Acórdão nº 29/22 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Presidente
Data da Resolução11 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 29/2022

Processo n.º 185/2021

Plenário

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Por decisão de 04 de julho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou não prestadas as contas anuais, referentes a 2017, do Partido Liberal Democrata (PLD) [artigo 32.º, n.º 1, alínea a), da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC»)].

2. Na sequência dessa decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra Francisco José Rodrigues de Oliveira, na qualidade de responsável financeiro do Partido, pela violação do dever de entrega das contas anuais (Processo n.º 19/2019).

3. No âmbito do processo contraordenacional instaurado, a ECFP, por decisão de 18 de novembro de 2020, aplicou a Francisco José Rodrigues de Oliveira uma coima no valor de € 2.144,50, equivalente a 5 (cinco) vezes o valor do IAS de 2018, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 29.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante «LFP»).

4. Inconformado, o arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC e do artigo 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»), mediante requerimento com o seguinte teor:

«I. DO ENQUADRAMENTO

Algures em 2006, aceitei o repto que me foi lançado e partimos na aventura de tentar MUDAR PORTUGAL, através da constituição de um novo Partido Político, que acabou por nascer em 2007: MMS – Movimento Mérito e Sociedade.

O Partido em questão apenas se apresentou a eleições em 2009 (aos três atos eleitorais desse mesmo ano, europeias, legislativas e autárquicas), tendo recebido EXCLUSIVAMENTE donativos individuais, de acordo com a Lei.

(…)

Talvez não isento de falhas processuais e de alguma inexperiência inerente ao amadorismo de um processo de constituição de um Partido, de raiz, APENAS VIVEMOS DE DONATIVOS INDIVIDUAIS…NUNCA, REPITO, NUNCA obtivemos qualquer subvenção dos impostos dos Portugueses e acabámos, isso SIM, por pagar TUDO o que devíamos…Não houve NENHUM FORNECEDOR (mesmo os pequenos…) que não tivesse recebido TUDO o que estava em aberto!

Desde 2011 que o Partido NÃO TEVE QUALQUER receita de qualquer espécie, tendo, inclusive, enviado o saldo residual de que dispunha junto do Balcão da CGD na Assembleia da República (penso que cerca de 13 euros…) em cheque emitido ao próprio Tribunal Constitucional, quando foi solicitada a extinção do PLD, em 2014…

(…)

II. DO RECURSO DE IMPUGNAÇÃO

Sendo VÁRIAS as irregularidades da V. Missiva – como dirigir a “carta” ao Partido – já extinto – mas com a morada da minha habitação própria e permanente (como foram fazendo por dezenas – quase uma centena – de vezes), até me continuar a ser atribuída a responsabilidade de “Responsável Financeiro” de um Partido EXTINTO DESDE 2014 (a seu tempo se saberá porque só o foi em 2019, depois de pedida a extinção em 2014…) – tudo serviu e serve para “culpabilizar” quem cometeu a “heresia” de achar que seria com um novo partido que mudaria o que quer que fosse neste nosso Portugal…

Para além de TODOS OS PRAZOS indicados para os atos supostamente referidos – EM QUE A PRESCRIÇÃO É EVIDENTE –, mais não me resta do que apresentar o meu maior e mais profundo REPÚDIO por mais esta punição que me querem infringir, deixando bem claro que o meu “suposto ato ilícito” foi ter acreditado na democracia e ter promovido a pluralidade, sem que NUNCA o Estado tenha sido lesado com a minha conduta…

É-me atribuído um qualquer “dolo eventual” numa organização de base de um “partido” que já em 2012 não teve receitas nem despesas, sendo ÓBVIA A MINHA TOTAL AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DIRETA…AINDA QUE ASSIM NÃO FOSSE, QUE É, ESTAMOS PERANTE FACTOS QUE, A TEREM OCORRIDO, DIZEM RESPEITO A 2012, PELO QUE SE IMPUGNA TODA E QUALQUER DECISÃO DE APLICAÇÃO DE QUALQUER COIMA.

Qualquer não-conformidade, aos olhos da Lei que regula o funcionamento dos Partidos Políticos em Portugal, nas contas de um Partido já extinto, que não prejudicou em 1 euro o erário público (essa Lei é “cega” quanto à Subvenção do Estado, como V. Exas. da ECFP bem sabem…), visando APENAS e AGORA a penalização individual de quem quer que seja é INAPROPRIADA, INVEROSÍMIL e manifestamente INJUSTA, sendo clara a PRESCRIÇÃO (artigo 27.º do RGCO) de qualquer coima a aplicar, pelo que muito gentilmente solicito que seja revista a V. Decisão.»

5. Recebido o requerimento de recurso, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

6. O Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

7. O Ministério Público emitiu parecer sobre o recurso, pronunciando-se pela sua improcedência.

8. O arguido, regulamente notificado, apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, reiterando, no essencial, os argumentos expostos no recurso.

II – Fundamentação

A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

9. A Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, veio alterar a LFP e a LEC, introduzindo mudanças significativas no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Tendo em conta que, à data de entrada em vigor dessa Lei – 20 de abril de 2018 (cf. o seu artigo 10.º) –, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da mesma Lei.

B. Fundamentação de facto

B.1. Factos provados

10. Com relevância para a decisão, provou-se que:

1. O Partido Liberal democrata (PLD) foi um partido político português, constituído, com essa denominação, em 12 de janeiro de 2011 e extinto em 26 de novembro de 2019.

2. O arguido Francisco José Rodrigues Oliveira era o responsável pela entrega das contas anuais do Partido referentes ao ano de 2017.

3. O Partido não entregou as contas anuais referentes ao ano de 2017 até 01 de junho de 2018.

4. Por decisão de 04 de julho de 2018, tomada no Procedimento Administrativo (PA) n.º 9/OMISSÃO/17/2018, a ECFP considerou que o PLD estava sujeito, no ano de 2017, à obrigação legal de apresentação de contas do Partido e que essa obrigação não foi cumprida.

5. Ao agir conforme descrito, o arguido representou como possível que faltava ao cumprimento da obrigação de entregar as contas, conformando-se com essa possibilidade.

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