Acórdão nº 28052/18.0T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU SILVA
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa Na presente ação declarativa que M… e E… movem contra Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, EPE, as AA. interpuseram recurso da sentença que julgou a ação improcedente e, consequentemente, absolveu a R. dos pedidos, pedidos esses que são os seguintes: - condenar a R. a reconhecer o direito de propriedade das AA. sobre os certificados de aforro subscritos por C…; - condenar a R. a proceder ao seu reembolso pelo montante que os mesmos certificados tiverem à data em que o reembolso venha a ser autorizado ou efetuado e a pagar os juros legais desde a data em que o resgate foi pedido.

Na alegação de recurso, as recorrentes pediram que seja revogada a sentença recorrida e condenada a R. no pedido, tendo formulado as seguintes conclusões: «1. Na Acção Declarativa em processo comum de cuja sentença se recorre as A.A peticionam, para além de mais, que a R. lhe proceda ao reembolso dos dois Certificados de Aforro que fazem parte do acervo hereditário de que são herdeiras únicas por morte de sua mãe.

  1. A R. Agência de Gestão de Tesouraria e de Dívida Pública – IGCP, EPE, em contestação impugnou e arguiu a excepção perentória de Prescrição, tendo a M. Juiz, a final, declarado a referida excepção procedente com consequente absolvição da R. do que peticionado vinha.

  2. Entendem as A.A que a decisão da M. Juiz merece censura procedendo-se à revogação da mesma, já que fundamentada não só numa incorrecta formulação de prova no elenco da matéria provada – concretamente Ponto 25 – mas ainda, em incorrecta apreciação da prova e violação de vários dispositivos legais.

  3. Constatam as Apelantes que a factualidade constante do Ponto 25 do elenco da matéria assente que, nestas alegações, se considera na totalidade reproduzida, não reproduz nem traduz de forma fiel os elementos que referem terem servido de suporte. Assim, quando se diz que a Autora M… foi a subscritora desses produtos conforme documento junto a fls. 69/ 70, docs. esses que se consideram reproduzidos, procede-se à alteração indevida do que consta do mesmo documento. A subscritora dos Certificados foi a mãe C… que os subscreveu e considerada foi aforrista durante os mais de 28 anos decorridos até à data em que pelas A.A foram, por mero acaso, encontrados na casa fora de sua mãe há muito desabitada.

  4. À R. que arguiu a Prescrição cabia o ónus da prova já que se trata de facto extintivo (inversão do ónus da prova) 6. Todavia, salvo o devido respeito, não assiste razão à M. Juiz a quo quando refere ter a R. logrado fazer essa mesma prova, ou seja, de que à data em que as A.A. pretenderam o resgate já há muito mais de 10 anos haviam decorrido, fundamentando a douta julgadora esse entendimento na matéria assente no Ponto 25 com reforço em 26 e 27.

  5. Todavia, há que admitir que a factualidade, mesmo com a redacção incorrecta que se pretende ver alterada o que poderia, quando muito, provar é que em 27.10.1990 e 07.07.1995 tomaram conhecimento da subscrição dos Certificados por sua mãe. Não prova, de modo algum, que à data do pedido de resgate tivessem conhecimento e consciência da sua existência. Quem poderia garantir que a mãe não tivesse procedido ao resgate? 8. Resulta da lei substantiva que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (Art. 306º do C. Civil). No caso concreto sub iudice o direito só poderia ser exercido quando as A.A. tivessem conhecimento desse direito, ou seja, de que os títulos estavam no acervo hereditário e tivessem acesso a esses mesmos títulos indispensáveis à apresentação da Relação de Bens nas Finanças para requerer o resgate.

  6. Constata-se, assim, que só pode a M. Juiz ter chegado à conclusão/ decisão a que chegou – procedência da excepção de Prescrição - com fundamento na factualidade do Ponto 25, utilizando para tal o raciocínio presuntivo ou seja, de um indício factum probans partiu para o factum probandum.

  7. Porém, muito embora reconhecido seja ao julgador a apreciação livre das provas – Art. 607º nº 5 do CPC – essa apreciação terá de revestir-se da maior prudência quando se trata de uma prescrição judicial. Estas presunções judiciais – e mesmo as legais – tal como se infere do Art. 349º do C.C. e jurisprudencialmente vem sendo entendido, são resultado do raciocínio lógico, tendo como ponto de partida um facto conhecido para alcançar um facto desconhecido. Devem ter um nexo lógico e ser fundamentadas em máximas de experiência com observação de outros factos, circunstâncias, outras provas, etc.

  8. Atributos e pressupostos estes que a presunção da M. Juiz a quo não considera nem evidencia. Basta atentar que o factum probandum a que a M. Juiz chega a partir do indício do ponto 25 colide frontalmente com factualidade provada e dada como assente no Ponto 12 a cuja transcrição se não resiste: 11. (...) 12. “Nessa ocasião (Março de 2018), por mero acaso, depararam (as A.A) que, entre diversos papeis que se encontravam na gaveta de um móvel, se encontravam dois Certificados de Aforro – Serie B – que haviam sido subscritos por sua mãe entretanto falecida.” 13. (...) 12. Como em devida conta não teve a M. Juiz para o processo presuntivo todas as outras circunstâncias em que decorreram a descoberta dos Certificados, circunstâncias factuais essas também consideradas provadas.

