Acórdão nº 010/21.4BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Janeiro de 2022
Magistrado Responsável | ADRIANO CUNHA |
Data da Resolução | 27 de Janeiro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.
A “FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (FPF)” veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista do Acórdão proferido em 7/7/2021 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, “TCAS” (cfr. fls. 1212 e segs. SITAF), o qual, negando provimento ao recurso que interpusera da decisão proferida pelo Presidente do “TCAS” em 1/2/2021 (cfr. fls. 677 e segs. SITAF), confirmou esta decisão que julgara procedente a presente providência cautelar, peticionada pelo Requerente A……………..,, de suspensão de eficácia da decisão tomada, em 27/1/2021, pelo Conselho de Disciplina da Requerida “FPF”, posteriormente confirmada pelo Pleno do mesmo Conselho de Disciplina, em 29/1/2021, que impôs ao Requerente a sanção disciplinar de um jogo de suspensão e, acessoriamente, a sanção de multa no montante de 153,00€.
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A Requerida “FPF”, ora Recorrente, terminou as suas alegações neste recurso de revista com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1243 e segs. SITAF): «1. O recurso ora interposto tem por objeto o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 7 de julho de 2021, que decidiu manter a decisão sumária proferida pelo Presidente do TCA Sul em sede de medida cautelar requerida ao abrigo do disposto na Lei do TAD.
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Entende a Recorrente que esta matéria tem complexidade jurídica que justifica a intervenção do STA bem como se trata de questão com relevância social assinalável.
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No Acórdão recorrido, por via da confirmação da decisão proferida pelo Presidente do TCA Sul, é colocada em crise o sistema de resolução de litígios desportivos existente pelo menos desde a Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo, no caso o seu artigo 25.º), na qual foram delimitadas as esferas de competência entre tribunais estatais e os órgãos internos das federações desportivas, ditos órgãos jurisdicionais federativos, tendo sido conhecida questão estritamente desportiva.
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O facto de ter sido proferida decisão matéria estritamente desportiva abre um perigoso precedente e potencia a tentativa de outros agentes desportivos em replicá-la nos seus casos concretos, trazendo para estes Tribunais Superiores a discussão de matérias – por exemplo, se um árbitro agiu bem ao admoestar o jogador com cartão amarelo, ou não – que claramente não têm dignidade para serem apreciadas por esta categoria de instâncias jurisdicionais.
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A circunstância de estarmos perante decisão proferida no âmbito cautelar em nada belisca este fundado receio, porquanto o recurso ao mecanismo previsto no n.º 7 do artigo 41.º da Lei do TAD pode, com relativa facilidade, e dado este perigoso precedente, ser utilizado com frequência pelos agentes desportivos em casos semelhantes.
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Não se ignora que as questões levantadas no presente recurso são complexas do ponto de vista jurídico e implicam um profundo conhecimento das especificidades da realidade e do direito desportivo, o que, salvo o devido respeito, pareceu falhar ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul e ao coletivo de juízes do TCA Sul que apreciou o recurso interposto, tanto que subtilmente ignoraram o tema major aqui em causa nos autos.
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A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros. Apenas a título de exemplo, no mandato de 2016-2020 do Conselho de Disciplina da Recorrente foram decididos, em ambas as Secções daquele órgão – Profissional e Não Profissional – nada mais nada menos, que 39.129 processos sumários (dados retirados do Relatório do Mandato 2016-2020 do Conselho de Disciplina, publicado a 11.07.2020 (disponível em https: //www.fpf/Institucional/ Disciplina/Relat%C3%B3Rios). A tramitação célere do processo sumário, prevista desde logo na Lei, é a que permite que o órgão disciplinar possa tomar decisões em tempo útil e cumprir, afinal, o seu objetivo: equilibrar a competição desportiva.
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Imaginemos se de cada um desses processos sumários – através dos quais, na sua maioria, são sancionados jogadores por amostragem de cartões amarelos e vermelhos no decurso de um jogo – se lançar mão deste expediente previsto na Lei do TAD; rapidamente o Presidente do TCA Sul ficaria completamente submerso de pedidos semelhantes todas as semanas e, consequentemente, o TCA Sul e este STA.
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Existem fundamentos jurídicos para sustentar a revogação do Acórdão proferido e, bem assim, da decisão sumária proferida no âmbito cautelar, porquanto a mesma enferma de sérios erros de facto e de direito.
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O TCA Sul não se pronuncia sobre a questão major aqui em causa, que é, precisamente, a de saber se está ou não em causa uma questão estritamente desportiva e se, por essa razão, o TAD – e por maioria de razão o Presidente do TCA Sul – estavam impedidos dela conhecer.
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Também ignora completamente o facto, alegado pela Recorrente FPF, de que houve efetivamente audiência prévia – algo que o próprio TAD em sede de ação arbitral principal que correu termos com o n.º 4/2021 veio a reconhecer e julgar.
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O que materialmente o Recorrido vem colocar em crise perante o Tribunal Arbitral do Desporto e perante o Presidente do TCA Sul é a amostragem do cartão amarelo durante um jogo. Tanto que reconhece – nem poderia ser de outro modo – que a aplicação da sanção de suspensão é uma sanção automática decorrente da cumulação de 5 cartões amarelos na competição na mesma época desportiva.
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Ao pretender colocar em crise a factualidade subjacente à aplicação desta sanção automática, isto é, ao colocar em crise a correção da amostragem do cartão amarelo, o Recorrido pretende que o TAD se substitua no juízo técnico do árbitro do jogo em causa.
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Da conjugação das normas, doutrina e jurisprudência assinaladas no recurso retira-se, com clareza, que a discussão sobre o tipo de questões trazidas ao conhecimento do TAD e do Presidente do TCA Sul - recorde-se, aplicação de sanção disciplinar automática decorrente da cumulação de cartões amarelos em determinada competição, ou, melhor, a anulação de um cartão amarelo regularmente amostrado em jogo pelo árbitro - cabe apenas dentro das instâncias desportivas, estando o seu conhecimento vedado ao Tribunal Arbitral do Desporto, porquanto é matéria relacionada com a aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva. Ou, numa leitura mais atualista, é, sem dúvida alguma, uma questão emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.
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Por ser colocada questão relativa à factualidade subjacente à aplicação desta sanção automática de suspensão, isto é, ao colocar em crise a correção da amostragem do cartão amarelo, o Tribunal Arbitral do Desporto é incompetente para conhecer da ação arbitral que aí foi intentada, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 4.º da Lei do TAD. Assim sendo, também ao Presidente do TCA Sul estava vedada a possibilidade de decretar medidas cautelares sobre esta matéria, sendo incompetente para o efeito, pelo que a decisão sumária por si proferida enferma do vício de incompetência em razão da matéria.
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Contudo, o Tribunal a quo pura e simplesmente não analisa este fundamento do recurso interposto, o que leva à sua nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, aplicável por via do artigo 666.º do CPC e do artigo 1.º do CPTA.
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Ficou demonstrado que o Recorrido teve, no caso concreto, a oportunidade de ser ouvido antes do sancionamento em processo sumário, tendo-o sido efetivamente. Pelo que nenhuma nulidade pode ser assacada ao procedimento disciplinar neste caso concreto.
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É que, pura e simplesmente, no caso vertente, não foi aplicado o artigo 214.º do RD da LPFP, porquanto existiu efetiva audiência prévia do Recorrido.
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Não tendo sido aplicado o artigo 214.º, não tem, por isso, cabimento a alegação de que o mesmo é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 10 da CRP.
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O ato proferido pelo Presidente do TCA Sul incorreu, pois, em erro nos pressupostos de facto, o que levou a um erro decisório.
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Não existindo qualquer violação do direito de audiência prévia do Recorrido, não se encontra preenchido o critério do fumus boni iuris, pelo que a medida cautelar requerida nunca poderia ter sido decretada com esse fundamento, porém, foi exatamente esse o (único) fundamento a que o Presidente do TCA Sul recorreu para proferir a decisão ora recorrida. Pelo que se impunha a sua imediata revogação ao Tribunal a quo, que, mais uma vez mal, não o concedeu.
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Cabe apenas ao Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul decretar as medidas cautelares urgentíssimas absolutamente necessárias para assegurar, em tempo útil, o direito alegadamente ameaçado.
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Caso seja decretada a medida cautelar requerida ao Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, depois, o Colégio Arbitral constituído junto do TAD tem de decidir sobre a manutenção, alteração ou revogação da medida cautelar decretada, decidindo o procedimento cautelar.
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Nos presentes autos, efetivamente, houve remessa do processo, por despacho do Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto, para o Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul para efeitos de exercício da competência prevista no n.º 7 do citado artigo 41.º da Lei do TAD, e posterior decisão, a ora recorrida. Tal decisão foi proferida sem que a FPF tenha sido previamente ouvida.
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Ora, como vimos, o Presidente do TCA Sul decide declarar procedente a presente providência cautelar.
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Ao decretar uma providência cautelar que não lhe foi requerida, o Presidente do TCA Sul, na decisão recorrida, excedeu claramente os seus poderes de pronúncia no caso concreto.
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Assim, o Acórdão do TCA Sul, ao manter a decisão proferida, andou mal pelo que se impõe, também por esta via, a sua revogação.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, Deverá o presente recurso de revista ser admitido, sendo...
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