Acórdão nº 0474/20.3BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.

    UNIVERSIDADE DE COIMBRA - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 15 de julho de 2021, que revogou a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, de 20 de fevereiro 2021, e julgou procedente o pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra si requerido por A………….., condenando a Recorrente «a reconhecer que o autor tem direito a inscrever-se no 4.º ano do Mestrado Integrado de Medicina [MIM], com todas as legais consequências daí decorrentes».

    Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões: «1. O presente Recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte que – circunscrevendo-se, desde já, o âmbito da presente Revista ao único argumento do Autor que foi julgado procedente, e que, a final, serve de fundamento à decisão de revogação da douta sentença proferida em 1.ª Instância – julga aplicável ao Autor, Aluno do Mestrado Integrado de Medicina, o regime excepcional e temporário, decorrente da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, designadamente o artigo 6.º, daquele diploma, recorrendo, para o efeito, a uma alegada interpretação extensiva da norma.

    1. A ora Recorrente entende que a Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, e designadamente o artigo 6.º, daquele diploma, não é aplicável aos Mestrados Integrados, uma vez que, nestes casos, está em causa a mera transição entre anos lectivos, dentro de um mesmo e único ciclo de estudos, e não uma qualquer candidatura a um ciclo de estudo para obtenção de mestrado, como se prevê naquele normativo.

    2. A questão fulcral (e única) que se submete à apreciação deste Venerando Tribunal consiste, assim, em determinar e clarificar qual o âmbito de aplicação do artigo 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, a fim de se apurar se este regime excepcional e temporário pode (ou não) ser interpretado extensivamente, designadamente no sentido de abranger - além das “candidaturas” a um ciclo de estudos para a obtenção de mestrado ou doutoramento, como expressamente previsto na letra da Lei – também o mero prosseguimento de um mesmo ciclo de estudo, com a respectiva transição para o ano subsequente, quando o estudante não preencha os requisitos para tal, de acordo com as regras definidas para aquele ciclo de estudos.

    3. A questão suscitada no presente Recurso, quanto à interpretação e determinação do âmbito de aplicação do artigo 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, permitindo esclarecer se um estudante que não disponha do número de créditos suficientes para transitar de ano dentro de um mesmo ciclo de estudos, poderá fazê-lo, ainda assim, ao abrigo deste regime excepcional, pela sua relevância jurídica e social (sobretudo para a comunidade estudantil), é merecedora, por parte deste Supremo Tribunal Administrativo, de uma análise cuidada, com vista ao aperfeiçoamento, uniformização e melhor aplicação do Direito.

    4. Por razões de certeza e segurança para as Instituições Públicas e para os Estudantes que as frequentam, deve o presente Recurso ser admitido, a fim de, cabalmente e para uma melhor aplicação do Direito, se esclarecer qual o âmbito de aplicação do regime excepcional decorrente do art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto.

    5. O Mestrado Integrado em Medicina (MIM), ministrado na FMUC, constitui um único ciclo de estudos (integrado), que se estrutura e desenvolve ao longo de 6 anos, com regras próprias de transição entre os anos que compõem esse único ciclo de estudos, conducente, no final, à obtenção do grau de Mestre.

    6. O escopo do art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18/08, são as candidaturas efectuadas para o ingresso num concreto e autónomo ciclo de estudos para a obtenção do grau de Mestre ou de Doutor, caso em que se permite que tais candidaturas sejam apresentadas, a título excepcional, mesmo quando os candidatos não tenham ainda concluído o ciclo de estudos anterior, durante o período de tempo necessário para a conclusão do mesmo. Ou seja, não se contemplam neste normativo os casos em que o estudante foi admitido e já se encontra a frequentar um (único) ciclo de estudos integrado, conducente ao grau de Mestre, como é o caso do MIM.

    7. Quando esteja em causa a mera transição entre anos dentro de um mesmo ciclo estudos (ainda que se trate de transitar do 3.º para o 4.º ano, e aquele 3.º ano marque a conclusão da parte referente à licenciatura e o 4.º o início da parte referente ao mestrado [integrado]), não pode ter aplicação do disposto no art. 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, considerando a letra daquele preceito e atento o elemento gramatical inerente à sua interpretação.

    8. E, nem por via da interpretação extensiva daquela norma – uma vez que esta interpretação pressupõe que o Legislador “minus dixit quam voluit” – poderia concluir-se pela aplicabilidade daquele normativo às situações em que se visa a transição de ano dentro de um mesmo e único ciclo de estudos integrado, quando o estudante não tenha completado e atingido o número de créditos necessários a essa transição, e se veja, dessa forma, impedido de transitar de ano, prosseguindo a sua formação nesse curso, devido ao funcionamento do “ano barreira”.

