Acórdão nº 2014/19.8T8PDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Autora: Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Limitada Ré: AA * I – Relatório A Autora propôs ação declarativa, com processo comum, contra a Ré, alegando, em síntese, ter celebrado com esta em 18.10.2018 um contrato de subagência, com pacto de exclusividade e não concorrência, no qual acordaram na fixação de uma cláusula penal de 50.000,00€, pela sua violação, tendo a Ré em 18.03.2019 cessado, unilateralmente, o contrato e passado a prestar os mesmos serviços para outra rede imobiliária, violando a obrigação de não concorrência expressamente acordada.

Concluiu, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe € 50.000,00, acrescidos de juros de mora legais desde a citação.

A Ré contestou, alegando, em síntese, o seguinte: - A Ré não teve qualquer intervenção na redação do contrato, tendo o mesmo lhe sido apresentado já redigido, pelo que se limitou a assiná-lo, sem que tenha sido informada do seu teor.

- Apesar de ter começado a trabalhar para outra agência imobiliária, após a cessação do contrato com a Autora, nunca tirou partido de qualquer know how adquirido quando trabalhava com a Autora, até porque não teve qualquer formação.

- A cláusula de não concorrência é nula, por violação do regime das cláusulas contratuais gerais e por não ter sido acordada qualquer compensação.

Concluiu pela improcedência da ação.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação improcedente, tendo absolvido a Ré do pedido formulado.

A Autora recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação que, por acórdão proferido em Conferência, confirmando anterior decisão sumária do Desembargador Relator, revogou a decisão da 1.ª instância, tendo julgado a ação procedente e condenado a Ré no peticionado.

A Ré recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

  1. O acórdão do Venerando Tribunal da Relação ... que confirmou o teor da decisão singular impugnada e que, consequentemente, decidiu revogar a douta sentença de 12-02-2020 do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Cível ... – Juiz ... que julgou improcedente a ação instaurada contra a aqui recorrida, substituindo-a por decisão que determina a validade da cláusula de não concorrência estipulada em contrato de agência, sem contrapartida de compensação a favor da agente/subagente e, consequentemente, condenando a mesma no pagamento à apelante de uma indemnização de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), a título de cláusula penal, pela violação da obrigação de não concorrência, acrescida de juros de mora desde a sua citação, padece de grave erro de interpretação jurídica, não só a decorrente do regime jurídico do contrato de agência, como também do sistema jurídico, como um todo unitário e indivisível.

  2. Salvo melhor opinião, o acórdão em causa viola a lei substantiva, na medida em que se traduz em flagrante erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis decorrentes do “Regime Jurídico do Contrato de Agência”, instituído pelo Decreto Lei nº 178/86 de 3 de Julho.

  3. O erro de interpretação de tal regime consiste na não interpretação, de forma unitária e conciliadora, do disposto no artigo 9º e alínea g) do artigo 13º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho.

  4. Acresce que a condenação no pagamento de uma indemnização, a título de cláusula penal, pela violação do pacto de não concorrência, deverá levar em linha de conta a verificação “in casu” das razões materiais subjacentes à mesma, sujeitas a um juízo valorativo de acordo com o sistema jurídico global, sujeito aos princípios jurídicos constitucionais de necessidade, adequação e proporcionalidade.

  5. A falta de estipulação de uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato, desvirtua a natureza “onerosa e sinalagmática” do pacto de não concorrência, o que, salvo melhor opinião, deverá conduzir à nulidade do mesmo e, consequentemente, da cláusula penal a ele associado.

  6. Acresce que independentemente da natureza do contrato, a génese ou razão de ser da fixação de cláusula penal para o caso de violação do pacto de exclusividade e/ou não concorrência, reside no ressarcimento do investimento formativo levado a cabo pela autora, com transmissão de “know-how” especializado, o que, no caso “sub judice” não resultou provado.

