Acórdão nº 8373/19.5T8LSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça Reclamação contra o despacho proferido ao abrigo do disposto no artº 692.º n.º 1 CPCiv, que não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência.

Aguirre Newman Portugal - Mediação Imobiliária, Lda., com a actual denominação social de Savills Portugal - Mediação Imobiliária, Ldª, intentou a presente acção com processo declarativo e forma comum contra Novo Banco, S.A., pedindo a condenação deste a pagar-lhe: a) a quantia de € 1.483.380,00 a título de honorários acordados e devidos nos termos da prestação de serviços contratada, ou sem conceder, subsidiariamente a título de comissão devida nos termos do contrato de mediação imobiliária; b) Ainda subsidiariamente, caso venha a ser declarada a nulidade do contrato de mediação imobiliária por falta de forma, deve o Réu ser condenado a pagar-lhe igual quantia a título de remuneração compensatória, correspondente ao valor de retribuição acordada; c) em juros de mora calculados à taxa legal aplicável aos juros comerciais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou ser uma sociedade comercial que se dedica à mediação imobiliária, e que em Junho de 2016 o Réu incumbiu-a de, em regime da exclusividade, proceder à prestação de serviços de consultoria e assessoria para a alienação do imóvel sito na Praça..., em ..., ou para a venda das acções da sociedade Praça do Marquês - Serviços Auxiliares, S.A., detidas pelo Réu, sociedade essa a proprietária do imóvel.

A A. apresentou ao Réu e este aceitou uma proposta de comercialização de alienação do imóvel, tendo ficado acordado o pagamento de honorários que variavam entre uma comissão de 1,3% e 1,8% sobre o preço de venda do imóvel consoante o valor da transacção e a data de contacto dos investidores.

A A. desenvolveu intensa atividade entre Junho de 2016 e 01/02/2017, e deu conhecimento ao Réu dos investidores que manifestaram interesse inicial no negócio.

O Réu, em 01/02/2017, através de um e-mail, comunicou à A. a cessação da colaboração, perante o que a A. manifestou o seu inconformismo junto do Réu.

Mas, em Setembro de 2017, a A. tomou conhecimento de que a Merlin Properties acabara de concretizar a compra ao Réu, por 60,3 milhões de euros, do edifício da Praça ..., através da aquisição da sociedade Praça do Marquês - Serviços Auxiliares, S.A.

Sucede que a Merlin Properties teve conhecimento do imóvel e do negócio exclusivamente através da A. e inclusive o seu diretor visitou o imóvel acompanhado de consultores da A. O interesse da Merlin na conclusão do negócio foi crescendo com as diligências desenvolvidas pela A. e culminou com a aquisição do imóvel.

A A. interpelou o Réu para o pagamento dos honorários acordados mas o Réu não reconheceu tal direito.

O acordo escrito deve ser reconduzido a um contrato de prestação de serviços de consultoria, no qual as partes acordaram que a A. teria direito à remuneração com a conclusão do negócio. Se se entender que o acordo é subsumível a uma mediação imobiliária, assiste à A. o direito a ser remunerada nos termos acordados, tendo o Réu incumprido o contrato ao cessar unilateralmente o contrato. Mais defende que a sua atuação foi determinante para a concretização da venda, pelo que deve receber uma comissão de 2% sobre o valor de € 60.300.000,00, conforme acordado, o que corresponde ao montante de € 1.206.000,00, acrescido de IVA à taxa legal, num total de € 1.483.380,00.

Contestando, o Réu sustentou que só em Junho de 2017 foi abordado pela Merlin, através da Hudson Advisors, que a apresentou ao acionista principal do Réu, a Lone Star.

Os “relatórios de comercialização” que a A. foi apresentando ao Réu consubstanciavam a única informação que o Réu recebia ao longo do tempo e deles resulta, quanto à Merlin, que a apresentação do projeto lhe teria sido enviada, ainda se aguardando uma resposta, e que teria assinado um NDA (Non Disclosure Agreement) o que lhe conferia acesso a um VDR (Virtual Data Room). Nega existir qualquer relação direta ou causal entre a aquisição da sociedade pela Merlin ao Réu em Setembro de 2017 e as alegadas visitas e manifestações de interesse perante a A. cerca de um ano antes. As únicas propostas que a A. lhe comunicou foram apresentadas pelas entidades A... e C..., não tendo conhecimento de qualquer proposta da Merlin.

Acrescentou ainda que a A. aceitou pacificamente a retirada do imóvel do mercado.

Defende que, não sendo para si um ponto de ordem a exclusão de qualificação do contrato como mediação imobiliária, independentemente da correta qualificação - mediação imobiliária ou outra prestação de serviços - a obrigação de pagamento de uma comissão, acrescida ou não de success fee, tinha como pressuposto a celebração de um contrato como resultado do serviço até aí desenvolvido pela A., e no caso inexiste o nexo de causalidade entre a atuação do mediador e a celebração do contrato pretendido, assim como a não celebração de contrato com a Merlin na sequência da mediação da A. não é imputável ao Réu, tanto que a Merlin não apresentou na altura qualquer proposta muito menos vinculativa.

