Acórdão nº 028/16.9BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – A Fazenda Pública, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu [de ora em diante TAF de Viseu], em 14 de Junho de 2018, na parte em que a sua impugnação foi julgada improcedente, para tanto, apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] A - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 14/06/2018, no segmento que julga procedente o vício de violação de lei, nomeadamente do art. 9° do CIVA, imputado às correções efetuadas em sede de IVA no que tange à consideração da inscrição termal como sujeita a IVA e dele não isenta, com a consequente anulação das liquidações aqui impugnadas em conformidade (liquidações oficiosas de IVA e juros compensatórios de 2010, 2011 e 2012).

B - A questão jurídica fundamental a decidir nos autos é a de saber se determinadas prestações de serviços efetuadas pela impugnante estão abrangidas pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) prevista no art. 9°, 2 do respetivo código, concretamente por se qualificarem como “operações estreitamente relacionadas com prestações de serviços médicos e sanitários”.

C - Para alcançar uma resposta é necessário, por um lado, interpretar a norma de isenção, procurando fixar os seus conceitos até onde tal se afigure possível e necessário; e, por outro lado, interpretar a realidade factual, com vista ao exercício da subsunção dos factos na previsão da norma.

D - As razões que motivam o presente recurso respeitam a ambos os objetos da discussão: a interpretação da norma e a interpretação dos factos.

E - O artigo 9°, 2 do Código do IVA (norma de isenção) deve ser interpretado em conformidade com o direito europeu e com a jurisprudência do TJUE sobre o mesmo.

F - Esta disposição legal transpõe para a ordem jurídica interna o art. 132°, 1, b) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (de ora em diante Diretiva IVA).

G - A norma do CIVA deve ser interpretada de modo consentâneo com a interpretação que tem sido feita da transcrita disposição da normativa europeia pelo TJUE: constituindo princípio há muito assente no direito da União Europeia que os tribunais dos Estados Membros devem interpretar todo o direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia (Acórdão TJUE de 04-07-2006, C-212/04 Konstantinos Adeneler e outros).

H - Resulta da própria letra do artigo 132° da Diretiva IVA que as isenções que aí se preveem são imperativas para os Estados quanto ao seu âmbito de aplicação. Os Estados membros não podem - salvo em casos excecionais expressamente previstos - deixar de isentar as atividades aí prevista, e só o podem fazer com a extensão com que aí se prevê a sua isenção. Assim o afirma o TJUE no acórdão Skatteverket (Acórdão do TJUE de 21 de março de 2013, Caso C-91/12, (Skatteverket v. PFC Clinic AB.

I - É jurisprudência assente do TJUE que as isenções previstas no artigo 132° da Diretiva IVA constituem conceitos autónomos do direito da União que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado Membro para outro (Acórdão TJCE, 25-02-1999, C 349/96, Card Protection Plan Ltd (CPP)/Commissioners of Customs & Excise, par. 15; Acórdão TJCE 15-06-1089, C 348/87, Stichting Uitvoering Financiële Acties v Staatssecretaris van Financiën, par.11; Acórdão TJUE 28-01-2010, C 473/08, Eulitz v. Finanzamt Dresden I, par. 25).

J - Resulta igualmente de jurisprudência assente que as isenções previstas no artigo 132° da Diretiva IVA não se destinam a isentar de IVA quaisquer atividades de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada (v., designadamente, acórdãos de 11-07-1985, Comissão/Alemanha, C 107/84, par. 17; de 20 de Novembro de 2003, D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, C 307/01, par. 54; e Eulitz, par. 26).

K - Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.º devam ser interpretados de maneira a privá-las dos seus efeitos (v., designadamente, acórdão de 14-06-2007, Haderer, C 445/05, par. 18 e jurisprudência referida, e acórdão Eulitz, já referido, par. 27 e jurisprudência referida).

L - Por consequência, o conceito de “assistência médica, que figura no artigo 132.º, n.º 1, al. b), da diretiva IVA (tal como o de “prestações de serviços de assistência”, que figura no artigo 132.º, n.º 1, al. c), dessa diretiva) visa prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (v. acórdão 21-03-2013, C-91/12, Skatteverket v. PFC Clinic, par. 25; e acórdão TJUE de 10-06-201, C-86/09, Future Health Technologies, pars. 37 e 38).

M - A disposição do art. 132°, 1 b) deve ser objeto de uma interpretação restritiva: os termos usados para designar as isenções previstas no artigo 132.°da Diretiva são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral da tributação em IVA de cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo.

