Acórdão nº 091/20.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – A………….. e B……………, com os sinais dos autos, intentaram neste Supremo Tribunal Administrativo, em 24 de Agosto de 2020, contra a Senhora Conselheira Procuradora-Geral da República, igualmente com os sinais dos autos, uma acção administrativa, na qual formularam o seguinte pedido: "(i) a) a anulação do Despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, ora Demandada, de 29.05.2020, notificado aos AA nessa mesma data, que indeferiu a impugnação administrativa por estes apresentada do Despacho n.º 14/2020, de 19.03.2020, do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, em substituição, confirmando-o, e determinou a apresentação dos Autores no Juízo de Comércio de Lisboa em 23.06.2020 para dar cumprimento ao mesmo, por incompetência material para conhecer da referida impugnação administrativa; (ii) Caso assim não se entendesse, b) a anulação do Despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, ora Demandada, de 29.05.2020, notificado aos Autores nessa mesma data, que indeferiu a impugnação administrativa por estes apresentada do Despacho n.º 14/2020, de 19.03.2020, do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, em substituição, confirmando-o, e determinou a apresentação dos AA no Juízo de Comércio de Lisboa em 23.06.2020 para dar cumprimento ao mesmo, bem como do aludido Despacho n.º 14/2020 e de todos os actos administrativos subsequentes àqueles que lhe venham a dar cumprimento, por estar ferido de inconstitucionalidade e ilegalidade; e (iii) c) a condenação da Demandada a repor os AA na situação em que os mesmos estariam caso o acto ora impugnado não tivesse sido praticado, com as legais consequências”.

2 – Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Março de 2021 a acção foi julgada improcedente.

3 – Inconformados, os AA. interpuseram em 28 de Abril de 2021 [fls. 686 do SITAF] recurso dessa decisão, o qual remataram com as seguintes conclusões: «[…] I - Vem interposto o presente recurso jurisdicional do Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 11.03.2021, que julgou improcedente a acção impugnatória deduzida pelos ora Recorrentes, julgando válido e eficaz o despacho da Senhora Conselheira PGR de 29.05.2020.

II - Mediante tal acção administrativa, os Recorrentes peticionaram: (i) a) a anulação do Despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, ora Demandada, de 29.05.2020, notificado aos AA nessa mesma data, que indeferiu a impugnação administrativa por estes apresentada do Despacho n.º 14/2020, de 19.03.2020, do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, em substituição, confirmando-o, e determinou a apresentação dos Autores no Juízo de Comércio de Lisboa em 23.06.2020 para dar cumprimento ao mesmo, por incompetência material para conhecer da referida impugnação administrativa; (ii) Caso assim não se entendesse, b) a anulação do Despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, ora Demandada, de 29.05.2020, notificado aos Autores nessa mesma data, que indeferiu a impugnação administrativa por estes apresentada do Despacho n.º 14/2020, de 19.03.2020, do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, em substituição, confirmando-o, e determinou a apresentação dos AA no Juízo de Comércio de Lisboa em 23.06.2020 para dar cumprimento ao mesmo, bem como do aludido Despacho n.º 14/2020 e de todos os actos administrativos subsequentes àqueles que lhe venham a dar cumprimento, por estar ferido de inconstitucionalidade e ilegalidade; e (iii) c) a condenação da Demandada a repor os AA na situação em que os mesmos estariam caso o acto ora impugnado não tivesse sido praticado, com as legais consequências.

III - No entender dos Recorrentes, a decisão ora recorrida procede a uma interpretação do Direito aplicável e a uma apreciação dos factos sub judice ilegal e inconstitucional, padecendo o aludido Acórdão, como tal, de manifesto vício de lei e erro de julgamento, devendo, consequentemente, ser revogado.

IV - Os Recorrentes não têm dúvidas de que, devidamente ponderado o quadro legal e factual que subjaz à presente acção administrativa e contrariamente ao entendimento sufragado no Acórdão recorrido, é de liminar clareza que se conclua pela inconstitucionalidade e ilegalidade do Despacho da Demandada, de 29.05.2020, que indeferiu a impugnação administrativa deduzida por aqueles do Despacho do Sr. PGRL, de 19.03.2020, e determinou o acompanhamento, em exclusivo, do processo n.º ……….. (vulgarmente designado por “Processo de liquidação do C…………..”), a correr termos na Comarca da Lisboa, nos moldes peticionados na Petição Inicial.

V - Mediante o Despacho n.º 14/2020, de 19.03.2021, o Sr. PGRL em substituição, designou os ora Recorrentes para exercerem, em exclusividade, as funções de representação do Ministério Público no processo de liquidação do C………….., com fundamento no disposto no artigo 68.º, n.º 1, alínea g), do EMP, que prevê a possibilidade do Procurador-Geral Regional “Atribuir, por despacho fundamentado, processos concretos a outro magistrado que não o seu titular sempre que razões ponderosas de especialização, complexidade processual ou repercussão social o justifiquem;”.