Acrescenta que, após o período inicial de três meses que a A. propôs como duração do contrato, não houve acordo expresso quanto à sua prorrogação.

As Decisões Judiciais Julgada a acção em 1ª instância, foi a mesma julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Tendo a Autora recorrido de apelação, a Relação revogou a sentença e, na procedência da acção, o Réu foi condenado a pagar à A. a quantia de € 1.206.000,00, acrescidos de IVA à taxa em vigor (23%), no valor de € 277.380,00 (duzentos e setenta e sete mil, trezentos e oitenta euros), tudo no total de € 1.483.380,00 (um milhão, quatrocentos e oitenta e três mil, trezentos e oitenta euros), acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

No acórdão proferido em revista, neste Supremo Tribunal de Justiça, em 17/06/2021, foi concedida a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença proferida em 1ª instância.

A Recorrida Savills Portugal - Mediação Imobiliária, Ldª, não se conformando com o acórdão proferido nestes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 17.6.2021, interpõs recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos dos art.ºs 688.ºss. CPCiv.

Invocou como fundamento a contradição entre esse Acórdão e o Acórdão do STJ de 01.4.2014 (Proc. n.º 894/11.4TBGRD.C1.S1), no sentido de saber se “cabe ser qualificado como contrato de prestação de serviços, tipificado no artigo 1154.º do Código Civil, e não como contrato de mediação imobiliária, actualmente regulado pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, o convénio em que, mediante uma retribuição/remuneração, a receber a final, alguém se compromete, perante o cliente, a promover, angariar, facilitar, desenvolver esforços, desencadear, concitar e convocar situações de convergência de vontades negociais e confluência de intenções de celebração de um contrato de transmissão de um imóvel, mediante a aquisição das participações sociais dos sócios ou accionistas da sociedade proprietária de tal imóvel, sem que, como resultado dessa actividade, se comprometa, perante o comitente, à conclusão de um negócio”.

E assim se, em virtude de tal qualificação jurídica, cabe a aplicação das regras do contrato de mandato, nomeadamente as atinentes às condições de retribuição previstas no artigo 1158.º ex vi artigo 1156.º, ambos do Código Civil.

Para tanto, formula as seguintes conclusões de recurso: A. O presente Recurso visa solver o aporema jurisprudencial que emana de dois doutos Acórdãos proferidos pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, ambos transitados em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito: B. Tal dissêndio, que ora configura o thema decidendum, resulta da divergente subsunção ao direito de factos análogos integradores de uma determinada relação contratual, geradora de díspares qualificações jurídicas do contrato, com a consequente aplicação de regimes jurídicos diversos, conducentes à prolação de decisões opostas; C. O douto Acórdão recorrido julgou o convénio dos autos como um contrato de mediação, sujeito à aplicação do regime jurídico da actividade da mediação imobiliária, aprovado pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro (máxime o seu artigo 19.º, n.º 1); D. Estribou tal juízo nos seguintes termos: “Portanto, na essência encontramo-nos nos autos perante uma modalidade do contrato de prestação de serviços, embora uma modalidade hoje tipificada e regulada por lei. Um contrato para a obtenção de um negócio é uma prestação de serviço, embora nenhuma dúvida possa restar de que o contrato estabelecido entre as partes no processo constituía um contrato de mediação. Mas sendo a obrigação da mediadora uma caracterizada obrigação de meios, a mesma surge no quadro de um “contrato aleatório”, na medida em que o direito à retribuição apenas nasce quando e se a mediação tiver êxito – artº 19º nº 1 Lei nº 15/2013 de 8/2.”; E. Embora contando com o voto de vencido do Exmo. Senhor Relator (Senhor Conselheiro AA), o Acórdão recorrido vem julgar pela procedência do Recurso de Revista ao concluir pela não existência de relação causal entre a actuação da mediadora e a conclusão e perfeição do contrato objecto da mediação; F. Com genuína consideração pelo labor hermenêutico e exegético empreendido e plasmado no Acórdão sob recurso, constata a Recorrente que tal juízo está em contradição com o pugnado no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 01-04-2014, no processo n.º 894/11.4TBGRD.C1.S1 (relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Gabriel Catarino), cujo trânsito em julgado é presumido nos termos do n.º 2 do artigo 688.º do C.P.C., e que aqui serve de Acórdão fundamento: G. Conforme a Autora, ora Recorrente, vem insistindo nas diversas instâncias, e conforme julgou o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... (que vem a ser revogado pelo Acórdão recorrido), há lugar à...

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