Acórdão nº 18596/18.9T8PRT.P1.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução12 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo que fosse julgada não reconhecida a vivência em união de facto de CC com qualquer das RR. à data da morte deste.

Alegou que CC era beneficiário da Segurança Social e da Caixa Nacional de Pensões e que, tendo falecido, cada uma das RR. requereu junto do A. que lhe fossem atribuídas as prestações por morte na qualidade de unidas de facto daquele, suscitando-se a dúvida que fundamenta a propositura da presente ação.

As RR. contestaram e cada uma invocou ter vivido com CC em união de facto, há mais de dois anos, com referência à data do óbito.

Foi proferida sentença que julgou a ação procedente e declarou que nenhuma das RR. vivia em situação de união de facto com CC, à data do óbito deste.

A 1ª R. conformou-se com a sentença, mas a 2ª R. BB apelou, recurso que a Relação julgou procedente, revogando a sentença na parte em que declarou que a 2ª R. BB não vivia em união de facto com CC à data do óbito deste.

O A. interpôs recurso de revista em que concluiu essencialmente que: Um dos requisitos necessários à união de facto será forçosamente o da coabitação e da partilha de recursos.

Com a atribuição de pensão de sobrevivência pretende-se compensar a perda de rendimentos daqueles que vivam em situações análogas às dos cônjuges provocada pela morte do beneficiário.

Uma vez que os cônjuges ou aqueles que vivam numa situação análoga à dos cônjuges têm uma situação de economia comum, ou seja, têm despesas do agregado que são pagas com os rendimentos de ambos e a perda desses rendimentos pode ser devastadora para a parte sobreviva.

Ora, o conceito de “união de facto” ou de vivência “em condições análogas às dos cônjuges” tem de ser preenchido por via da alegação e prova de factos concretos que caracterizem o modo de vida próprio dos cônjuges, como sejam, a partilha da mesma habitação, cama, mesa e economia: tem que haver um esforço conjunto, a contribuição para as despesas comuns, colaboração na vida quotidiana.

Além do mais, é necessário que a relação seja vista, para aqueles que rodeiam os membros da união de facto e com eles convivam, como uma relação em tudo semelhante ao casamento, em que as pessoas sejam como tal vistas e tratadas.

E define-se essencialmente como uma comunhão de habitação, mesa e leito, sem um vínculo de casamento, sendo que as duas figuras diferem, essencialmente, no facto de que o casamento se realiza dentro de um quadro legal pré-definido e a união de facto fora desse quadro legal.

Sendo que a caracterização destas situações estáveis, consolidadas, notórias, de convivência de casa, exige, como elemento essencial, a comunhão de residência, a comunhão de habitação.

Não havia um contributo fixo ou variável para despesas comuns do casal, ou seja, com a recorrida BB, para a comunhão de vida (comunhão de cama, mesa e habitação) e para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos.

A recorrida e CC até podiam ter uma relação de grande afetividade, de grande carinho e de grande cumplicidade, mas não tinham uma relação em tudo análoga à dos cônjuges, pois não tinham uma vida em comum, não partilhavam casa nem responsabilidades, apenas momentos da vida quotidiana, sendo certo que a partilha da mesma habitação e de recursos é essencial para a existência de uma situação de união de facto.

Embora CC e a R. BB tivessem relações sexuais e este pernoitasse quase sempre em casa daquela, certo é que mantinha a sua casa na residência da sua ex-mulher, onde dormia pontualmente, tomava refeições e onde mantinha os seus objetos.

Por outro lado, embora pudesse também partilhar as refeições com a BB, não havia comunhão patrimonial: nada se referiu relativamente às compras, quem as custeava, por um e pelo outro, bem como as despesas de renda, água, luz e gás de cada uma das suas casas.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Factos provados: 1) CC nasceu em ...-...-40, e era filho de DD e de EE, tendo falecido em ...-6-15.

2) Foi casado com a 1ª R. AA, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado em ...-5-05, por sentença transitada em julgado.

3) Faleceu no estado de divorciado.

6) CC foi beneficiário do ISS/CNP, com o nº ....

Factos provados quanto à 1ª R: 4) A 1ª R. AA nasceu em ...-...-53, é filha de FF e de GG, e é divorciada.

7) A 1ª R. requereu em 8-7-15 junto do A. a atribuição das prestações por morte, na qualidade de “unida de facto”, tendo apresentado com tal pedido: – uma declaração datada de 30-3-17, emitida pelo Presidente da Junta de Freguesia de ..., donde resulta declarado que a R. viveu em união de facto com CC desde ...-7-77 até ...-6-15; e – uma declaração preenchida e assinada pela própria, sob compromisso de honra, onde afirma que viveu com CC em condições análogas às dos cônjuges, no período entre 2005 e ... de Junho de 2015 na Rotunda ..., na freguesia e concelho de ....

9) Nos dois anos que antecederam a data do óbito, CC deslocava-se, com regularidade não apurada, à habitação sita na Rotunda ..., na freguesia e concelho de ..., onde passava partes do dia.

10) Onde tomava refeições com a 1ª R.

11) Passeavam juntos.

12) Mantinha pertences seus na referida habitação.

13) CC deslocava-se à habitação da Rotunda ..., na freguesia e concelho de ... nas épocas festivas, onde passava parte do dia/noite com a 1ª R. e os filhos comuns.

14) CC e a 1ª R. eram reconhecidos como marido e mulher no círculo de pessoas que os conheciam em comum.

15) Foi a 1ª R. e os familiares em comum que trataram do funeral de CC.

Factos relativos à 1ª R. que foram julgados não provados:

  1. Nos dois anos que antecederam a data do óbito, CC pernoitava na Rotunda...

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