Acórdão nº 71/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 71/2022

Processo n.º 483/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., S.A., e recorrida a B., S.A., a primeira interpôs recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do acórdão daquele Tribunal de 8 de abril de 2021 que, negando provimento ao recurso, manteve a sentença arbitral que julgara procedente a ação intentada pela ora recorrida, na parte em que foi requerido o reconhecimento da vigência de um contrato de concessão, celebrado em 3 de março de 2000, e a consequente condenação da recorrente ao pagamento das taxas devidas em contrapartida da utilização, para fins turísticos e hoteleiros, da área de domínio público hídrico visada no contrato.

2. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a recorrente enunciou a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada nos seguintes termos:

«(…) A questão cuja inconstitucionalidade foi suscitada é a aplicação da sucessão legislativa relativa aos denominados Programas POLIS ao caso aqui em apreço, uma vez que se encontra em causa a caducidade ou não de um contrato de concessão, decorrente da publicação do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, que determinou a extinção da correspondente concessão, a que veio suceder o Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30 de novembro, que desafetou a zona da faixa ribeirinha compreendida entre a Ponte D, Luís I e o extremo jusante do «Cais de Gaia» da área de intervenção no âmbito do Programa Polis na cidade de Vila Nova de Gaia.

Ora, como é bom de ver, existiu uma série de produção legislativa que abalou, de modo inegável, a segurança e certeza jurídicas da Recorrente, no sentido de que tal sucessão legislativa viola os princípios da certeza e segurança jurídicas, previstos no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

Ou seja, com a publicação do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, criou-se na esfera jurídica da Recorrente, na qualidade de Cessionária do Cais de Gaia, uma convicção de que o contrato de concessão se havia extinguido, expectativa essa que veio a ser gorada com a (muito) posterior publicação do Decreto-Lei n.º 388/2007, de 30 de novembro.

Assim, torna-se inequívoco que existe uma questão de inconstitucionalidade desta sucessão legislativa, que foi suscitada, nos termos e com o alcance que se pretende sindicar, pela Recorrente nas alegações de recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal Administrativo, sendo certo que tal questão não foi conhecida por aquele douto Tribunal.

Nos termos do disposto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa."

A verdade é que esta sucessão legislativa outra coisa não veio fazer senão abalar toda e qualquer certeza e segurança jurídicas que pudessem existir na esfera jurídica da Recorrente quanto a este contrato de concessão.

Nessa conformidade, foi ferido o princípio basilar do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.º da CRP, bem como os princípios da segurança e certeza jurídicas, pelo que a aplicação desta sucessão legislativa encontra-se ferida de inconstitucionalidade.

(…).»

3. Através da Decisão Sumária n.º 404/2021, foi decidido não conhecer o objeto desse recurso, com base na seguinte fundamentação:

«4. Analisado o requerimento de interposição de recurso, rapidamente se verifica que em momento algum vem enunciada, com rigor, uma norma ou interpretação normativa que possa constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade. Pelo contrário, a recorrente limita-se a mencionar os Decretos-Leis n.º 330/2000, de 27 de dezembro e n.º 388/2007, de 30 de novembro, invocando a «inconstitucionalidade desta sucessão legislativa».

Acresce que nas alegações de recurso apresentadas ao tribunal recorrido – peça em que a recorrente alega ter suscitado a questão de inconstitucionalidade –, a questão foi formulada em termos igualmente imprecisos (cf., em especial, as conclusões 9-13 das alegações de recurso). Tanto assim é, que o tribunal a quo, apesar de ter decidido não conhecer a questão, afirmou no acórdão recorrido que a alegada inconstitucionalidade «nunca seria procedente dado que o recorrente não aponta em concreto quais as normas dos referidos diplomas legais que a seu ver padecem de inconstitucionalidade».

É, pois, evidente que a recorrente não cumpriu o ónus de identificar com precisão o objeto do recurso, nem de suscitar a questão de...

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