Acórdão nº 120564/17.2YIPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Notícia Explicativa Pinguim Sub – Comércio de Material de Mergulho, Soc. Unipessoal, Ld.ª, intentou procedimento de injunção contra Fadáriopesca – Indústria de Pesca, Ld.ª, invocando ser credora da requerida pela quantia de € 42.004,60, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 2.231,423.

Alegou que, no âmbito da sua actividade, prestou serviços à requerida, contratados por esta, nomeadamente uma operação de mergulho e reflutuação de um navio, seguida da sua remoção para cais, guarda do mesmo durante a estadia no cais, e posterior transporte do mesmo para estaleiro.

Pelos serviços prestados foi emitida e apresentada uma factura no apontado valor de € 42.004,60, com data de vencimento em 04.03.2017, aceite, mas não paga.

A Ré sustentou que a embarcação “A...”, de que ela Ré é proprietária, abalroou a embarcação “M...”, propriedade de Companhia Pescarias do Algarve, e o Capitão do Porto e o representante da D..., perguntaram ao Mestre do “A...” se conhecia equipa apta a colocar um sistema de flutuação ao “M...”, procurando precaver o afundamento total da embarcação embatida também por questões de segurança da navegação na doca.

O representante legal da Ré sugeriu que tal procedimento fosse levado a cabo pela empresa autora, pelo que a equipa de mergulhadores da autora terminou de colocar um sistema que permitiu que o “M...” ficasse a flutuar.

Depois de colocado o “M...” a flutuar, o Capitão do Porto pediu à Ré que indicasse alguém para rebocar aquela embarcação para local mais apropriado, vindo a embarcação a ser rebocada para a rampa dos estaleiros navais de ..., e comunicou o sucedido à sua seguradora, que a instruiu a enviar a factura referente aos serviços da Autora, tendo procedido a esse envio.

Não aceitou a factura apresentada pela Autora.

A sua seguradora prontificou-se a indemnizar a autora em € 29.093,00.

No articulado de oposição, a Ré requereu a intervenção principal da “Mútua dos Pescadores, Mútua de Seguros, CRL”, com quem havia celebrado um contrato de seguro relativo ao navio “A...”.

Concluiu pela absolvição do pedido e pela condenação da “Mútua dos Pescadores, Mútua de Seguros, CRL”.

A Ré/Interveniente Mútua dos Pescadores sustentou, em síntese, que a colisão entre o “A...” e o “M...” não se deveu a dolo ou negligência por parte dos tripulantes do primeiro; que indemnizou a proprietária do “M...” (Companhia de Pescarias do Algarve, S.A.) pelos danos sofridos por esta embarcação ao abrigo da cobertura de responsabilidade civil da apólice de seguro contratada com a Ré, sem ter qualquer obrigação legal ou contratual de o fazer; a Autora foi contratada pela ré, não tendo tido a Mútua dos Pescadores qualquer intervenção nessa escolha ou aprovado previamente os trabalhos ou serviços alegadamente prestados pela autora, que nunca aceitou; informou a Ré Fadáriopesca, Lda que não tinha contratado a autora e que a factura de eventuais serviços que lhe tivessem sido prestados pela Autora deveria ser emitida em nome daquela; a factura emitida pela Autora à Ré Fadáriopesca, Lda nunca foi por si aceite, porque apenas apresentava um valor total sem que fosse possível estabelecer a sua correspondência com os serviços prestados por aquela a esta, tornando impossível comparar esses valores com os valores praticados no mercado para idênticos serviços.

Concluiu pugnando pela improcedência da ação e a pela sua absolvição do pedido.

As Decisões Judiciais Na sentença proferida na Comarca, foi julgado o pedido formulado na acção parcialmente procedente e condenada a Ré Fadáriopesca - Indústria de Pesca, Ld.ª, a pagar à Autora Pinguim Sub - Comércio de Material de Mergulho, Sociedade Unipessoal, Ld.ª, a quantia de € 42.004,60 (quarenta e dois mil e quatro euros e sessenta cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora, no valor de € 2.231,42 (dois mil e duzentos e trinta e um euros e quarenta e dois cêntimos); mais se decidiu absolver a Interveniente principal, "Mútua dos Pescadores, Mútua de Seguros, CRL", do pedido formulado pela Autora, Pinguim Sub - Comércio de Material de Mergulho, Sociedade Unipessoal, Ld.ª”.

Tendo a Ré Fadáriopesca recorrido de apelação, o acórdão proferido alterou a sentença, julgando a acção procedente e condenando a Ré Fadáriopesca, Lda e a Ré/Interveniente Mútua dos Pescadores, CRL, solidariamente, a pagar à autora a quantia de € 42.004,60 (quarenta e dois mil e quatro euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora, no valor de € 2.231,42 (dois mil, duzentos e trinta e um euros e quarenta e dois cêntimos).

Inconformada agora a Ré/Interveniente Mútua dos Pescadores, CRL, recorre a mesma de revista, para o que formula as seguintes conclusões: 1. Ao caso são aplicáveis as regras do regime jurídico da salvação marítima, previsto no DL n.º 203/98, de 10/7.

  1. Atenta a matéria de facto julgada provada, a A. praticou actos adequados a remover o perigo de afundamento da embarcação “M...” na doca de pesca de ..., em águas marítimas, tendo exercido uma actividade de salvação marítima, nos termos do art.º 1º, n.º 1, al. a) do referido DL n.º 203/98.

  2. A actividade de salvação marítima consta do objecto social da A., que sempre qualificou a sua actuação como sendo de salvação marítima, conforme decorre do requerimento de injunção (a fls..), da folha de obra (ponto 35. dos factos provados) e da factura emitida à R. Fadáriopesca (ponto 61. dos factos provados).

  3. Os serviços de salvação marítima podem ou não ser prestados a coberto de um contrato. In casu, os serviços de salvação prestados pela A. não foram prestados ao abrigo de um contrato.

  4. Com efeito, dos pontos 17., 18., 19., 20. e 21. dos factos provados não se retira que tivesse existido qualquer declaração negocial por parte da R. Fadáriopesca que, nos termos do art.º 217º do CCiv., de forma expressa ou tácita, manifestasse a existência de vontade de celebrar um contrato de salvação marítima, sendo que um dos elementos essenciais desse contrato é o pagamento de um salário de salvação marítima sobre o qual nada foi dito, não se podendo ter o contrato por celebrado (art.º 232º do CCiv).

  5. Ao contrário do referido na douta decisão recorrida, a factura dos serviços prestados pela A. foi emitida e enviada à R. Fadáriopesca apenas em 04.03.2017, ou seja, cerca de 5 meses após a conclusão da prestação dos serviços pela A., não podendo a aceitação desta factura corresponder a qualquer aceitação do pagamento do valor que dela consta, motivo pelo qual a R. nunca procedeu ao seu pagamento.

  6. Tendo logrado obter resultado útil com a sua actividade de salvação marítima, a A. (o salvador) tem direito a receber o salário de salvação marítima (art.º 5º, n.º 1), a pagar pelo salvado (o proprietário ou armador da embarcação salva - art.º 1º, n.º 1, al. c)), nos termos do art.º 7º, o qual é fixado de acordo com o art.º 6º, todos do DL n.º 203/98.

  7. Todavia, a A. não demandou o salvado na presente acção e a R. Fadáriopesca não é responsável pelo pagamento da remuneração da A., à qual nunca se vinculou, motivo pelo qual deve a acção improceder.

  8. Ainda que tivesse sido celebrado um contrato entre A. e R., o regime do contrato de prestação de serviços (art.º 1154º do CCiv.), não é aplicável ao caso, nomeadamente o art.º 1158º do CCiv., porquanto o art.º 1156º do CCiv., que tacitamente para ele remete, exclui da extensão do regime do contrato de mandato as modalidades do contrato de prestação de serviços que a lei regule especialmente, como é o caso do contrato de salvação marítima.

  9. Ao assim não ter entendido, o tribunal a quo violou a lei substantiva, nomeadamente os art.ºs 1154º, 1156º e 1158º, 217º e 232º do CCiv. Por erro de aplicação e violou também o art.º 1º, al. a), art.º 5º, art.º 6º, art.º 7º e art.º 8º do DL n.º 203/98 por manifesto erro de determinação das normas aplicáveis ao caso.

  10. Caso tivesse sido celebrado um contrato entre a A. e a R. Fadáriopesca, o que não se admite, esse contrato teria de ser um contrato de salvação marítima (art.º 2º, n.º 1 do DL n.º 203/98). Todavia, por não observar a forma escrita exigida pelo art.º 2º, n.º 2 do DL n.º 203/98, tal contrato sempre seria nulo ao abrigo do art.º 220º do CCiv., vício que é insanável e de conhecimento oficioso pelo tribunal, nos termos do art.º 286º do CCiv.; não obstante, por mera cautela de patrocínio, para o caso de se concluir pela existência de um contrato validamente celebrado entre A. e R., hipótese que se admite sem conceder, a Recorrente acrescenta ainda os seguintes fundamentos ao seu recurso: 12. A responsabilidade das RR. apenas pode ser solidária relativamente ao terceiro lesado – a proprietária da “M...” - e não relativamente à A., que nem sequer é titular de qualquer crédito indemnizatório emergente da responsabilidade civil, mas de um crédito emergente de um contrato, tendo a decisão recorrida violado os art.ºs 513º e 497º do CCiv., por erro de interpretação e de aplicação; 13. A remuneração da A. não está coberta pelo contrato de seguro celebrado entre as RR. Não se trata de um dano sofrido por terceiro na acepção da Cláusula 47 das Condições Especiais da apólice, mas antes, na óptica da douta decisão recorrida, de uma prestação contratual que a R. Fadáriopesca não cumpriu. Ora, o contrato de seguro em causa não cobre a responsabilidade contratual da R. Fadáriopesca nem esta poderia reclamar da Recorrente o reembolso de qualquer quantia que tivesse pago à A., o que sequer aconteceu.

  11. A discussão sobre se o abalroamento foi fortuito ou culposo apenas releva para a discussão da responsabilidade das RR. perante o lesado (o proprietário da embarcação “M...”) e não assume, portanto, qualquer relevância no que toca à A. e à sua pretensão.

  12. Ainda assim sempre se dirá que o abalroamento é fortuito e não culposo pelos motivos expressos no corpo da alegação para a qual se remete. Ao ter entendido diferentemente, a decisão recorrida violou as normas dos art.ºs 664º e 669º do CCom. e o art.º 342º, n.º 1 do CCiv., por...

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