VI - O Recorrente A………….. encontrava-se, à data, colocado, por deliberação do CSMP, na sequência de movimento judicial, no Juízo de Comércio de ………….., deslocalizado em ………….., da Comarca de Lisboa Norte, onde era ainda Coordenador Sectorial da Área Cível.

VII - A Recorrente B…………., por sua vez, encontrava-se colocada, por deliberação do CSMP, na sequência de movimento judicial, no Juízo de Comércio de ………., da Comarca de Lisboa Oeste, onde exercia ainda funções de coadjuvação da Magistrada do Ministério Público Coordenadora dessa comarca.

VIII - Por via do Despacho da Demandada, de 29.05.2020, foi indeferida a impugnação administrativa deduzida por aqueles do Despacho do Senhor Procurador-Geral Regional, de 19.03.2020, e determinou o acompanhamento pelos Recorrentes, em exclusivo, do processo de liquidação do C………., com base na aludida fundamentação jurídica.

IX - Em virtude do que os ora Recorrentes foram mobilizados das Comarcas onde estavam colocados para a Comarca de Lisboa, onde está a correr tal processo.

X - A questão sub judice reconduz-se, em síntese, à admissibilidade, face à CRP e ao EMP, do Procurador-Geral da República poder, ou de motu próprio (via artigo 91.º do EMP) [ou por via da manutenção do Despacho n.º 14/2020, de 19/03, proferido pelo Sr. PGRL, ao abrigo do artigo 68.º, n.º 1, alínea g), do EMP] nomear outro magistrado para assegurar a representação do Estado Português num concreto processo cível em que seja parte, impondo com tal decisão a sua movimentação/deslocalização forçada para comarcas diversas daquelas para onde foram colocados por deliberação do CSMP, sem a sua prévia anuência.

XI - Reconduzindo o caso dos Recorrentes a uma mera situação de gestão de serviço, o predito Acórdão postula um entendimento do EMP e dos poderes conferidos à hierarquia que, como referido, se afigura manifestamente ilegal e inconstitucional e constitui um precedente perigoso, ferindo a magistratura do Ministério Público enquanto magistratura que é, naquilo que são os seus princípios basilares.

XII - As particularidades do Ministério Público, decorrentes do seu recorte constitucional, redundam numa configuração da relação hierárquica em termos menos extensos e menos intensos do que se aquela que se encontra no quadro geral da Administração Pública.

XIII - Tal circunstância decorre, prima facie, do princípio da autonomia constitucional e legalmente consagrado, o qual se aplica primariamente ao Ministério Público e aos órgãos que compõem esta magistratura, em sobreposição ao princípio da hierarquia administrativa comum.

XIV - Como decorrência desse princípio, a magistratura do Ministério Público está vinculada apenas a critérios de legalidade e objectividade, devendo obediência apenas aos comandos hierárquicos que se encontrem previstos no EMP e sempre nos termos e com os limites aí estabelecidos.

XV - Com efeito, o artigo 219.º, n.º 5 da CRP prevê uma garantia orgânica da autonomia dos magistrados do Ministério Público, determinando, implicitamente, que os actos de provimento ou quaisquer outros que determinem uma mudança na situação jurídico- funcional, assim como as actuações disciplinares, não cabem a órgãos exteriores ao Ministério Público.

XVI - Paralelamente, o n.º 2 do artigo 220.º da CRP, que institui o CSMP, prevê expressamente a existência de um conselho superior formado, também, pelos representantes eleitos dos próprios magistrados e cuja competência típica se centra precisamente nas matérias do acima aludido artigo 219.º, n.º 5, da CRP XVII - Assim, os poderes de nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público, bem como a acção disciplinar, não cabem aos órgãos políticos, nem cabem ao Procurador-Geral da República, nomeado por órgãos políticos, estando tais competências encontram-se constitucional e legalmente atribuídas ao CSMP.

XVIII - Mas o legislador constitucional foi mesmo mais longe, estabelecendo uma garantia material adicional no n.º 4 do predito artigo 219.º da CRP, de conteúdo análogo à inamovibilidade dos juízes (cfr. artigo 216.º, n.º 1 da CRP).

XIX - O artigo 219.º, n.º 4, da CRP consagra, assim, de forma plena, o princípio da estabilidade e inamovibilidade dos magistrados do Ministério Público.

XX - De tal princípio – previsto a nível infraconstitucional no artigo 99.º do EMP – e da sua conjugação com os demais preceitos constitucionais supra citados, decorre ainda que dentro da própria estrutura do Ministério Público a competência gestionária e disciplinar não cabe à instância suprema, de nomeação política (Procurador-Geral da República), mas sim ao órgão em cuja composição entram representantes eleitos dos magistrados.

XXI - Órgão este – CSMP...

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