  9. Como em devida conta no processo presuntivo utilizado não teve a M. Juiz todo o sigilo mantido pela R. relativamente à existência dos Certificados e imobilização da Conta de Aforro; transferência das importâncias resultantes do Aforro para o FRDP e, até, a não observância das Recomendações do Sr. Provedor de Justiça para este tipo de situações.

  10. O processo presuntivo enferma assim dos pressupostos que conforme erudita Jurisprudência e Doutrina terão de presidir a esse tipo de raciocínio.

  11. Não poderá, pois, deixar de considerar-se que a única prova a tirar do Ponto 25 é estritamente o que consta da mesma redacção estando ferida de ilicitude a ilação efectuada pela M. Juiz a quo de que provado estava que as A.A. ”há muito mais de 10 anos (à data do pedido de resgate)” tinham conhecimento da existência dos Certificados e do seu direito ao resgate.

  12. A matéria dada como assente nos Pontos 26 e 27 em nada releva para fundamentação da decisão que considera ter a R. “logrado fazer a prova” da prescrição. Bem pelo contrário; as factualidades assentes só poderiam levar à presunção – agora sim – do desconhecimento pelas A.A. dos Certificados no acervo hereditário e direito que lhes assistia. Se tivessem conhecimento, com essa informação que obtiveram ou lhes foi disponibilizada, teriam procedido, de imediato, ao resgate.

  13. E não poderá dar-se qualquer relevância ao entendimento da M. Juiz quando refere em sua douta sentença que se os herdeiros estivessem interessados em saber que existiam Certificados teriam forma de o saber recorrendo ao Registo Central criado pelo D.L nº 47/2008 de 13/3 com possibilidade de acesso após regulamentação da Portaria. À data do óbito não existia ainda o invocado registo o que significa que o desconhecimento da existência dos Certificados da mãe no acervo hereditário não poderia ter sido suprido através do recurso a este meio especializado de informação e conhecimento, criado com esse desígnio especial.

  14. A decisão da M. Juiz a quo, terá de dizer-se, não tem minimamente em conta o espírito e a razão de ser do Instituto da Prescrição que visa o sancionamento da inércia do titular do direito. Todavia, só poderá falar-se de inércia perante uma realidade conhecida.

  15. A R., no entender das A.A, não provou, como lhe competia, a prescrição do direito das A.A. Todavia, mesmo que tal tivesse logrado admitida que seja a presunção nesse sentido por parte da M. Juiz, tratando-se de presunção judicial ter-se-á por ilidida como prova em contrário constante dos factos dados como assentes no Ponto 12 e circunstâncias apuradas e assentes de 7 a 12 do mesmo elenco.

  16. No entender das Apelantes e salvo melhor opinião, a M. Juiz a quo errou na redacção dada ao Ponto 25 da matéria assente não fazendo interpretação correcta do disposto no Art. 607 nº 4 do C.P.C.

  17. Consideram ainda as Apelantes ter a M. Juiz feito também incorrecta interpretação do que disposto vem no Art. 7º nº 2 do D.L 172-B/86 de 30 de Junho na sua actual redacção, no Art. 349º do Código Civil (no que tange à presunção efectuada) e, ainda, no Art. 306º, nº 1 do C.C. (início da prescrição) e nº 5 do 607º do C.P.C.» A recorrida não respondeu à alegação das recorrentes.

    São as seguintes as questões a decidir: - da desconformidade entre o ponto 25 da matéria de facto provada e os documentos que lhe serviram de base; e - da prescrição.

    * Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos: «1. No dia 24 de Outubro de 2005 faleceu C…, no estado de viúva de L…, com a residência habitual, à data do óbito, no Lar… – conforme documento junto a fls. 16/18 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

  18. No dia 22 de Março de 2018, no Cartório Notarial do Fundão, foi lavrada escritura de Habilitação de Herdeiros, da qual que C… faleceu sem deixar testamento, tendo deixado como herdeiras as suas duas filhas: - M…, casada com A…, residente na Avenida…; e – E…, solteira, maior residente na Rua ... – conforme documento junto a fls. 19/21 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

  19. A escritura de Habilitação de Herdeiros foi outorgada pela co-Autora M… na qualidade de cabeça de casal.

  20. Falecida que foi C…, a Autora, Ma…, na sua qualidade de cabeça de casal, procedeu à participação do óbito na Repartição de Finanças do Fundão e foi apresentada a competente Relação de Bens, tendo a declaração Modelo 1 sido apresentada em 23.12.2005 – conforme documento junto a fls. 22/25 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

  21. A herança da falecida C… continua por partilhar – conforme documento junto a fls. 26 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

  22. ...

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