    9. A Lei n.º 38/2020, de 18/08 consagra um regime extraordinário, aplicável a todos os ciclos do Ensino Superior, cujo âmbito de aplicação se circunscreve às “candidaturas em ciclo de estudos para a obtenção de mestrado ou doutoramentos”, conforme dispõe o referido art. 6.º, do diploma, sendo que o intuito do diploma (como pode ler-se na respectiva exposição de motivos) foi estabelecer medidas que permitissem assegurar que os estudantes não seriam prejudicados quanto à candidatura para outros ciclos de estudos, caso não tenham terminado o ciclo anterior e que tivessem a possibilidade de aceder a todas as épocas de exames, devendo as avaliações ser preferencialmente presenciais.

    10. O acesso à fase de Mestrado, dentro de um único ciclo de Mestrado Integrado, não depende de qualquer candidatura, sendo, de acordo com as regras definidas no respectivo Plano de Estudos, automático.

    11. Se a intenção do Legislador fosse, durante a situação de pandemia e a título excepcional, permitir que os estudantes pudessem prosseguir os seus estudos, dentro do mesmo ciclo, independentemente de terem ou não obtido o número de ECTS necessário para transitar de ano, não teria, por certo, deixado de consagrar expressamente uma tal solução, admitindo que qualquer aluno pudesse, simplesmente e em qualquer circunstância, matricular-se no ano seguinte. Mas não foi esta a opção do Legislador, nem é o espírito do Diploma.

    12. O Legislador não pretendeu abranger com aquele normativo os Mestrados integrados, que fazem parte de um único e mesmo ciclo de estudos, alterando, assim, as regras definidas na respectiva Estrutura Curricular e Plano de Estudos. Se fosse essa a intenção do Legislador, não falaria o diploma, por certo, em “candidaturas” a ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramentos.

    13. A alegada interpretação extensiva que o Tribunal “a quo” faz do normativo em causa não se coaduna com a letra ou o espírito da Lei, nem sequer com a exposição de motivos subjacente ao diploma em questão, contrariando, assim, o disposto no n.º 3, do art. 9.º, do Código Civil, que determina que, enquanto intérpretes, devemos presumir que o Legislador consagrou a solução mais acertada e “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

    14. O art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18/08, tem um âmbito de aplicação bem definido e perfeitamente coadunado com a exposição de motivos que lhe está subjacente e que é: permitir aos estudantes a candidatura a outros ciclos de estudos, caso não tenham terminado o ciclo anterior e possibilitar o acesso, a todos os estudantes, a todas as épocas de exames. Tal âmbito de aplicação não pode “estender-se” de modo a abranger a transição entre anos, nos Mestrados Integrados, suspendendo, rectius afastando, a aplicação a regra do “ano barreira”.

    15. Em arrimo da posição perfilhada, pugna o TCAN, no acórdão em crise, que, mercê do alegado paralelismo com as outras situações do mestrado dito normal, a exclusão das situações em que a obtenção do grau mestre depende apenas da transição de ano, dentro de um único ciclo de estudos, do âmbito de aplicação do aludido artigo 6.º, “seria incoerente do ponto de vista lógico-sistemático” e que “para além do teor verbal da lei, deve atender-se à coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos (interpretação lógico-sistemática)”.

    16. Não se vislumbra em que medida a invocada “coerência interna” do diploma possa justificar esta denominada “interpretação lógico-sistemática”. Veja-se que, pese embora na génese da criação deste diploma, estejam as dificuldades acrescidas e inesperadas provocadas pela pandemia nas condições de ensino e de acesso dos alunos aos conteúdos leccionados, as quais não deixam de se colocar com a mesma premência relativamente a todos os estudantes e em todos os anos de cada ciclo de estudos, o diploma apenas visa assegurar a todos os alunos o acesso a todas as épocas de exames, incluindo épocas especiais, e já não a transição de ano (ainda que condicionada à conclusão ao ano anterior), dentro do ciclo de estudos que se encontrem a frequentar.

    17. Mesmo relevando o elemento lógico-sistemático e o teleológico, em preterição do elemento literal, ainda assim cremos forçoso concluir-se que não pretendeu o Legislador incluir neste regime de excepção do art. 6.º, os Mestrados Integrados, rectius unicamente a transição do 3.º para o 4.º ano nos Mestrados Integrados, pelo que não podemos deixar de discordar expressamente com o entendimento perfilhado pelo TCAN no douto acórdão prolatado, no que concerne à interpretação extensiva daquele normativo.

    18. Apesar do esforço argumentativo para integrar a decisão proferida no campo da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT