Acórdão nº 889/18.7T8EPS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelISAÍAS PÁDUA
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

*** Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. A autora, Montepio Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A., instaurou (em 21/11/20218) contra a ré, AA, ambos com os demais sinais nos autos, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo no final a condenação da última a pagar-lhe a quantia total de € 46.126,98, correspondente aos valores parcelares que discrimina, acrescida dos juros de mora, à taxa legal (de 4%), que se vencerem até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou: A Finicrédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A. alterou a sua denominação para Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito S.A., a aqui autora.

No exercício da atividade a então Finicrédito celebrou com a sociedade M… – Importação e Exportação, Lda., e com a ré (esta na qualidade de fiadora e garante do pagamento da dívida assumida pela locatária), um contrato de aluguer de veículo sem condutor.

Nos termos do acordado em tal contrato, a então Finicrédito deu de aluguer à sociedade locatária o veículo automóvel que identifica, e que para o efeito adquiriu previamente e cujo gozo cedeu àquela.

Tal contrato teve o seu início em 25/07/2012, tendo sido celebrado pelo período de 60 meses, verificando-se o seu termo em 27/07/2017, tendo a primeira renda/prestação sido fixada no montante do € 2.433,54, e os restantes no montante de € 498,74 cada, e cujo pagamento a ré (na qualidade de fiadora) garantiu.

Acontece que a sociedade locatária e a ré não pagaram a totalidade das rendas n.ºs 6º a 15º inclusive, vencidas entre 27/12/2012 e 27/09/2013, no valor total de € 4.526,97.

Na sequência de tal, a A. interpelou aquelas, instando-as a pagar os montantes em dívida, comunicando-lhes ainda que caso o não fizessem no prazo de 8 dias, procederia à resolução do contrato por incumprimento.

E não o tendo o feito, a autora comunicou depois, à sociedade locatária e à ré, a resolução do contrato.

Por força da resolução do contrato, a sociedade locatária e a ré constituíram-se na obrigação de proceder à imediata devolução do veículo locado e de pagar o valor dos alugueres vencidos e não pagos, acrescidos dos respetivos juros de mora, bem como de pagar à autora a indemnização devida pela resolução do contrato, tudo fixado em € 12.770,57.

E ao não lhe restituírem o veículo locado, conforme contratualmente estipulado, a sociedade locatária e a ré entraram também em mora quanto à obrigação de entrega – nos termos da cláusula 22ª das condições gerais do contrato –, tendo a autora, como não a conseguiu recuperar, comunicado, em 24/09/2018, à sociedade locatária, a perda do interesse no cumprimento da obrigação de entrega da viatura.

Pelo que nessa data (em 24/09/2018), a mora na entrega do veículo fixou-se em 1843 dias, tendo a A. direito a receber, por força da mora na restituição do veículo locado, também a quantia de € 30.488,13, a acrescer àquela outra atrás referida (devida a título de indemnização) no montante total de € 12.770,57, e a que resulta ainda do imposto de selo, tudo contabilizando a quantia global acima peticionada.

A referida sociedade locatária veio, entretanto, a ser declarada judicialmente insolvente.

2. Contestou a ré, defendendo-se por exceção.

Para o efeito, invocou a exceção de prescrição do direito às rendas vencidas entre 27/12/2012 e 27/09/2013, bem como dos juros calculados sobre aquelas rendas vencidas e ainda do direito emergente da cláusula penal inserta no contrato (com o fundamento de sendo acessória e dependente da obrigação principal, e estando prescrita a obrigação principal, ter-se- também que concluir pela prescrição da cláusula penal).

Por outro lado, invocou ainda a nulidade da aludida cláusula penal, com o fundamento da mesma ser ininteligível e também desproporcionada em relação aos danos a ressarcir, sendo, assim, proibida, à luz do artº. 19º al. c) da LCCG, pois que se encontra inserida numa cláusula contratual geral.

Terminou pedindo a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

3. Respondeu a autora, pugnando pela improcedência daquelas exceções invocadas pela ré.

Aduziu ainda estar a ré a atuar com abuso de direito, ao vir só agora pôr em causa a validade da sobredita cláusula, quando foi ela que sempre interveio, na relação contratual estabelecida, também na qualidade de gerente da sociedade locatária.

4. Afirmada, no despacho saneador, a validade e a regularidade da instância, prosseguiram os autos para julgamento.

5. Seguiu-se a prolação da sentença.

Aí concluiu-se: Estarem prescritas (à luz da al. b) do artº. 310º do Cód. Civil) as rendas peticionadas pela A. e respetivas despesas, bem como “as demais quantias peticionadas pela A., a título de indemnização devida pela resolução do contrato e a título de cláusula penal pela demora na devolução do veículo”, por se ter entendido “que as mesmas caducaram em virtude de se ter extinguido a obrigação por prescrição” e da qual eram acessórias.

