Acórdão nº 59/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 59/2022

Processo n.º 1191/2021

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., C.R.L., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 5 de julho de 2021, que confirmou o acórdão recorrido, mantendo a decisão aí sustentada, daí extraindo como segmento uniformizador o enunciado segundo o qual «a venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não faz caducar os direitos do locatário de harmonia com o preceituado no artigo 109.º, n.º 3 do CIRE, conjugado com o artigo 1057.º do CCvil, sendo inaplicável o disposto no n.º 2 do artigo 824.º do CCivil».

2. Por decisão datada de 7 de outubro de 2021, não se admitiu tal recurso, com os seguintes fundamentos, no essencial (cf. fls.755-757):

«(…)

4. No caso concreto, a recorrente sustenta que suscitou a questão de constitucionalidade que pretende colocar ao Tribunal Constitucional “nas alegações de recurso para uniformização de jurisprudência”, mais precisamente, no respetivo artigo 10.º (ponto 4 do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade).

No entanto, nas referidas alegações não se suscita a inconstitucionalidade das normas que constituem o objeto do recurso de constitucionalidade que foi interposto. Ou seja: esta inconstitucionalidade normativa não foi colocada ao Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em termos de ter de a apreciar, como efetivamente não apreciou, sem que tenha ocorrido qualquer omissão de pronúncia. A interpretação do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil é analisada apenas no nível do direito ordinário.

Acresce que não ocorre nenhum motivo para que a recorrente seja dispensada do ónus de suscitar a inconstitucionalidade normativa nos termos previstos no n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, uma vez que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de que foi interposto o recurso para o Pleno justifica a decisão, fundamentalmente, com a interpretação que adotou para o n.º 2 do artigo 824.º, para o artigo 1057.º do Código Civil e para o n.º 3 do artigo 109.º do CIRE.

5. Não pode assim admitir-se o recurso para o Tribunal Constitucional, pelo motivo apontado, e que o excluí independentemente de qualquer outro».

3. Notificada de tal decisão, reclamou a recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, argumentando, no que ora releva, o seguinte:

«(…)

2. Das razões de discordância da Reclamante

4. A Reclamante suscitou a violação de princípios constitucionais nas alegações de recurso apresentadas a 25/01/2019 perante o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça para uniformização de jurisprudência, suscitando a inobservância do princípio da igualdade e, bem assim, do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.

Senão vejamos.

2.1. Do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa)

5. A Reclamante destacou no artigo 10.º das suas alegações de recurso para uniformização de jurisprudência, apresentadas perante o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça e datadas de 25/01/2019, o entendimento de que a decisão recorrida e, consequentemente, a interpretação que na mesma se fez das normas que estiveram na base dessa decisão, ou seja os artigos 824.º, n.º 2 do Código Civil, 109.º, n.º 3 do CIRE e 1057.º do Código Civil, eram violadoras do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República (doravante "CRP"), ainda que de uma forma sucinta.

6. Com efeito, no artigo 10.º das suas alegações de recurso para uniformização de jurisprudência de 28/01/2019 a Reclamante alegou o seguinte: "Com o presente recurso visasse [visa-se] impedir um tratamento desigual dos casos substancialmente iguais".

7. Ora, com tal alegação a Reclamante está a invocar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (doravante "CRP") e a suscitar a sua violação, pois o mesmo impõe, precisamente, a proibição de um tratamento desigual perante situações de facto iguais.

(…)

11. De todo o modo, a verdade é que a desigualdade subjacente à violação do princípio da igualdade invocada pela Reclamante foi percecionada e exposta na declaração de voto vencido da Colenda Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Beleza que consta do Acórdão recorrido, nos seguintes termos:

(…)

13. É de concluir, portanto, que estava subjacente à análise das normas de direito interno em causa também uma questão de inconstitucionalidade normativa por eventual violação do princípio da igualdade, para além das questões de direito ordinário apreciadas no acórdão recorrido,

14. Pois, caso contrário, a desigualdade em causa não teria certamente sido mencionada na declaração de voto de vencido de uma das Colendas Juízes Conselheiras que formou o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça.

15. Em face do exposto, conclui-se que a Reclamante efetivamente suscitou, no artigo 10.º das suas alegações de recurso para uniformização de jurisprudência de 28/01/2019, a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, assim dando cumprimento ao requisito preceituado no artigo 72.º, n.º 2 da Lei 28/82, pelo que o recurso para o Tribunal Constitucional deve ser admitido, o que expressamente se requer.

Para além disso.

2.2. Do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança (artigo 2.º da CRP)

16. A Reclamante invocou também no artigo 18.º das suas alegações de recurso para uniformização de jurisprudência, apresentadas perante o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça e datadas de 25/01/2019, o entendimento de que a interpretação feita da norma do artigo 824.º, n.º 2 do Código Civil no Acórdão de que recorria era violadora do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrado no artigo 2.º da CRP.

(…)

18. Ora, sucede que a decisão adotada no Acórdão de que a Reclamante recorria pressupõe uma interpretação arbitrária e incoerente das normas dos artigos 824.º, n.º 2 do Código Civil, 109.º, n.º 3 do CIRE e 1057.º do Código Civil, porquanto da mesma resulta que duas situações em tudo iguais para efeitos da caducidade, ou não, do direito pessoal de gozo emergente do contrato de arrendamento, a venda judicial forçada em sede de processo executivo e a venda judicial forçada em sede de processo de insolvência, têm soluções totalmente opostas.

(…)

25. Em face do exposto, constata-se que a Reclamante colocou em discussão (ainda que "de forma sumária), no artigo 18.º das suas alegações de recurso para uniformização de jurisprudência, apresentadas perante o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça e datadas de 25/01/2019, a inconstitucionalidade da interpretação que tinha sido adotada quanto ao artigo 824.º, n.º 2 do Código Civil por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrado no artigo 2.º da CRP, assim dando cumprimento, também dessa forma, ao requisito preceituado no artigo 72.º, n.º 2 da Lei 28/82, pelo que existe, também com este argumento, fundamento para admitir o recurso para o Tribunal Constitucional, o que expressamente...

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