Acórdão nº 0690/19.0BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1.

A……………, Lda. (de ora em diante apenas A………..), com os sinais dos autos, intentou no TAF de Viseu acção de contencioso pré-contratual contra a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. e indicou como contra-interessada a B……………, S.A. (de ora em diante apenas B……….), ambas igualmente com os sinais dos autos.

Pediu nessa acção a anulação do acto de adjudicação da proposta da B…………. praticado pelo Conselho de Administração da Entidade Demandada em 25 de Julho de 2019, a exclusão da referida proposta e a adjudicação da sua, no concurso para a aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinho creosotadas, pelo preço base de €2.979.200,00.

Fundamenou o pedido em diversas ilegalidades do acto de adjudicação impugnado, que identificou com: i) a violação dos artigos 57.º, n.º 4 e 72.º, n.º 3 do CCP; ii) a violação dos artigos 8.º, n.º 1 do Programa do Concurso, e 57.º, n.º 1, 146.º, n.º 2, alínea d), e 1.º-A do CCP; e ainda, iii) a violação da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.

  1. Por sentença de 21 de Fevereiro de 2020, o TAF de Viseu "julgou totalmente improcedente a acção", tendo considerado, quanto à alegada violação da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.° do CCP, que "os fortes indícios de eventual falseamento da concorrência deverão verificar-se em sede do próprio procedimento em análise".

  2. Inconformada, a A............... recorreu daquela sentença para o TCA Norte, que, por acórdão de 29 de Maio de 2020, conheceu da questão, limitada ao erro de julgamento de direito sobre a interpretação e aplicação da referida alínea g) do n.º 2 do artigo 70.° do CCP, revogando a sentença, julgando a acção procedente, e, condenando a Entidade Demandada a adjudicar o contrato àquela, por, em seu entender, tal corresponder à melhor interpretação e aplicação da referida alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, em conformidade com a Directiva 2014/24/EU.

  3. Inconformados com aquele acórdão, quer a contra-interessada B………., quer a Entidade Requerida INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. vieram interpor recurso de revista para este STA, os quais foram admitidos. Com efeito, por acórdão de 22 de Abril de 2021 este STA concedeu provimento ao recurso da Entidade Requerida, por verificação de nulidade da decisão, anulou o acórdão recorrido, por falta de fundamentação, e determinou a baixa dos autos ao TCA Norte para efeitos de suprimento de tal nulidade.

  4. Em 2 de Junho de 2021, o TCA Norte proferiu o acórdão agora recorrido, no qual concedeu provimento ao recurso da Autora, revogou a sentença de 1.ª instância, julgou a acção procedente e condenou a Entidade Requerida a praticar o acto devido: "o acto de adjudicação da aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinho cresotado à Autora/Recorrente", com fundamentos semelhantes aos do acórdão que havia sido anulado.

  5. Novamente inconformados com aquele acórdão, quer a contra-interessada B………., quer a Entidade Requerida INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. vieram interpor novamente recurso de revista para este STA, os quais foram admitidos, essencialmente, pelas seguintes razões: «[…] o acórdão de 29.10.2020 desta Formação de Apreciação Preliminar apreciou o referido erro de julgamento de direito que entendeu nuclearizar-se na aplicação, neste caso concreto "em que a adjudicatária B…………. tinha sido condenada a pagar uma coima no âmbito de processo contra-ordenacional movido pela Autoridade da Concorrência, e relacionado com práticas anticoncorrenciais", da causa de exclusão prevista no artigo 70.°, n.º 2, alínea g) do CCP, juntamente com a previsão do artigo 55.°, n.º 1, al. f) do CCP, no sentido de que "bastará esta «questão», sobre a qual não é pacífica a doutrina, nem há jurisprudência concludente, para aconselhar esta Formação a admitir a revista. Efectivamente, trata-se de interpretação que envolve direito da UE e dita consequências práticas relevantes no âmbito dos concursos públicos, podendo, assim, ser repetível'.

    E não há qualquer motivo que justifique que se divirja da admissão das revistas nos apontados termos, já que a questão de fundo a discutir nas revistas', permanece a identificada no acórdão de 29.10.2020.

    […]».

  6. A Recorrente INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. rematou as suas alegações com as seguintes conclusões: «[…] A) O Acórdão decidiu manifestamente mal, e contra o direito, a questão jurídica que foi objecto do recurso de apelação. Na verdade, B) Invoca que a Sentença interpretou mal o disposto no art. 70.º n.º 2 alínea g) do CCP, pois que, no seu entender, e por força da sua consciência ético-jurídica e do direito comunitário, essa causa de exclusão específica abrange também necessariamente os casos passados de indícios de condutas anti-concorrenciais pelos concorrentes, ainda que de há vários anos, e não presentes ou indiciados na proposta do concorrente; C) Todavia, e ao contrário do que acórdão recorrido aduz e defende, da lei portuguesa não deriva isso: tais factos, exteriores à proposta do procedimento em causa e sem que no seu teor (da proposta, e do concurso) se projectem ou tenham qualquer reflexo, apenas nesta relevam se tiverem dado azo a uma decisão sancionatória que determine uma “proibição de participação” em concursos públicos futuros durante determinado período de tempo (tal como se dispõe na alínea f) do n.º 1 do art. 55.º do CCP).

    D) Sanção acessória esta, de participação, que não existe e nunca existiu no caso presente.

    E) O legislador português nas duas normas referidas do CCP [o art. 55.º/1 f) – que prevê uma situação específica de “impedimento” para o concorrente apresentar propostas em concursos, por causa e factos passados; e o art. 70.º n.º 2 g) – que prevê a exclusão de “propostas” cuja análise revele indícios presentes de prática anti-concorrencial] deu aplicação plena às hipóteses consagradas na directiva europeia (art. 57.º da 2014/14/UE).

    F) De resto, e como se sabe, a própria causa de exclusão prevista no n.º 4 do art. 57.º da Directiva, é uma causa não “obrigatória”, mas antes “facultativa”.

    G) Não é preciso, pois, e nem sequer é minimamente correcto, interpretar a norma da alínea g) do n.º 2 do art. 70.º do CCP, com um alcance mais vasto do que aquele que resulta do seu sentido expresso e literal, e que se refere aos indícios de prática anti-concorrencial revelados na própria proposta (i.e.

    , “resultantes da sua análise”).

    H) A norma europeia não obriga a uma leitura diferente dessa norma específica; e para os casos antigos ou passados – que não resultem da análise de proposta actual, nem nela tenham qualquer incidência ou reflexo (viciante, pois) –, vale a regra e os mecanismos dos impedimentos de concorrer, previstos noutra sede.

    I) De facto, quanto ao “desenho” da causa facultativa prevista na alínea d) do n.º 4 do art. 57.º da Directiva (2014/24/UE) – e que é invocado pelo acórdão –, é bom não esquecer que a própria directiva prevê, para ela, a necessidade de se fazer acompanhar tal previsão quando acolhida desse modo na legislação nacional, de eventuais mecanismos de minorar tais consequências (cf. considerando 102; e nºs 6 e 7 do mesmo art. 57.º: “Qualquer operador económico que se encontre numa das situações referidas nos n.ºs 1 e 4 pode fornecer provas de que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de uma importante causa de exclusão.

    Se essas provas forem consideradas suficientes, o operador económico em causa não é excluído do procedimento de contratação”; e “7. Os Estados-Membros devem (...) determinar o período máximo de exclusão no caso de o operador económico não ter tomado medidas, como as especificadas no n.º 6, para demonstrar a sua fiabilidade. … esse prazo não pode ser superior a … três anos a contar da data do facto pertinente nos casos referidos no n.º 4”).

    J) Aliás, quanto ao próprio alcance específico da alínea d) do n.º 4 do art. 57.º da Directiva, Autores têm-se pronunciado no sentido de que “este fundamento se aplica apenas a ilícitos concorrenciais praticados no âmbito do procedimento específico” (cf. PEDRO GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 2ª ed., Almedina, 2018, pág. 659).

    Também, a posição, neste mesmo sentido de SÁNCHEZ GRAELLS, “Prevention and decorrence of bid rigging”, in G.M. Racca/C. Yukins, Integrity and efficiency in sustainable public contracts”, p.194, apud anterior, op. cit.

    ).

    K) No fundo, e bem, o legislador português procedeu, como se tem escrito (e sem crítica, a não ser agora a alegação da recorrente), a uma dicotomia quanto a este tema previsto nas directivas, abrangendo todas as hipóteses nela possivelmente contempladas (mesmo facultativas, e não-obrigatórias), e foi claro: a) - se condutas anti-concorrenciais anteriores, cometidas fora do procedimento adjudicatório em causa, e nele não reflectidas (não o viciando), são vistas pela Autoridade da Concorrência e podem acarretar, para o concorrente, o impedimento legal de participar em procedimentos como esse: nos termos do art. 55.º/1-f), do CCP; b) - já se forem condutas, ou fortes indícios delas, reveladas na análise da própria proposta do concurso em causa, será motivo de decisão de exclusão dessa proposta e de comunicação para os devidos efeitos à autoridade da concorrência (art. 70.º/2-g), do CCP).

    L) Com o devido respeito, a apelante/acórdão que a cópia desvirtuou o sentido das citações que faz de PEDRO SÁNCHEZ, na obra Direito da Contratação Pública, AAFDL, 2020, Vol. II. Na verdade, em lado nenhum da referida obra (e até nos locais de texto a que se reportam as citações feitas) o ilustre Autor afirma ou sufraga a tese de que a causa de exclusão aqui em causa (da alínea g/ do n.º 2 do art. 70.º do CCP) diga respeito a outras condutas anti-concorrenciais tomadas fora do âmbito do procedimento adjudicatório concursal que está em causa [como diz a lei: …”propostas cuja análise revele” esses fortes indícios…].

    M) Muito pelo contrário, nas páginas citadas da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT