Acórdão nº 82/22 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução24 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 82/2022

Processo n.º 92/2022

Plenário

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. Nos presentes autos de recurso de atos de administração eleitoral vindos da Comissão Nacional de Eleições (CNE), em que é recorrente o Município da Amadora (MA) e recorrida a CNE, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional (TC), nos termos do n.º 1 do artigo 102.º-B da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13.09 - LTC), da deliberação da CNE tomada na reunião plenária de 13.01.2022, relativa ao Processo AR.P-PP / 2021 /12-Cidadão /CM Amadora / Publicidade institucional (publicação no Facebook).

2. Na reunião n.º 127/CNE/XVI, realizada em 13.01.2022, a CNE, concordando com a proposta de deliberação que consta da Informação n.º I-CNE/2022/8, datada de 03.01.2022, deliberou por maioria (com o voto contra de um dos seus membros) o seguinte:

“[…]

11. Face ao que antecede, a Comissão delibera:

a) Ordenar procedimento contraordenacional contra a Presidente da Câmara Municipal da Amadora, por violação do disposto no n.º 4, do artigo 10.º da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho;

Advertir a Presidente da Câmara Municipal da Amadora que, no decurso do período eleitoral e até à data da realização da eleição, se deve abster de efetuar, por qualquer meio, todo e qualquer tipo de publicidade institucional proibida”.

3. A deliberação da CNE de 13.01.2022 foi notificada ao Município da Amadora no dia 18.01.2022, por mensagem de correio eletrónico enviada em 18.01.2022, às 22h22, para o endereço eletrónico: geral@cm-amadora.pt.

4. A Câmara Municipal da Amadora, através da sua Presidente, interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da LTC. Fê-lo por meio de correio eletrónico enviado em 20.01.2022. Foram produzidas alegações com as seguintes conclusões:

“a) Para a deliberação de 13.01.2022, a CNE não considerou a pronúncia do ora recorrente;

b) Todavia, como sublinhado na defesa apresentada, toda a publicidade institucional em causa consubstancia apenas e só um meio de divulgação das atividades municipais e de iniciativas/notícias de interesse e com impacto para o concelho, por se mostrar necessária e adequada às suas características populacionais.

Ou seja

c) Tal publicidade não constitui propaganda eleitoral, e muito menos por meio de publicidade comercial, tratando-se, antes, de uma expressão do direito à informação dos munícipes, essencial, sobre intervenções urbanísticas que, pelas suas dimensões, poderão impactar no seu quotidiano.

d) Nesta medida, o entendimento perfilhado pela recorrida, deflui de uma interpretação abusiva do dever de neutralidade e imparcialidade das entidades públicas relativamente a um ato eleitoral em curso, idónea, isso sim, a colocar em causa os princípios da autonomia local e da proporcionalidade.

e) Não se descortinando, de igual modo, nem a recorrida o demonstra de forma cabal, por que motivo as publicações em causa poderão objetivamente favorecer algumas candidaturas em detrimento de outras, em pretensa violação dos deveres de neutralidade e de imparcialidade a que as entidades públicas se encontram sujeitas.

f) Não sendo, pois, razoável nem conforme ao princípio da proporcionalidade, decorrente do princípio do Estado de Direito democrático inscrito no artigo 2.º da Constituição, uma interpretação do artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, que imponha a absoluta paragem de toda a atividade de todas as entidades públicas que seja enquadrável no conceito amplo de publicidade institucional. Tratar-se-ia de uma proibição que excederia largamente o necessário relativamente aos objetivos do legislador com esta medida – cfr. Acórdão nº 254/2019 (proc. nº 479/2019), do Tribunal Constitucional, de 10.05.2019.

g) Ao decidir em sentido contrário, a e entidade recorrida fez uma errada interpretação da factualidade sub judice e, consequentemente, uma incorreta subsunção e aplicação legal, violando designadamente os artigos 10º, 11º e 128, da Lei nº 72-A/2015, de 23 de julho.

h) Em face de tudo quanto antecede, tal deliberação é anulável por erro nos pressupostos de facto e de direito, já que a publicidade em causa não é propaganda eleitoral nem está abrangida pelo disposto nos artigos 10º e 11º e, consequentemente, pelo artigo 12º, todos da Lei nº 72-A/2015, de 23 de julho”.

A final, pugna pela procedência do recurso e pela consequente anulação da deliberação da CNE recorrida, com as legais consequências.

5. Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

6. Resultam do processo, com relevo para a decisão, os seguintes elementos de facto:

6.1. O cidadão Tiago Miranda apresentou, por correio eletrónico datado de 29.12.2021 (enviado às 13:09h), uma participação junto da CNE contra a Presidente da Câmara Municipal da Amadora, ora recorrente, por alegada prática do ilícito de publicidade institucional proibida, participação essa com o seguinte teor:

“TIAGO MIRANDA, nome profissional de Tiago Reis Miranda, contribuinte fiscal n.º ….., com domicílio alternativo na ……., n.º .., ….. Amadora, vem, muito respeitosamente, ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, em conexão com o art. 5.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 71/78, de 27/12 e com art. 16.º do Regimento da CNE, denunciar e requer o seguinte:

A) Dos factos

1) No dia 05.12.2021, foi publicado, em Diário da República, Série I, o Decreto do Presidente da República n.º 91/2021 que dissolve a Assembleia da República, nos termos do art. 1.º do referido decreto, e marca as Eleições Legislativas para o próximo dia 30.01.2021, nos termos do art. 2.º do mesmo decreto.

2) Acontece que, após a referida data, o Município da Amadora promoveu diversas publicações, através da sua página oficial da rede social Facebook (acessível em: https://www.facebook.com/ municipiodaamadora):

2.1) No dia 27.12.2021, publicação no Facebook sobre as obras de reabilitação urbana do Mercado de Carenque (acessível em: http://www. facebook.com/municipiodaamadora/posts/4773022646090654) que se junta e se reproduz como Doc. 1 para os devidos efeitos legais.

2.2) No dia 26.12.2021, publicação no Facebook sobre as obras que decorrem na Praceta Cerrado da Vinha (acessível em: https://www.facebook.com/municipiodaamadora/posts/4773031036089815 ) que se junta e se reproduz como Doc. 2 para os devidos efeitos legais.

3) O Câmara Municipal da Amadora é liderada pelo Partido Socialista.

4) Salienta-se ainda que o referido partido político não nutre simpatia pelas decisões desta douta Comissão, nem pela Lei n.º 72-A/2015, cfr. Discussão na generalidade do Projeto de Lei n.º 1176/XIII/4, in Diário da Assembleia da República, I.ª Série n.º 75, 2019.04.13, da 4.º Sessão Legislativa da XIII Legislatura, pp. 7-13.

B) Enquadramento legal

B.1) Dos Princípios de Direito Administrativo e da publicidade institucional

5) A Administração Pública e, designadamente, as Autarquias Locais estão vinculadas, a todo o tempo, aos Princípios da Neutralidade e da Imparcialidade, nos termos dos art. 266.º, n.º 2 da Lei Fundamental, em conjugação com o art. 9.º do Código do Procedimento Administrativo, o que implica, nomeadamente, uma actuação administrativa objectiva, abnegada e isenta, voltada única e exclusivamente para a prossecução do interesse público.

6) Sendo que as Autarquias Locais são pessoas colectivas públicas de base local que visam a satisfação das necessidades colectivas locais, cfr. o art. 235.º da Constituição da República Portuguesa e o Anexo à Lei n.º 75/2013, de 12/09.

7) Nessa esteira, prescreve a al. a) do art. 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30/06, que são deveres dos Autarcas: “i) observar escrupulosamente as normas legais e regulamentares aplicáveis aos actos por si praticados ou pelos órgãos a que pertencem ii) Cumprir e fazer cumprir as normas constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos no âmbito das suas competências; iii) Actuar com justiça e imparcialidade”.

8) Nos períodos eleitorais, a vinculação dos agentes e órgãos da Administração Pública a tais princípios e deveres tem maior acuidade, nos termos dos art. 113.º, n.º 3, als. b) e c) da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com o art. 57.º da Lei n.º 14/79, de 16/05 (LEAR).

9) Por outro lado, estabelece o art. 10º, n.º 4 da Lei n.º 72-A/2015, de 23/07, que é proibida a publicidade institucional, em período eleitoral, salvo nos casos de grave e urgente necessidade pública.

10) Neste sentido, escreve HONG CHENG LEONG, “Regulação de eleições políticas – em especial, a regulação da campanha eleitoral”, in AAVV, Garantia de Direitos e Regulação: Perspectivas de Direito Administrativo, AAFDL, Lisboa, 2020, p. 282, que «[...] são proibidas, durante o período eleitoral, por um lado, a realização de qualquer iniciativa oficial pelas entidades públicas que promove a sua imagem ou que lhe concede «spotlight» no público e, quaisquer mensagens com expressões que abonem ou elogiem as actividades por si prosseguidas [...]».

11) No mesmo sentido, salienta o Acórdão do TC n.º 588/2017 sobre um caso análogo que «[nJa verdade, de tais outdoors ressalta uma linguagem adjetivada e promotora de obras e iniciativas da autarquia (beneficiação de ruas, requalificação da zona central de Marinhas, taxa de IMI no mínimo legal e oferta de livros escolares para o 2.º ciclo) sob o slogan «Excelente para viver ótimo para investir». Os outdoors aqui em causa constituem, assim, verdadeira publicidade e não meras mensagens informativas. Consequentemente, mostram-se abrangidos pela proibição geral de publicidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT