Acórdão nº 0682/18.7BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 02 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 682/18.7BESNT Recorrente: Herança aberta por óbito de A…………, representada pelo cabeça-de-casal B………… Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A acima identificada Recorrente, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 28 de Janeiro de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/c70400ff81e9be478025866c005516f8.) – que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e, em substituição, julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida pela ora Recorrente – e complementado pelo acórdão de 29 de Abril de 2021 – que indeferiu as nulidades arguidas pela ora Recorrente daquele primeiro acórdão –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «a.
Nos termos do n.º 1 do artigo 285.º do CPPT, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, Revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando verificados os seguintes requisitos: i) estar em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou ii) ser a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b. De acordo com a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo quanto a cada um dos anteditos requisitos legais, verifica-se que, revestindo as questões em apreço nos autos uma relevância manifestamente prática, em atenção à susceptibilidade da questão controvertida de se expandir para além dos limites da situação singular, independentemente da sua relevância teórica, resultando da mesma a possibilidade de repetição da questão noutros casos e da necessidade de garantir a uniformização do direito pela instância de cúpula do sistema judicial tributário, estão reunidos os pressupostos para o conhecimento do mérito do presente recurso de revista; c. No que concerne à admissibilidade do recurso de revista a respeito da inexistência de uma lacuna na legislação processual tributária que determine o recurso subsidiário às disposições civilísticas, importa referir que o Tribunal recorrido concluiu que a aqui Recorrente, ao não ter feito adequado uso do mecanismo consagrado no artigo 636.º do CPC, deixou consolidar o decidido na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos fundamentos em que decaiu, discordando a Recorrente de tal entendimento, por não se afigurar conforme com a especificidades previstas em sede de recurso na legislação jurídico-tributária; d. À luz do n.º 1 do artigo do artigo 280.º do CPPT, apenas tem legitimidade para recorrer das decisões dos tribunais tributários de primeira instância, para o Tribunal Central Administrativo, quem no processo tenha ficado vencido, não existindo qualquer lacuna neste preceito legal que imponha o recurso subsidiário às disposições civilísticas; e. Verificando-se que os pressupostos para interposição de recurso das decisões proferidas pelos Tribunais Tributários de primeira instância estão claramente definidos no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT, conclui-se que a existência de uma regra própria, que regula inteiramente os pressupostos para recorrer, determina a inexistência de uma qualquer lacuna que cumpra preencher, impedindo a aplicação do regime processual subsidiário nesta matéria, designadamente o CPC, obrigando a que a Recorrente tivesse, necessariamente, de apelar ao regime constante do CPC (o artigo 636.º) por forma a ver acautelada a sua posição; f. Tendo o Tribunal recorrido efectuado uma interpretação jurídica ostensivamente errada, que não colhe arrimo nem no texto, nem no espírito da lei – de que, como se disse, devia a Recorrente ter promovido a ampliação do objecto do recurso interposto pela Fazenda Pública –, é objectivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, na sua qualidade de órgão de regulação do sistema, porquanto a mesma se revela necessária para uma melhor aplicação do direito, verificando-se assim estar preenchido o segundo requisito a que alude o n.º 1 do artigo 285.