arguido) a decisão do julgamento - cf. certidão que a final se requer seja junta ao presente recurso, integrando esta motivação.
H. O despacho recorrido fundamenta-se em entendimento mais restritivo da norma em causa, da alínea c) do artigo 40.° citado, no sentido de que a mesma se aplica apenas aos casos do reenvio do mesmo processo, entendimento com o qual o Recorrente se não pode conformar.
I. Tal entendimento ou interpretação da norma em causa é errado, já que o caso de Reenvio é, no modo de ver do Recorrente, apenas um dos casos de aplicação da norma (cf. artigo 426.°-A n.° 1 do CPP) - em que a lei considera impedido o próprio Tribunal, mais do que o Senhor Juiz ou os Senhores Juízes em causa.
J. A norma da alínea c) do artigo 40° aplica-se, não apenas nas situações de Reenvio, mas em todos os casos em que o Senhor Juiz ou os Senhores Juízes designados para o julgamento da causa tenham já tido intervenção em julgamento anterior, que por razão do Reenvio previsto e regulado nos artigos 426.° e 426.º-A ou por outro motivo deva ser repetido.
K. Como sucede neste processo: quer por necessidade de reprodução da prova produzida há mais de 2 anos e que há muito perdeu eficácia, quer pela apensação do processo n.° 189/12.6 TELSB antes referido, mostra-se necessária a repetição do julgamento.
L. São precisamente as mesmas razões que levaram o legislador a salvaguardar de forma e em termos expressos no artigo 426.°-A n.° 1 a situação de impedimento prevista no artigo 40.°, que impõem que se considere subsumida na previsão da respetiva alínea c) também qualquer dessas situações referidas.
M. O instituto jurídico dos impedimentos visa garantir a imparcialidade dos Senhores Juízes, que é o fundamento último da sua legitimidade.
N. O artigo 40.° do CPP prevê casos específicos de impedimento do juiz para garantia da imparcialidade objetiva.
O. A intervenção do juiz em atos ou decisões anteriores no processo, que tenha assumido uma dimensão não apenas pontual, mas com comprometimento decisório sobre a matéria da causa e objeto do processo, é susceptível de gerar nos interessados na decisão apreensão ou receio, objetivamente fundados, sobre o risco de algum prejuízo do juiz relativamente à matéria da causa e ao sentido da decisão.
P. Para decisão do que agora está em causa, merecem especial atenção as decisões da própria Senhora Juíza Presidente, do Tribunal da Relação e do Tribunal Constitucional, e a posição do Ministério Público, a respeito do impedimento da Senhora Juíza suscitado em dezembro de 2016, já que se verifica agora o que então se entendeu não se verificar, quer quanto à repetição do julgamento como quanto ao reenvio do processo para novo julgamento - a repetição ou reinicio deste (com ou sem apensação), a requerida apensação do outro e a possibilidade em todo o caso do reenvio (do 189/12) pelos tribunais superiores para novo julgamento -, como ainda quanto à tempestividade da dedução do incidente, uma vez que "os factos invocados como fundamento (do impedimento dos Senhores Juízes tiveram lugar e foram conhecidos) pelo invocante após o início da audiência de julgamento.
Q. Os Senhores Juízes que constituem o Tribunal Coletivo julgaram e condenaram o arguido no Tribunal Coletivo que julgou processo conexo que deve ser apensado e julgado novamente em conjunto com este (e os demais processos pendentes contra o arguido em fase de julgamento).
R. Importa, ainda, invocar aqui - designadamente para os efeitos previstos no artigo 70.°, n.° 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional - que a norma do artigo 40.°, alínea c) do CPP, quando interpretada no sentido restritivo que fundamenta o despacho recorrido, é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito Democrático (cf. artigo 2.° da Constituição da República), dos direitos e garantias de defesa do arguido, garantidos no artigo 32.° da Constituição da República, do direito do arguido a um processo justo e equitativo, consagrado nos artigos 20.°, n.°s 1, 4 e 5 da Constituição da República, 10.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 6.°, n.° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 14.°, n.° 1 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; assim como do princípio basilar do processo e garantia e direito fundamental dos arguidos à imparcialidade do tribunal e dos juízes, que decorre dos artigos 202.°, n.°s 1 e 2 e 203.°, ambos da Constituição da República.
S. O que é ainda fundamento de incidente prejudicial de Reenvio deste processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia, que se requererá a final perante Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, uma vez que o que está verdadeiramente em causa é a aplicação de Direito da União, designadamente do antes invocado artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
T. Restringindo de facto - como se faz no despacho recorrido, como único fundamento, aliás, dessa decisão - a garantia de imparcialidade efetiva dos Senhores Juízes aos casos de Reenvio previstos e regulados nos artigos 426.° e 426.°-A do CPP e recusando tal garantia de imparcialidade efetiva aos demais casos em que se verifica objetivamente uma repetição do ato de julgamento, o que passa a estar aqui em causa é esse princípio basilar do direito nacional e do direito da União, que garante a todos os cidadãos e especialmente aos arguidos em processo criminal o direito fundamental a um Tribunal e a um Juiz imparcial.
U. A imparcialidade do Tribunal ou dos Senhores Juízes não se basta com a óbvia necessidade de produção de prova, como também é afirmado no despacho. Todo o comprometimento decisório anterior (de que fala Henriques Gaspar) sobre a matéria da causa e objeto do processo, é susceptível de gerar nos interessados na decisão apreensão ou receio, objetivamente fundados, sobre o risco de algum prejuízo do juiz relativamente à matéria da causa e ao sentido da decisão.
V. Não basta a imparcialidade subjetiva ou a crença ou a fé nessa imparcialidade, exigindo-se mais, no direito nacional e no da União, uma verdadeira e efetiva garantia da imparcialidade objetiva.»
3. Por acórdão de 15 de janeiro de 2020, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
O Tribunal de 1.ª instância julgou a ação parcialmente procedente, condenado a 1.ª Ré em parte do pedido e absolvendo a Autora do pedido reconvencional.
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