Acórdão nº 24/22 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução11 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 24/2022

Processo n.º 143/2021

Plenário

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Trinta e oito deputados à Assembleia da República, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º e da alínea f) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, requereram a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (LEALRAA), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto, e alterada pelas Leis n.ºs 28/82, de 15 de Novembro, e 72/93, de 30 de Novembro, e pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2000, de 14 de Julho, 2/2001, de 25 de Agosto, 5/2006, de 31 de Agosto, 2/2012, de 14 de junho, 3/2015, de 12 de fevereiro, 4/2015, de 16 de março, e 1-B/2020, de 21 de agosto, «por impor uma restrição desproporcional ao direito fundamental de acesso a cargos públicos, em violação dos artigos 50.º, n.º 3, e 18.°, n.º 2, da CRP».

2. O pedido de declaração de inconstitucionalidade encontra-se fundamentado nos seguintes termos:

«1.º. O n.º 2 do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (LEALRAA) determina, como inelegibilidade especial, o seguinte:

"2 - A qualidade de deputado à Assembleia da República é impeditiva da de candidato a deputado da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores."

2.º. Sobre esta norma o Tribunal Constitucional já se pronunciou, por duas vezes, no sentido sua inconstitucionalidade, primeiro no Acórdão n.º 189/88 (à data a norma sub judice correspondia ao n.º 3 do artigo 6.° da LEALRAA) e, mais recentemente, no Acórdão n.º 488/2020.

3.° No Acórdão 189/88, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no seguinte sentido:

"3 - Como é sabido, determinados requisitos inerentes a natureza dos cargos públicos ou certos obstáculos ou circunstâncias negativas, conhecidas por inelegibilidades, podem ocasionar um maior ou menor afastamento entre a capacidade eleitoral activa e passiva (em princípio esta está dependente daquela, no sentido de que só é elegível quem é eleitor). Adiante se retomará este tema.

A ocorrência de certos factos ou a posse de determinados atributos inibitórios ao exercício do cargo impedem o acesso a qualidade de destinatário do acto electivo. As inelegibilidades hão-de ser conhecidas mediante um juízo negativo de inintegração nas categorias previstas pela norma, sendo de natureza relativa e pessoal, visto que podem afectar apenas certa ou certas eleições e derivar de causas pessoais (Cfr. Jorge Miranda, Verbo, vol. X, pp. 1366 e ss.).

A inelegibilidade especial contida no artigo 6°, n° 3 do Decreto-Lei n° 267/80, filia-se no "juízo negativo de inintegração", na avaliação de desvalor potencialmente resultante do facto de um cidadão que é deputado a Assembleia da Republica se candidatar a deputado à uma Assembleia Regional, podendo portanto vir a incorrer numa situação de "duplo mandato".

Na verdade, tem-se por seguro que a mera suspensão do mandato (Cfr. artigos 4° da Lei n° 3/85 e 4° e 5° do Decreto Legislativo Regional n° 13/88/A, de 6 de Abril) não faz cessar a qualidade de deputado a que se refere a norma definidora da inelegibilidade, acompanhando-se a este propósito a diversa argumentação expendida pelo recorrente.

A suspensão do mandato a deputado a Assembleia da República do candidato Carlos Manuel Martins do Vale César não fez cessar a sua qualidade de deputado aquele órgão de soberania e daí que, manifestamente, haja de dizer-se que a apontada inelegibilidade especial prevista na lei o abrange, não sendo portanto possível interpretar a norma de forma a consentir a solução adoptada na decisão recorrida.

Todavia, resta saber se tal norma é conforme a Constituição. Com efeito, ao estabelecer a aludida inelegibilidade, a norma em causa veio restringir o direito a ser-se eleito, constitucionalmente garantido no artigo 50° da Lei Fundamental, sobre o direito de acesso a cargos públicos.

É certo que a Constituição prevê afigura das inelegibilidades no seu artigo 153° que, embora estatuindo apenas para as eleições da Assembleia da República tem sido considerado por este Tribunal como afloramento de um princípio constitucional geral (Cfr. por todos acórdão n° 4/84, Diário da República. II série, de 30 de Abril de 1964).

Contudo, há que averiguar se se verificam os requisitos constitucionais para a restrição de direitos fundamentais, enunciados no artigo 18° da Constituição, designadamente quanto á identificação dos "direitos ou interesses constitucionalmente protegidos" que justifiquem tal sacrifício, e quanto a observância do princípio da proporcionalidade.

Quanto ao primeiro ponto afigura-se, desde logo, não poderem considerar-se relevantes, quando aplicados a situação em presença - deputado a Assembleia da Republica que se candidata às eleições regionais - nem um eventual argumento relativo à possibilidade de lesão da independência da função de deputado à Assembleia da República, nem um eventual risco de influência sobre o eleitorado derivado daquele cargo, a qual, a existir, sempre se teria de considerar, por um lado, como despicienda e, por outro lado, como natural.