N - Por outro lado, a aplicação que o Tribunal de Justiça fez da mesma no caso de De Fruytier (Acórdão TJUE, de 2 de julho 2015, C-334/14, Bélgica v. Nathalie De Fruytier) e ainda mais, no caso Klinikum Dortmund (Acórdão de 13 de março de 2014, caso C-366/12 Finanzamt Dortmund-West v Klinikum Dortmund), ambos em matéria de serviços de saúde, deixam claro que o Tribunal, na atualidade, faz uma interpretação restritiva das normas que isentam de iva os serviços médicos e sanitários.

O - O Tribunal não podia ser mais claro: a norma destina-se a isentar as prestações médicas em sentido estrito.

P - O que pode extrair-se da sentença do tribunal europeu é que, não devendo ser feita uma interpretação particularmente restritiva do que seja a “finalidade terapêutica” de uma operação, a norma deve ser objeto de uma interpretação restritiva, de tal modo que só as prestações médicas em sentido estrito e as que com estas estejam “em estreita relação”, devem considerar-se abrangidas pelo desagravamento.

Q - A norma que analisamos - o art. 9°, 2 do CIVA - contempla duas realidades, ou situações: (i) os “serviços médicos e sanitários,” e (ii) as “operações com elas estreitamente conexas”. Parece não oferecer dúvida de maior que em relação à situação factual na origem dos autos apenas pode ser discutida a sua qualificação como “operações estreitamente conexas com serviços médicos e sanitários”.

R - No art. 132°, 1, b) da Diretiva IVA, a expressão correspondente é “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas".

S - A Diretiva IVA não contém, no artigo 132.º ou em qualquer outro local, uma definição da noção de “operações estreitamente relacionadas com operações a hospitalização e a assistência médica.” T - O tribunal a quo, no que tange ao valor cobrado a título de inscrição termal, limita-se ao seguinte: “...sendo aquele valor cobrado em razão da disponibilização dos tratamentos termais, já considerados como isentos de IVA, deve também aquele ser considerado isento, uma vez que é exclusivamente cobrado após consulta médica e na decorrência da prescrição de tratamento termal por parte de médico habilitado.” Com a devida deferência, que não pode constituir embargo à discussão, não enfermará a posição do Tribunal a quo da falha de desatender o imperativo de uma interpretação restritiva das normas em causa? U - Olhemos, uma vez mais, o acórdão de Fruytier e vejamos se nele o TJUE aplicou a noção de operações estreitamente relacionadas com operações a hospitalização e a assistência médica em sentido conforme: estaremos perante uma “operação, realizada em momento anterior ou posterior ao serviço (de diagnóstico), com o qual apresenta uma ligação ou uma relação, no sentido de concorrer para a sua realização”, podendo ser vista como acessória ou instrumental em relação à prestação principal? Estaremos perante uma operação que “não representando uma finalidade em si mesma para o cliente, permite assegurar que o serviço principal seja de maior qualidade ou seja obtido em melhores condições?” (as expressões entre aspas traduzem a abordagem conceptual da doutrina nesta sede, nomeadamente LAIRES, Rui (2012), O IVA nas Atividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social, Coimbra: Almedina/IDEFF, pp. 133-4 e NEVES, Filipe Duarte (2010), Código do IVA e Legislação Complementar, Comentado e Anotado, Porto: Vida Económica, pp. 178).

V - A resposta é evidentemente afirmativa, em ambos os casos. E, contudo, não é, para o Tribunal de Justiça, uma operação estreitamente relacionada com um serviço de assistência médica. O que mostra que as definições doutrinárias não encontram harmonia com a doutrina, recente, do tribunal europeu.

X - Em reforço desta posição, não poderemos deixar de referir um outro acórdão do TJUE, proferido no caso C-366/12 (Acórdão de 13 de março de 2014, caso C-366/12 Finanzamt Dortmund-West v Klinikum Dortmund), no qual o Tribunal considerou, em conclusão final, que a administração de medicamentos citoestáticos, a doentes com cancro tratados em ambulatório, por parte da farmácia do hospital não poderia beneficiar de isenção de iva. É certo que não estava em discussão, no caso, a noção de “atos estreitamente relacionados”, mas a discussão não deixa de ser proveitosa para a perceção do quão restritiva era, em 2015, a interpretação que o Tribunal de Justiça fazia das isenções relativas a serviços de saúde.

Y - A partir dos dois casos mencionados, decididos pelo Tribunal de Justiça, não...

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