Acórdão nº 27/22 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Presidente
Data da Resolução11 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 27/2022

Processo n.º 862/2020

Plenário

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Por decisão de 20 de fevereiro de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (PCTP/MRPP) relativas à campanha para a eleição para o Parlamento Europeu realizada em 25 de maio de 2014 [artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP») e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC»)].

2. Desta decisão não foi interposto recurso.

3. Na sequência da decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o PCTP/MRPP pela prática da irregularidade verificada naquela decisão.

4. No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra o PCTP/MRPP (Processo n.º 2/2020), por decisão de 18 de agosto de 2020, a ECFP aplicou uma coima no valor de €4.686,00, equivalente a 11 (onze) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP.

5. Inconformado, o arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC e do artigo 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»), mediante requerimento que concluiu nos seguintes termos:

«1. A Entidade das Contas operou à análise perfunctória da documentação que lhe foi remetida e que carece de se analisada de forma mais aturada, em conjunto com o depoimento das testemunhas que ora se indicam, para que possam ser retiradas as corretas conclusões e consequências legais.

2. Concluir, sem mais, pela culpabilidade do Partido não é legal nem admissível, atento o facto da prova do “facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima [artigo 1.º RGCO] ser da competência da Entidade de Contas e não do Partido, vigorando em Portugal o princípio da não autoincriminação, conhecido como nemo tenetur sine ipse accusare.

3. Dispõe o n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que “Os partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS” (nosso realce e sublinhado).

4. A Entidade de Contas aplicou a coima calculada com base no SMN, partindo da redação anterior desta disposição legal, no que não se concede.

5. Por conseguinte, ainda que se verificasse a prática da infração que se teima imputar ao Partido sem a devida análise dos factos, no que não se concede, deveria a mesma corresponder a 11 (onze) IAS no valor de €4.611,42 e não no valor de €4.686,00, situação que carece de ser verificada, dela se extraindo as devidas consequências legais.»

6. Recebido o requerimento de recurso, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

7. O Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

8. O Ministério Público emitiu parecer sobre o recurso, pronunciando-se pela sua improcedência.

9. O arguido, regulamente notificado, não apresentou resposta ao parecer do Ministério Público.

II – Fundamentação

A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

10. A Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, veio alterar a LFP e a LEC, introduzindo mudanças significativas no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Tendo em conta que, à data de entrada em vigor dessa Lei – 20 de abril de 2018 (cf. o seu artigo 10.º) –, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da mesma Lei.

B. Questão prévia – requerimento de prova

11. Relativamente ao requerimento de prova, designadamente testemunhal, que acompanha o recurso, para além de o recorrente não especificar o seu objeto, nem fundamentar em concreto a sua utilidade, considera-se que os documentos juntos aos autos são suficientes para se decidir sobre a matéria de facto em causa. Com efeito, a imputação efetuada na decisão recorrida respeita à insuficiência de suporte documental de certas despesas da campanha e dos esclarecimentos complementares prestados em sede de instrução, que, não permitindo saber aquilo que se pagou, impossibilita o controlo da razoabilidade dos preços. Tal imputação deve ser sindicada em função dos documentos constantes do processo e não pode ser supervenientemente afastada mediante a produção de prova testemunhal na fase de recurso (neste sentido, a propósito de situações similares, vide os Acórdãos n.ºs 757/2020 e 233/2021).

C. Fundamentação de facto

C.1. Factos provados

12. Com relevância para a decisão, provou-se que:

1. O Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (PCTP/MRPP) é um partido político português, constituído em 18 de fevereiro de 1975, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.

2. O Partido apresentou candidatura à eleição para o Parlamento Europeu realizada a 25 de maio de 2014.

3. O Partido apresentou, em 15 e 19 de dezembro de 2014, as respetivas contas relativas à referida campanha.

4. O Partido apresentou, em 03 de novembro de 2015, retificação às contas mencionadas em “3.”.

5. Nas contas apresentadas foi registada a seguinte despesa de campanha, não tendo sido exibidos elementos complementares suficientes para comparação de preços:

5.1. Fatura n.º M-249, emitida em 23/05/2014, pelo fornecedor «LIMITLESS Media, Unipessoal, Lda.», no montante de €20.000,00, com o descritivo «Cód. Artigo: PCTP, Designação: Serviços Prestados durante o período de Campanha Eleitoral, Qtd.: 1, Uni.: Uni., Preço: 0,00€, Desc: …, Imposto: 23%, Total Ilíquido: 0,00€; Cód. Artigo: PCTP, Designação: Concepção da Campanha, Qtd.: 1, Uni.: Uni., Preço: 2.260,16€, Desc: …, Imposto: 23%, Total Ilíquido: 2.260,16€; Cód. Artigo: PCTP, Designação: Comunicação Impressa, Qtd.: 1, Uni.: Uni., Preço; 2.500,00€, Desc: …, Imposto: 23%, Total Ilíquido: 2.500,00€; Cód. Artigo: PCTP, Designação: Estruturas, Cartazes e Telas, Qtd.: 1, Uni.: Uni., Preço: 11.5000,00€, Desc: …, Imposto: 23%, Total Ilíquido: 11.500,00€».

6. Ao agir conforme descrito em “5.” e “5.1.”, o arguido representou como possível que o conteúdo da fatura não permitisse detalhar a despesa e, na ausência de elementos complementares de comparação de preços, aferir se os respetivos valores correspondiam aos valores de mercado ou aos valores de referência indicados na Listagem n.º 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, série II, de 2 de julho, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

7. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

8. O PCTP/MRPP, nas contas referidas em “4.”, registou receitas no valor total de €51.947,21 e despesas no valor total de €53.017,59.

9. O Partido não recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada em “2.”.

[Com interesse, nenhum outro facto se provou.]

C.2. Motivação da decisão sobre a matéria de facto

13. Na decisão sobre a matéria de facto o Tribunal teve, desde logo, em consideração factos notórios, isto é, do conhecimento geral (maxime, porque divulgados no sítio público do Tribunal Constitucional – http://www.tribunalconstitucional.pt). No mais, a convicção do Tribunal formou-se com base na análise conjugada e crítica da prova documental junta aos autos, como infra se explicitará.

Para prova do facto “1.” teve-se em consideração o teor da publicação existente no sítio público da Internet do Tribunal Constitucional – http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, do qual a mesma se extrai.

A prova do facto “2.” resulta do teor do PA 13/PE/14/2019 (em particular, fls. 3 a 7), constituindo o pressuposto da prestação de contas.

A prova dos factos “3.” e “4.” decorre dos documentos de fls. 8 a 12 do PA e do seu Anexo I, respetivamente.

A prova dos factos “5.” e “5.1.” baseou-se no teor da fatura junta a fls. 3 destes...

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