Estarem igualmente prescritos os juros de mora peticionados, com exceção daqueles de há menos de cinco anos referentes às rendas nºs. 6 a 15, calculados até ao momento em que as mesmas caducaram (em 25/07/2018), à taxa de juro contratualizada, e a liquidar em incidente posterior (por se entender não disporem os autos dos elementos necessários para proceder ao seu cálculo).

E nesses termos terminou a sentença por, no final, decidir julgar parcialmente procedente a ação e condenar a R. a pagar à A. “os juros de mora de há menos de 5 anos calculados sobre o valor das rendas nºs. 6º a 15ª inclusive e até ao momento em que as rendas caducaram (26.07.2018), aplicando-se a taxa de juro contratualizada, valor a liquidar em incidente ulterior”, absolvendo-se a R. do demais peticionado pela A.

6.

Inconformado com tal sentença, dela apelou a A..

7.

Por acórdão de 17/09//2021, o Tribunal da Relação ... (TR...), decidiu: Confirmar a sentença recorrida na parte em que julgou prescritas as rendas peticionadas pela A., e ainda extinto (por caducidade, dada a sua natureza acessória dessa obrigação principal) o direito ao pagamento da indemnização peticionada pela A., à luz da cláusula 21ª, nº. 3, das condições gerais do contrato, e bem como os respetivos juros para além dos último cinco anos.

Não considerar, porém, extinto o direito da A. a reclamar o pagamento da quantia de € 30.448,13, com base no estipulado na cláusula 22ª das condições gerais do contrato, por não ter sido devolvido, conforme estava acordado, o veículo automóvel locado, após a extinção do contrato pela sua resolução, numa obrigação que se manteve (não caducou).

Cláusula essa que concluiu ser válida - considerando-a inteligível e não desproporcionada -, e não poder sequer ser reduzida, por tal estar dependente do pedido formulado para o efeito pela ré/devedora, o que não foi feito.

E daí que no final tenha sido deliberado julgar parcialmente procedente a apelação, e “condenar a R., “a pagar ao A. a quantia de € 30.488,13 (trinta mil, quatrocentos e oitenta e oito euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, bem como de imposto de selo, a contar de 24-9-2018 até efectivo e integral pagamento; confirmando-se a sentença recorrida no mais.” 8. Desta vez, foi a ré que irresignada com tal acórdão do TR... dele interpôs recurso de revista, tendo concluído as alegações de recurso nos seguintes termos (mantendo-se a ortografia): « 1ª) O douto Acórdão Recorrido andou mal na interpretação que fez da clausula 22 do contrato celebrado entre a Ré/Recorrente e a Autora/Recorrida, interpretação errada essa derivada de uma interpretação errada do art. 19º, al. c), do DL nº446/85, de 25/10, nos termos do qual são proibidas, consoante o quadro legal padronizado, as cláusulas contratuais gerais que “Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos aressarcir”.2ª) A Ré/Recorrente celebrou com Autora/Recorrida um contrato de aluguer de veículo sem condutor, contrato esse que mais não é do que um impresso, com clausulas previamente elaboradas pela Autora e que são apresentadas, já impressas, aos interessados, a quem apenas concedido aceitar, ou não, esse clausulado, estando-lhes vedado, através de negociação, alterá-lo por qualquer forma.

  1. ) O referido impresso que tem como título “CONTRATO DE ALUGUER-CONDIÇÕES GERAIS” não contém espaços em branco, à excepção do espaço reservado às assinaturas do locatário e do fiador, dele constando “Sem prejuízo do expressamente regulado nas «CONDIÇÕES PARTICULARES» ou seus aditamentos, o presente Contrato de Aluguer rege-se pelas condições constantes das clausulas seguintes:”.

  2. ) Estamos portanto, perante um contrato-tipo, em que não há liberdade contratual (art.405.º C.Civil), em que o consumidor regra geral limita-se a subscrever formulários em que estão inseridas clausulas pré – redigidas pelo contraente “mais forte”, insuscetíveis de discussão, às quais se limita a aderir.

  3. ) Nos termos do art.1º, n.º 1 do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, na sua versão mais recente introduzida pelo DL n.º 323/2001, de 17/12, tratam-se de cláusulas “(…) elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar (…)” 6ª) O contrato identificado nos autos constitui exemplo de um desses contratos-tipo e, por isso, é-lhe aplicável o regime jurídico das contratuais gerais previsto no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, na sua versão mais recente introduzida pelo DL n.º 323/2001, de 17/12.

  4. ) A clausula 22 “MORA NA DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO” viola as normas constantes do D 446/85 de 25 de Outubro, designadamente por ofensiva dos valores fundamentais defendidos pelo princípio da boa fé, violadora de disposições imperativas e por isso, nula.

  5. ) Dispõe aquela clausula 22 o seguinte ”Se, cessando o aluguer por decurso do prazo, revogação por mútuo acordo, denuncia ou resolução, o locatário não devolver atempadamente o veículo, a Finicrédito terá o direito, a título de...

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