º do CPPT, designadamente a segunda parte do referido preceito, pelo que deve ser admitido o presente recurso de revista; g. A questão sob análise não reveste uma natureza meramente casuística, podendo, com grande probabilidade, ter repercussões noutras situações, nomeadamente em sede de recurso no direito tributário, revelando-se extensível aos sujeitos processuais que se deparem com uma decisão, em sede de primeira instância, totalmente procedente – mas em que, sem prejuízo disso mesmo, um dos segmentos decisórios lhe seja desfavorável –, não lhe sendo legítimo, no âmbito do ordenamento processual tributário, recorrer da mesma; h. Está, ainda, em causa a necessidade de acautelar a melhor aplicação possível do direito, obviando a entendimentos e interpretações jurídicas contrárias aos princípios e direitos fundamentais dos cidadãos em matéria tão relevante como é a dos recursos, por um lado, ao próprio teor das normas e à significação que as mesmas têm no contexto próprio em que foram criadas (in casu, o direito tributário), por outro – pelo que é manifesto que se encontram preenchidos quaisquer dos pressupostos de que depende a admissibilidade do presente recurso por este Tribunal; i. No que concerne à admissibilidade do recurso de revista no que respeita à possibilidade de invocação tácita do disposto no artigo 636.º do CPC, tendo em vista a ampliação do objecto do recurso, importa referir que, para além de se afigurar uma má aplicação da lei pelo Tribunal recorrido, o entendimento do mesmo (no sentido em que a suscitação do referido mecanismo terá, forçosamente, de ser feita de modo claro e expresso, não se admitindo a sua invocação tácita) revela-se em contradição com a jurisprudência aventada pelo Supremo Tribunal Administrativo; j. A jurisprudência vem entendendo que a suscitação tácita do artigo 636.º do CPC, para efeitos de ampliação do recurso, é possível, sendo que face à argumentação da Recorrente, nas suas contra-alegações de recurso (e, bem assim, no corpo da alegação), verifica-se, sem margem para dúvidas, que se deu essa suscitação tácita; k. Nas contra-alegações de recurso (e nas conclusões a), b) e c) dessas contra-alegações), a Recorrente pretendeu acautelar a possibilidade de procedência do recurso interposto pela Fazenda Pública, fazendo uso da designada “arma dos vencedores precavidos”, ou seja, da faculdade de ver ampliado o objecto do recurso interposto pela Fazenda Pública, caso o Tribunal recorrido viesse a julgar procedente o recurso aduzido; l. O Tribunal recorrido não apreendeu dessa forma, nem permitiu que as partes se pronunciassem sobre a questão (tacitamente) suscitada pela Recorrente, mediante a apresentação de alegações complementares a que alude o n.º 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, obviando ao cabal exercício do direito ao contraditório pela aqui Recorrente, reflectindo-se esta falta numa postergação do direito a um processo equitativo, enquanto corolário do direito de acesso aos tribunais e estruturante do princípio do Estado de Direito Democrático; m. A incorrecta interpretação e aplicação de uma disposição – designadamente, o disposto no artigo 636.º do CPC – pelo Tribunal recorrido, influi, indiscutivelmente, na decisão da causa, sendo que a matéria foi tratada, por aquele Tribunal, de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável, sendo que ao interpretar as normas legais de forma tão restritiva e excessivamente formalista – que se mostra em desacordo com aquele que vem sendo o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo (e, bem assim, do Supremo Tribunal de Justiça) na matéria –, o Tribunal recorrido incorreu numa posição juridicamente indefensável, que contende com a letra e espírito da lei, mas também com o importante princípio do pro actione, verificando-se, assim, estar preenchido o segundo requisito a que alude a segunda parte do n.º 1 do artigo 285.º do CPPT, que se prende com a necessidade da revista para garantir uma melhor aplicação do direito, para efeitos de admissão do presente recurso, por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, sendo essencial a pronúncia solene do Supremo Tribunal Administrativo; n. A repetibilidade desta problemática em casos futuros não é de afastar, desde logo porque se verifica uma clara divisão de correntes jurisprudenciais, susceptível de adensar uma incerteza e estabilidade na resolução dos litígios, a qual não é compatível com o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, plasmado na CRP; o. No presente caso detecta-se, quer um caso de manifesta injustiça, quer um uso ou forma diferente de interpretação e aplicação da lei, que invariavelmente conduzirá à ausência da necessária defesa dos direitos das partes processuais e, bem assim, conformará indiscutíveis e inaceitáveis deficiências ao nível da tutela jurisdicional efectiva, pelo que os requisitos a que alude o n.º 1 do artigo 285.º do CPPT se revelam preenchidos, devendo o presente recurso ser apreciado por este Tribunal; p. No que toca à admissibilidade do recurso de revista por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva decorrente da interpretação conjugada do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT e do disposto no...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO