Acórdão nº 00185/21.2BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório M.

, contribuinte fiscal n.º (…), com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 24/09/2021, que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos na sequência da penhora de saldo bancário depositado na conta à ordem n.º (...) sediada na agência bancária “…” do Banco Santander e na conta de depósito à ordem n.º (...) sediada no Banco Millenium BCP, das quais é co-titular com M., executado no processo de execução fiscal n.º 1801201800090620, instaurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., por dívidas de contribuições à Segurança Social enquanto trabalhador independente.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos por M., no âmbito do processo nº 185/21.2BEVIS, versando sobre matéria de facto e de direito.

  1. Salvo o respeito que nos merecem o entendimento e a ciência jurídica do Tribunal a quo, entende a ora Recorrente que não foi corretamente apreciada a matéria de facto por si alegada na petição de embargos.

  2. Relevam, ainda, para a boa decisão da causa, devendo ser julgados provados, os seguintes factos: Que o executado nunca foi notificado para pagamento voluntário da dívida exequenda – art. 9º da p.i.; Que a embargante nunca foi citada para a presente execução fiscal – art. 16º da p.i., não impugnado e confirmado pelo documento junto com a contestação; Que a embargante apenas recentemente tomou conhecimento das diligências executivas – art. 10º da p.i. e F) dos factos provados.

  3. A valoração dos factos aludidos na conclusão que antecede importa um desfecho diferente da lide, mormente quanto ao juízo de exigibilidade da dívida exequenda e sua imputação ao património da embargante.

  4. Ao adoptar o fundamento vertido na douta sentença proferida de «que não incumbe à Entidade Exequente “demonstrar a comunicabilidade da dívida à embargante”, antes a Esta incumbe o ónus de demonstrar que a dívida exequenda derivada do exercício de atividade comercial não foi contraída em proveito comum casal», o Tribunal a quo incorre em vício de violação de lei e erro na determinação da norma jurídica aplicável.

  5. Com o devido respeito, na perspetiva da recorrente, tal conclusão decorre de uma aplicação incorreta das normas jurídicas inscritas nos artigos 1691º, 349º a 351º do Código Civil e ainda dos artigos 13º e 15º do Código Comercial.

  6. A natureza comercial da dívida e o proveito comum do casal consubstanciam matéria de direito que deve ser integrada por factos concretos.

  7. O douto Tribunal a quo deveria ter julgado como não provados os factos integradores da natureza comercial da dívida e do proveito comum do casal.

  8. Em regra, o proveito comum do casal não se presume, necessitando o credor de o alegar e provar, para tanto recorrendo a base factual bastante – art. 1691º, nº 3 do CC.

  9. Para derrogar esta norma geral, beneficiando do regime especial previsto na al. d) do nº 1 do artigo 1691º CC, necessário será que o credor, para fazer operar a presunção de proveito comum, alegue e demonstre os factos que alicerçam a presunção, in casu, a natureza comercial da dívida.

  10. As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art. 349º CC.

  11. Resultou provado – em B) dos factos provados – que «O executado, “durante o período de maio de 2013 a abril de 2018 não esteve inscrito/colectado, em sede de IRS/IVA, pelo exercício de qualquer actividade empresarial ou profissional”».

  12. Esse período – maio de 2013 a abril de 2018 – corresponde ao período balizado na certidão de dívida nº 19/2018 que serviu de título à execução.

  13. Ora, se o executado não estava, nos períodos a que se reporta a dívida exequenda, enquadrado em regime de IRS e IVA pelo exercício de qualquer atividade empresarial ou profissional, como seria inerente ao exercício do comércio, não se alcança como pode a entidade exequente e o douto Tribunal a quo concluir pelo exercício do comércio, naquele período, pelo executado.

  14. Porquanto, “Fundamental para determinar a qualidade de comerciante é a prova de factos de onde decorra o exercício habitual, como meio de vida, de actos substancialmente comerciais” e “o proveito comum do casal é um conceito jurídico, cuja integração e verificação depende da prova dos factos constitutivos do direito do credor demandante, a quem incumbe o ónus probatório” – Ac. TRL de 25-10-2012, proc. nº 2991/10.4TBSXL-B, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

  15. A entidade Exequente não satisfez o seu ónus probatório.

  16. Por sua vez, o conceito de comerciante vem definido no artigo 13º do Código Comercial, sendo comerciantes as pessoas que, tendo capacidade para praticar atos de comércio, fazem deste profissão e as sociedades comerciais, não sendo esta matéria objeto de prova, mas sendo antes matéria de direito (idem).

  17. Com a devida vénia, se a embargante alegou e logrou provar - B) dos factos provados - que no período a que se reporta a dívida exequenda, o executado não exercia atividade lucrativa, não lhe caberia a si ilidir, através da alegação de factos, a presunção de proveito comum, para assim afastar a sua responsabilidade pela dívida exequenda.

  18. Também a jurisprudência deste venerando Tribunal é esclarecedora: “As dívidas tributárias são da responsabilidade de ambos os cônjuges nos casos em que estão em causa atividades lucrativas, atento o exercício do comércio que essas atividades pressupõem e pela presunção de proveito comum das dívidas contraídas nesse exercício”, só então respondendo pelo seu pagamento, nesses concretos casos, os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges. – Ac. TCAN de 12-02-2012, Proc. nº 00647/11.0BEAVR, disponível em www.dgsi.pt.

  19. Imperioso se torna concluir que o património da embargante não pode responder pela dívida exequenda.

    Sem prescindir: 21. O Tribunal a quo considerou que a embargante é terceira face à presente execução.

  20. À embargante, ora recorrente, nunca foi dado conhecimento pela entidade exequente da existência da execução fiscal, nem, em momento anterior à execução, lhe foi comunicada a existência de uma dívida de contribuições contraída pelo cônjuge, tendo lhe sido vedada a oportunidade de demonstrar quer a inexistência da dívida, quer os termos da sua incomunicabilidade.

  21. Ademais, resultou demonstrado, não tendo sido objeto de impugnação pela entidade exequente, que também o cônjuge marido não foi notificado da existência da dívida, previamente à instauração da execução que deu causa aos presentes embargos.

  22. A certidão de dívida que serviu de base à instauração do processo de execução fiscal só poderia ter sido extraída na sequência de falta de pagamento voluntário, como resulta das disposições normativas inscritas nos artigos 36º e 88º, nº 1 e nº 4 do CPPT.

  23. A dívida só pode ser exigida coercivamente depois de ter sido facultada aos responsáveis pelo seu pagamento a oportunidade de a pagarem voluntariamente dentro de prazo razoável (artigo 84º CPPT).

  24. Os contribuintes devem poder contar que a Administração opera dentro de elevados padrões de boa fé e em cumprimento dos princípios plasmados nos textos normativos (v.g. artigos 10º e 11º e demais princípios inscritos no capítulo I da Parte I do CPA).

  25. Não é esperado da Administração Pública num Estado de Direito, que os seus órgãos executivos atuem “de surpresa”, acumulando alegados créditos em montantes astronómicos até ao momento em que, sem dar oportunidade de cumprimento voluntário ou de reclamação, decidem imputá-los no património de particulares e seus familiares.

  26. Com o respeito que nos merece a decisão do douto Tribunal a quo, e que é muito, não poderá ser acolhido o argumento oferecido pela entidade exequente, nem a valoração normativa adoptada, de que a embargante “devesse saber da execução dado que o marido, com quem vive, é executado e teve intervenção no processo executivo”, porquanto tal conclusão jurídica, desprovida de substrato fáctico, contende com o princípio do Estado de Direito (artigos 2º, 3º nº 3 e 204º da CRP) e, em concreto, com as supra aludidas normas jurídicas procedimentais e processuais garantísticas dos direitos dos cidadãos, entre si e na sua relação com os órgãos de soberania, ferindo de inconstitucionalidade a norma extraída e aplicada pelo Tribunal a quo.

  27. Acresce que a dívida é inexigível, e portanto insusceptível de imputação ao património da ora recorrente, ainda porque, reportando-se a dívida exequenda aos períodos de 10/2005 a 06/2006 e 11/2011 a 04/2018 - ponto A) da matéria de facto provada - a notificação da liquidação não foi efetuada nem ao executado, nem à embargante dentro do prazo de 4 anos, findo o qual opera a caducidade do direito de crédito do ISS, I.P. – n.º 1 do artigo 45º da LGT.

  28. Ora, a considerar-se, o que por mera cautela de mandato se equaciona, que a dívida existe e que a embargante é co-responsável, sempre deverá ser declarada a caducidade do direito à liquidação pelo ISS, I.P. uma vez que o ato de extração da dívida contributiva não lhe foi validamente notificado no prazo de 4 anos contados de cada uma das prestações vencidas mensalmente desde outubro de 2005.

  29. Em sentido idêntico, a dívida é, ainda, parcialmente inexigível por via da prescrição do direito de crédito exequendo respeitante aos meses/anos de 2013 a 2016, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais...

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