  7. Atendendo aos princípios da boa fé negocial; necessidade; proporcionalidade e adequação, não se verificando “in casu” a motivação factual que legitima a razão ser do pacto de não concorrência, não poderá o mesmo ser invocado nem muito menos atendido, sob pena de se estar a cair no instituto jurídico do “abuso de direito”, mormente por não ter sido estipulado a favor da “parte contratualmente mais fraca” a devida compensação; H) Que sentido tem afirmar que se está na presença de um contrato oneroso e sinalagmático, natureza jurídica que é pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência, se houve uma falta total de estipulação de compensação a favor do subagente, ora recorrido, à revelia do previsto na alínea g) do artigo 13º do Regime Jurídico do Contrato de Agência? I) Configura ou não, tal omissão, um flagrante desequilíbrio na relação contratual, ofensivo aos básicos princípios de boa-fé, necessidade, adequação e proporcionalidade, que conduz à indeterminabilidade do objeto imediato do negócio jurídico e à consequente nulidade prevista no art. 280º nº 1 do Código Civil? J) Ainda que não se entendesse dessa forma, a nulidade de tal cláusula impor-se-ia com fundamento na interpretação da lei conforme a Constituição da República Portuguesa, decisão que foi seguida pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça (conforme, de resto, encontra-se referido na douta sentença proferida em 1ª instância) no âmbito do processo nº 2521/16.4T8STS.P1 no qual foi relatora a Meritíssima Juiz Desembargadora, Dra. Anabela Tenreiro, e que, pela sua importância, abaixo se reproduz: “I – O subagente é o agente do agente, por ser contratado pelo agente, no âmbito da autonomia (elemento definidor do contrato de agência) que este dispõe nomeadamente no que se refere à organização da sua actividade.

    II – A liberdade de trabalho, enquanto um direito fundamental do cidadão, implica que a sua compressão esteja sujeita a condicionantes legais, justificativas dessa limitação da liberdade de trabalhar.

    III – O pacto de não concorrência, caracterizado como um acordo oneroso e sinalagmático, na medida em que restringe a liberdade de trabalhar, após a cessação do contrato, deve, como condição de validade, conter a fixação ex ante de uma compensação económica do agente, sob pena de nulidade.

    IV – Não tendo sido estipulado no contrato de agência, celebrado entre as autoras e a ré, qualquer contrapartida pecuniária pela obrigação de não concorrência, não assiste ao principal o direito, em caso de violação do pacto de não concorrência, de exigir do agente a indemnização previamente fixada no contrato, para hipótese de incumprimento dessa cláusula”.

  8. Uma decisão judicial que se limite a confirmar a validade jurídica e constitucional de tal pacto de não concorrência, por entender que não há limitação excessiva ou incomportável à liberdade de trabalho, após a cessação contratual, durante o período de doze meses, num âmbito territorial tão amplo como é o território nacional, e sem qualquer compensação pela obrigação de não concorrência (à revelia do disposto na alínea g) do artigo 13º do Regime Jurídico do Contrato de Agência) não faz, em nossa opinião, a correta interpretação de tal regime jurídico, enquanto regime unitário e integrado no sistema jurídico geral em vigor, no qual a liberdade contratual não poderá por em causa a observância de princípios básicos e basilares do nosso ordenamento jurídico, tais como os princípios da boa fé contratual, proporcionalidade, necessidade e adequação, princípios esses constitucionalmente consagrados; L) Uma decisão que não leve em conta tal factualidade conduzir-nos-á a situações manifestamente injustas, como é o caso “sub judice” que, em termos práticos, impede a recorrida de exercer funções, em todo o território nacional, durante dois anos, e independentemente do vínculo (inclusive contrato individual de trabalho) nas seguintes áreas profissionais: a) Instituições de crédito e consultadoria financeira; b) Seguradoras e medição de seguros; c) Mediação imobiliária; d) Construção e mediação de obras; e) Venda e mediação de veículos.

  9. No caso “sub judice” a recorrida, na qualidade de subagente, desenvolvendo a sua actividade profissional essencialmente nos ..., mais especificamente na ... (local onde a oferta de emprego é escassa e que tem os maiores índices de desemprego a nível nacional), após a cessação dos contratos celebrados com o principal, durante 12 meses e em todo o território nacional, vê hipotecada, de uma forma excessiva e desproporcional, o seu futuro profissional, não podendo aceitar qualquer oferta de emprego/projeto nas áreas acima identificadas; N) A recorrente, nas suas doutas alegações para o Venerando Tribunal da Relação ..., entende que a violação das normas constitucionais de liberdade de trabalho são conciliáveis com a existência de cláusulas de exclusividade e não concorrência, sem contrapartidas financeiras, porquanto não se revela em si uma violação intolerável dos valores constitucionais, na medida em que o agente/sub-agente não fica totalmente impedido do exercício de qualquer actividade remunerada.

  10. Salvo o devido respeito, não se estará na presença de um caso onde existe, de facto, uma limitação abusiva e intolerável de valores constitucionalmente garantidos, que deva determinar, por razões de justiça e equidade, a nulidade de tal cláusula na medida em que não foi estipulada a compensação prevista e devida na alínea g), do artigo 13º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho? P) A falta de estipulação contratual da compensação em causa não desvirtuará a natureza onerosa e sinalagmática de tais cláusulas...

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