Acórdão nº 01867/11.2BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“ A……………., S.A.” (anteriormente denominada “ B…………….

S.A.”), inconformada com a sentença que julgou improcedente a Impugnação Judicial por si interposta do despacho da Chefe de Divisão de Procedimento Tributário e Financeiro da Câmara Municipal de Lisboa - que, no uso de competências subdelegadas, indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra os actos de liquidação relativos à Relação Valorizada n.º 700000089618, emitida em 1 de Março pelo Departamento de Gestão do Espaço Público - Direcção Municipal de Ambiente Urbano, da Câmara Municipal de Lisboa, para pagamento dos montantes de € 11.380,00 e € 113,80 pela Ocupação do Espaço Público e Publicidade, referente ao ano de 2011, com referência a “PUB Veículos Ligeiros” e “PUB em Veículos", e às Facturas n.º 520000152422 E 520000155581 - interpôs recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2.

Admitido o recurso e juntas as respectivas alegações, colhem-se destas as seguintes conclusões: «A.

O presente recurso é interposto contra a Sentença, proferida no dia 11 de Novembro de 2019, no âmbito dos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto da Unidade Orgânica 1 do Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 1867/11.2BELRS, que julgou improcedente a pretensão da ora RECORRENTE e, em consequência, determinou a manutenção na ordem Jurídica dos actos de liquidação subjacentes à Relação Valorizada n.º 700000069618, emitida em 1 de Março de 2011, pelo DEPARTAMENTO DE GESTÃO DO ESPAÇO PÚBLICO - DIRECÇÃO MUNICIPAL DE AMBIENTE URBANO, da CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA, para o pagamento dos montantes de € 11.380 e € 113,80 pela Ocupação do Espaço Público e Publicidade, referente ao ano de 2011, com referência a "PUB Veículos Ligeiros" e "PUB em Veículos", e às Facturas n.ºs 520000152422 e 520000155581 e, bem assim, a anulação do Despacho da CHEFE DE DIVISÃO DE PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA, proferido a 20 de Julho de 2011, no uso de competências subdelegadas, que determinou o indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida pela aqui RECORRENTE.

B.

Ora, não pode a RECORRENTE conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica os actos tributários impugnados, os quais, como se demonstrará, padecem de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.

C.

Com efeito, desde logo porque os elementos que integram a Relação Valorizada n.º 700000069618 e as Facturas n.ºs 52000015242 e 520000155581 não permitem identificar: i) os concretos processos de licenciamento a que as referidas facturas respeitam: ii) se as facturas em questão constituem os próprios actos de liquidação; ou iii) se as facturas em questão são uma mera notificação daqueles mesmos actos de liquidação: e iv) os fundamentos, de facto e de direito, dos actos de liquidação subjacentes às referidas facturas.

D.

Na verdade, nos actos de liquidação aqui em apreço não são explicitados os fundamentos que determinaram a sua emissão, limitando-se o MUNICÍPIO DE LISBOA a emitir os actos em causa, sem nunca esclarecer a RECORRENTE sobre as concretas operações aritméticas efectuadas e remetendo a RECORRENTE para os regulamentos, supostamente, aplicáveis, não clarificando sobre a concreta ou concretas disposições regulamentares aplicáveis, mas mencionando tão-somente, de forma genérica e abstracta, o alegado Regulamento em que assentam os actos de liquidação de Taxas de Ocupação do Espaço Público e de Publicidade. A considerar-se tal fundamentação como legalmente válida, tal equivaleria a aceitar que, para se ter por verificada a válida fundamentação de direito de um acto tributário, bastaria, sem mais, a remissão em bloco para o "ordenamento jurídico português".

E.

Na verdade, do Ofício notificado não é possível à RECORRENTE extrair se está em causa a Taxa de Ocupação do Espaço Público ou a Taxa de Publicidade e, bem assim, se as mesmas estão corretamente apuradas, o que inviabiliza a possibilidade de a RECORRENTE discutir cabalmente uma eventual ilegalidade das liquidações contestadas com este fundamento.

F.

Ora, o artigo 77.º da LGT prevê que a fundamentação dos actos tributários deve conter sempre as disposições legais aplicáveis, bem como a qualificação e quantificação dos actos tributários, mas a verdade é que, no caso concreto, a (falta de) fundamentação dos actos de liquidação, objecto da Sentença recorrida, não se revela apta a satisfazer as preocupações que orientaram o legislador tributário, porquanto não permite à RECORRENTE inteirar-se das razões que motivaram as liquidações de que foi destinatária.

G.

Nesta sede, importa sublinhar que a fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o particular e permitir-lhe o controlo administrativo e/ou contencioso do acto lesivo dos seus direitos ou interesses juridicamente protegidos.

H.