É certo que sempre se poderia invocar a favor da legitimidade constitucional de tal inelegibilidade a necessidade de impedir a verificação da situação de duplo mandato (de deputado a Assembleia da República e de deputado a uma assembleia regional); mas e fácil ver que para obviar a essa situação concedendo, sem discutir, existir relevância neste argumento não seria necessário recorrer a solução de inelegibilidade. Bastaria uma de duas soluções: ou estabelecer uma incompatibilidade de exercício simultâneo aos dois mandatos ou mesmo uma incompatibilidade de detenção simultânea dos dois estatutos, obrigando o interessado a suspender ou a renunciar a um dos mandatos, ou determinando a própria lei a suspensão ou perca automática, de um deles. Trata-se de soluções que são correntes na nossa legislação para hipóteses semelhantes, podendo entre outros mencionar-se o artigo 4º do Estatuto dos Deputados à Assembleia da República (Lei n° 3/85, de 13 de Março), o artigo 5°, n.º 4°, da lei eleitoral das autarquias locais (Decreto-Lei n° 701-B/76, de 29 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n°757/76, de 21 de Outubro) e o próprio artigo 4° do Estatuto dos Deputados da Região Autónoma dos Açores (Decreto Legislativo Regional n° 13/88/A, de 6 de Abril de 1988), o qual vale a pena notar - determina a suspensão automática do mandato do deputado regional que vier a desempenhar funções de deputado a Assembleia da República (sendo certo que nem a lei eleitoral da Assembleia da Republica impede a candidatura de deputados regionais nem o Estatuto dos Deputados da Assembleia da Republica prevê qualquer incompatibilidade de exercício dos dois mandatos).

Por outro lado, e no respeitante à lição que do direito comparado pode colher-se para a questão em aprece, foi possível apurar que em Itália apenas se verifica uma situação de "incompatibilidade" entre os cargos de membro de qualquer das Câmaras (Câmara dos Deputados e Senado) e de membro de um. Conselho Regional (Livio Paladin, Diritto Regionale. 4aed., Pádova, 1985, pp. 301 e ss.) e que na República Federal da Alemanha (numa situação, portanto, de "federalismo" estadual e não de mera "regionalização") nem sequer uma semelhante incompatibilidade existe entre os cargos de deputado ao Bundestag e deputado ao Parlamento de um Land . antes se admitindo aí o chamado "duplo mandato" (Cfr. Norbert Achtenberg, Parlamentsrecht, Tubingen, 1984, pp. 232).

(...).

Por conseguinte, e de concluir que a solução de inelegibilidade sempre seria manifestamente excessiva, visto que a prossecução daquele mencionado interesse público (impedir situações de duplo mandato), suposto que ele tem protecção constitucional, não exige medida tão drástica.

Tem por isso de concluir-se pela inconstitucionalidade da norma referida, pelo que se recusa a sua aplicação devendo considerar-se consequentemente elegível o candidato em causa".

4.º. O citado Acórdão reportava-se à candidatura de Carlos Manuel Martins do Vale César, indicado pelo Partido Socialista, ao círculo eleitoral da Ilha de São Miguel, que era simultaneamente Deputado à Assembleia da República, embora com o mandato suspenso, tendo a candidatura deste, por força daquele aresto que desaplicou a norma do então n.º 3 do artigo 6.° da LEALRAA, sido admitida.

5.º Mais recentemente, no Acórdão n.º 488/2020, proferido em sede de recurso interposto pelo Partido Social Democrata da decisão do Tribunal de Angra do Heroísmo que tinha considerado inelegível o seu candidato António Lima Cardoso Ventura, simultaneamente Deputado eleito pelo Partido Social Democrata na Assembleia da República, o Tribunal Constitucional voltou a considerar a referida norma da LEALRAA inconstitucional, desaplicando-a e determinando a admissão na respetiva lista do referido candidato.

6.º O Acórdão n.º 488/2020 considerou que os argumentos expressos no Acórdão n.º 189/88 eram "plenamente transponíveis para o caso sub judice, pelo que é de reafirmar a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 6.°da LEALRAA, na sua redação atual”.

7.º Pode ler-se ainda neste recente Acórdão desse douto Tribunal:

"Importa realçar que a Constituição permite que sejam estabelecidas apenas «as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos» (cf. o artigo 50°, n.º3), assim reafirmando o caráter excecional das inelegibilidades e reforçando a exigência de que as restrições ao direito de acesso a cargos eletivos fiquem estritamente aquém dos confins impostos pelo princípio da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/2022
    • Portugal
    • Diário da República 04 de Fevereiro de 2022
    • Invalid date
    ...4 de fevereiro de 2022 Pág. 65 Diário da República, 1.ª série TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/2022 Sumário: Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 2 do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa ......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT