Acórdão nº 1119/19.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. RELATÓRIO 1. A.

    intentou contra B…, médico da Clínica Instituto Médico Scalabitano, acção declarativa pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor de € 71.600,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais.

    Alegou, para o efeito, que era doente do R. e que este lhe prescreveu terapêutica de colonoscopia a ser levada a efeito na Clínica Instituto Médico Scalabitano. No dia 24.06.2016, submetido a colonoscopia realizada pelo R., este perfurou-lhe o intestino por não ter sabido utilizar os instrumentos de corte dos pólipos que estava autorizado a remover. Em consequência da lesão, teve de ser operado no Hospital de Santarém, que lhe determinou 35 dias de doença, com impossibilidade de desempenhar as tarefas quotidianas, ficando acamado e sem fala, dependente de terceiro e sofrendo dores e angústia persistente.

    Citado, o R. apresentou contestação impugnando os factos alegados pelo A. e requerendo a intervenção da Companhia de Seguros Ageas, S.A.

    Admitida a intervenção a título principal da Companhia de Seguros Ageas, S.A., veio esta apresentar contestação, impugnando os factos e aderindo à contestação do R., alegando que o capital seguro tem o limite de € 150.000,00.

    Realizado julgamento, foi, subsequentemente proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o Réu do pedido.

    1. É desta sentença que recorre o Autor, formulando, na sua apelação, as seguintes (extensíssimas) conclusões: i. O A. foi sujeito a exame colonoscópico realizado pelo R.

      ii. O exame (colonoscopia) foi prescrito por outro clínico que não o R. (artº 4 da contestação) iii. O A. agendou no Instituto Médico Scalabitano a realização da intervenção colonoscopia. (artºs 9 e 24 da contestação) iv. O R. colabora com o Instituto Médico Scalabitano onde realiza colonoscopias. (artºs 10, 12 e 22 da contestação) v. No dia 21.04.2016, o A. foi submetido à colonoscopia levada a cabo pelo R. (artº 4 da petição inicial) vi. Na data do agendamento da intervenção para além de ser fornecida a informação relativa ao exame e respetiva preparação foi também fornecido termo escrito de consentimento para que o doente pudesse analisar esta informação com tempo. (artº 25 da contestação) vii. O R. apenas viu o A. no dia 21 de abril de 2016, data de realização do exame. (artº 26 da contestação) viii. O R., antes de realizar o procedimento, explicou ao A. o procedimento, os riscos do mesmo. (artº 29 da contestação) ix. O A. foi informado sobre os riscos de perfuração, hemorragia, infeção, entre outros, bem como sobre o modo de reconhecer essas eventuais complicações, e ainda da possibilidade de execução de biópsias ou polipectomias. (artºs 41 e 42 da contestação) x. Após estas informações, foi solicitado ao A. que assinasse o termo de consentimento informado (artºs 33 e 44 da contestação) xi. Após a fase de informação e esclarecimentos seguiu-se o posicionamento, a sedação anestésica e a realização da colonoscopia. (artº 46 da contestação) xii. A realização do exame decorreu sem quaisquer intercorrências o mesmo sucedendo imediatamente após o mesmo. (artº 47 e 48 da contestação) xiii. O procedimento foi acompanhado pelo Dr. B…, por um anestesista e por uma enfermeira. (artºs 34 e 35 da contestação) xiv. No procedimento foram encontrados dois pólipos, com pedículos grossos, que foram retirados - foi realizada a polipectomia para a qual havia consentimento, e encaminhados para biópsia. (artºs 37, 38 e 39 da contestação) xv. O A. deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital Distrital de Santarém em 26.04.2016, onde lhe foi diagnosticado pneumoperitoneu, assumindo-se perfuração coberta de víscera oca, no contexto de colonoscopia recente. (artº 6 da petição inicial – parte) xvi. O A. ficou internado no Serviço de Cirurgia até 02.05.2016, para vigilância clínica e antibioterapia empírica de largo espectro, tendo realizado RX abdominal e TAC abdominal e pélvico, com evolução favorável e sem intercorrências. (facto provado ao abrigo do artº 607º, nº 4, CPC) xvii. Por via da lesão cirúrgica que o R. determinou ao A., teve este de ser operado depois no Hospital de Santarém.

      xviii. A doença subsequente e inevitável, perante a nova cirurgia determinou ao A. 35 dias de doença, com incompatibilidade para as tarefas quotidianas que lhe cabiam no lar.

      xix. E, no final, ficou o A. inválido, acamado, sem fala, nem poder cuidar de si.

      xx. Situação que se iniciou em 24.04.2016 e em que ainda se encontra presentemente.

      xxi. Tratando-se de uma má prática médica nas manobras de remoção de pólipos a que o A. procedeu através da colonoscopia.

      xxii. Com efeito, o R. não usou os cuidados protocolares e comummente aceites para se evitar a perfuração intestinal.

      xxiii. Ademais, limitou-se no final do exame a relembrar ao A. que seguisse para o Hospital de Santarém, acaso sentisse dores e tivesse hemorragias.

      xxiv. Foram, aliás, estes sintomas que levaram o A. a recorrer ao Hospital público.

      xxv. O R. é um clínico experimentado e só por debilidade de atenção e cuidado do R. é que provocou a perfuração intestinal acima indicada.

      xxvi. O R. infringiu a legis artis.

      xxvii. Desse ato medico, colonoscopia, realizado pelo R. resulta que causou ao A. penumoperitoneu, assumindo-se perfuração coberta de víscera oca, no contexto de coloscopia recente. (cfr. Nota de alta de 24/05/2016, emitida pelo Hospital Distrital de Santarém) xxviii. Apresentou também o A. hemiparesia em evolução e vómitos com dois dias de evolução, tudo como consta da Nota de Alta de 24/05/2016 de fls. , junta aos autos.

      xxix. Dos autos constam diversos episódios de urgência do recorrente subsequentes à intervenção realizada pelo R. que estão àquela relacionados.

      xxx. Da decisão sob recurso não resulta provado que as consequências que advieram para o recorrente foram causa direta e necessária do mau procedimento do R. ou seja de erro medico.

      xxxi. A verdade é que no caso em apreço verifica-se a inversão do ónus da prova quanto ao acto médico.

      xxxii. Competia ao R. e não ao A. demonstrar que tinha na intervenção realizada ao A. cumprido com todos os procedimentos que lhe eram impostos pelas boas práticas médicas (legis artis) o que não logrou demonstrar.

      xxxiii. Na prestação de serviços médicos por hospital privado, com escolha de médico pelo paciente, existe um vínculo contratual entre o hospital e o paciente e entre este último e o médico por si escolhido.

      xxxiv. Em acto médico do qual resultaram danos na integridade física do paciente existe um concurso aparente entre a responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual e a responsabilidade contratual; Ainda assim, o regime aplicável será o da responsabilidade contratual por ser, em regra, o que se apresenta como o mais favorável ao lesado/doente.

      xxxv. No âmbito de contrato de prestação de serviços médicos, com fins curativos ou terapêuticos, a obrigação do médico é, via de regra, uma obrigação de meios; xxxvi. Destarte, para a verificação do pressuposto de ilicitude não basta ao lesado demonstrar a não verificação ou a desconformidade do resultado almejado, sendo mister a demonstração de que o médico incumpriu as «leges artis» concretamente aplicáveis ao caso.

      xxxvii. Se a prestação de serviços médicos se reconduz à realização de um exame – colonoscopia -, é de considerar verificado o pressuposto da ilicitude quando a lesão sofrida (perfuração cólica) seja em altíssimo grau estranha ao cumprimento do fim do contrato (probabilidade inferior a 1%) e a sua gravidade resulte desproporcionada quando comparada com os riscos normais para o lesado, inerentes àquela concreta intervenção ou acto médico.

      xxxviii. Nas sobreditas circunstâncias, o consentimento informado do doente (o conhecimento de risco de perfuração cólica) não exclui a ilicitude do acto médico, pois que o consentimento não abrange a lesão física perpetrada.

      xxxix. Verificada a ilicitude, por força do preceituado no art. 799º, n.º 1 do Código Civil incumbe ao médico afastar a presunção de culpa, comprovando que os procedimentos adoptados eram os exigidos pelas «legis artis» aplicáveis ao caso ou que a lesão sobreveio por causa de força maior e/ou facto imputável ao lesado.

      xl. Ora, a factualidade precedentemente elencada é, em nosso julgamento, por si só, bastante para que possa dizer-se, com segurança, que estamos em face de um contrato consensual celebrado entre o Autora e o R., que lhe prestou o consequente serviço de saúde (intervenção médica – colonoscopia), actuando, pois, este no cumprimento de tais serviços de saúde xli. Como assim, juridicamente, a relação médico-doente deverá ser enquadrada na figura conceitual do contrato – negócio jurídico constituído por duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na comum pretensão de produzir resultado unitário, embora com um significado para cada parte.

      xlii. E isto porque se verificam, aqui, todos os seus elementos: - de um lado, a manifestação da vontade do doente no sentido de lhe ser prestada assistência médica, com os respectivos serviços de internamento e/ou acompanhamento por profissionais de saúde, e/ou de ser observado e tratado pelo médico no seio de instituição hospitalar (clinica); do outro, a aceitação, por parte destes últimos, desses encargos, comprometendo-se a desenvolver a actividade idónea para atingir essa mesma finalidade convergente.

      xliii. É certo, diga-se, que, nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que, se no caso confluírem a violação de um direito subjectivo absoluto (saúde ou integridade física) e a violação de deveres contratuais emergente do contrato de prestação de serviços médicos, se pode colocar a possibilidade de concurso entre o quadro normativo da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual, assistindo, pois, ao paciente/lesado a faculdade de aproveitar as soluções de cada regime (responsabilidade contratual ou responsabilidade extracontratual), conforme lhe aprouver e se mostre, em concreto, mais...

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