Ora, no caso concreto, não é possível à RECORRENTE aperceber-se do itinerário cognoscitivo percorrido pelos serviços do MUNICÍPIO DE LISBOA, na medida em que não são indicados todos os elementos necessários para o efeito, nomeadamente porque não são indicadas as concretas operações aritméticas, nem as concretas disposições regulamentares que determinam o apuramento do valor de € 11.380,00 e € 113.80, objecto de impugnação.

I.

Deste modo, andou mal o Tribunal a quo ao não considerar que os actos tributários de liquidação das taxas ora em crise são omissos quanto à fundamentação de facto e de direito, porquanto estão inquinados de vícios de forma, por falta de fundamentação, devendo, assim, os mesmos ser anulados em conformidade (cfr. artigo 163.º do CPA).

J.

Já no que respeita à ilegalidade da prolação dos actos de liquidação em apreço em virtude da omissão de audição prévia, por parte do MUNICÍPIO DE LISBOA, é o próprio MUNICÍPIO que reconhece, conforme resulta do ponto 9 da Certidão emitida pela DIRECÇÃO MUNICIPAL DE SERVIÇOS CENTRAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA (junta como Doc. 5 com a petição inicial), que não foram promovidas audições prévias à emissão dos actos de liquidação, tratando-se no caso de renovações automáticas de licenças" .

K.

Sobre esta matéria, o disposto no artigo 60,º, n.º 1, alínea a), da LGT, estabelece que o órgão competente da Administração está obrigado a promover a audição do contribuinte visado sobre todos os aspectos relevantes, seja matéria de facto ou de direito, para a prolação da decisão final. E bem se entende que assim seja, porquanto o escopo do preceito em análise é a diminuição dos litígios entre a Administração tributária e os contribuintes, buscando a solução de cada caso num processo que se quer interactivo.

L.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou, no seu Acórdão de 15 de Julho de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 03160/09 - disponível in www.dgsi.pt - onde refere que "(...) a formalidade da audiência prévia prevista no artº 60º da LGT e 100º e segs. do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no artº 8º do CPA e, correspondendo tal principio a direito constitucional concretizado, terá de prevalecer sobre todas as normas contidas em leis especiais e onde a audiência não se mostre garantida com igual extensão ao consignado no CPA. Assim, é certo que não foi dado à impugnante, directamente e enquanto sujeito passivo, a oportunidade de se pronunciar antes da liquidação, pois o direito de audição implica que se lhe comunique o projecto de decisão e respectiva fundamentação (artº 60, nº 4 LGT). Decorre com segurança da notificação, que a AT sabia que, os Artigos 45º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 60º da LGT, a obrigavam a ouvir a impugnante, previamente a conclusão do procedimento. ".

M.

No que se reporta às formalidades legais, "O princípio geral do nosso direito é o de que todas as formalidades presentes na lei são essenciais. A sua não observância, quer por omissão quer por preterição, no todo ou em parte, gera a ilegalidade do acto administrativo" (FREITAS DO AMARAL. Diogo, Direito Administrativo. VoI. III. 1989, pág. 252). Deste modo, "O acto será ilegal se não forem respeitadas todas as formalidades prescritas por lei quer em relação ao procedimento administrativo, que preparou o acto, quer relativamente à própria prática do acto em si mesma" (ob. cit., pág. 252), sendo consideradas "insupríveis aquelas formalidades cuja observância tem lugar no momento em que a lei exige que elas sejam observadas” por contraposição àquelas formalidades, de carácter "suprível", que "a lei manda cumprir num certo momento, mas que se forem cumpridas em momento posterior ainda vão a tempo de garantir os objectivos que foram estabelecidos." (ob. cit., pág. 252), constando, de entre as formalidades essenciais, de carácter insuprível, precisamente, o direito fundamental de participação na decisão, por audição prévia, pois se exercido em momento posterior à emissão e notificação do acto de liquidação, já não terá qualquer efeito útil.

N.

Ora, de acordo com o referido na petição inicial, no caso vertente, o MUNICÍPIO DE LISBOA emitiu os actos de liquidação impugnados, sem que, em momento anterior, fosse concedida à RECORRENTE qualquer oportunidade de se pronunciar sobre a verificação dos pressupostos do mesmo.

O.

Por esta razão, deveria a RECORRENTE ter sido notificada para se pronunciar sobre a liquidação em causa no momento previsto na alínea a) do n.º 1 do citado artigo 60,º da LGT, ou seja, antes da liquidação, pelo que, em face do exposto, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT e artigo 2.º, alínea d), do CPPT, deverão as liquidações controvertidas ser anuladas, com as necessárias consequências legais.

P.

No pedido de certidão que apresentou junto do MUNICÍPIO DE LISBOA, a ora RECORRENTE requereu, para além do...

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