Acórdão nº 38/22 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 38/2022

Processo n.º 1092/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora reclamante) intentou, no Juízo Central Cível de Faro, uma ação declarativa contra Massa insolvente da B., S.A., C. e D..

1.1. Por sentença de 25/10/2017, foram os réus absolvidos da instância e o autor condenado, como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização.

1.1.1. Tal decisão veio a ser confirmada por acórdão de 26/04/2018 do Tribunal da Relação de Évora, o qual, na sequência de um conjunto de vicissitudes processuais irrelevantes para os presentes autos, transitou em julgado.

1.1.2. O autor, que litigou com o benefício do apoio judiciário, viu cancelado, pelo Instituto da Segurança Social, esse benefício, que lhe havia sido anteriormente concedido, dado o facto de ter sido, entretanto, condenado como litigante de má fé e essa condenação ter sido reapreciada e confirmada por tribunal superior, por aplicação do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.

1.1.3. Inconformado com esta decisão, o autor impugnou-a junto do Juízo Central Cível de Faro (cfr. impugnação de fls. 8/67, que aqui se dá por integralmente reproduzida).

1.1.4. A impugnação foi julgada improcedente por sentença de 25/09/2020, em suma, por se considerar aplicável ao caso a norma que havia servido de fundamento à decisão impugnada (artigo 10.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho).

1.2. Pelo autor foi, então, interposto recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:

“[…]

[Tendo] sido notificado da douta Sentença proferida em 25.09.2020, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 4, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, tem efeito suspensivo como aqui se requer a Vossa Excelência e sobe nos próprios autos, o que faz nos seguintes termos:

I – Introdução – Questão prévia

[…]

3. Em primeiro lugar, salienta-se que os presentes autos de impugnação foram distribuídos e tramitados sem que nada fosse notificado à pessoa do recorrente aqui reclamante.

[…]

II – Do recurso de (in)constitucionalidade

9. Exauridas que se mostram as vias judiciais de impugnação o recorrente vem, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 72.º, n.º 2, 75.º e 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), interpor recurso para o Tribunal Constitucional no que tange à inconstitucionalidade de normas jurídicas.

10. Assim, e cumprindo o ónus previsto no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, cumpre referir, antes de mais, que, como acima se mencionou, o presente recurso é interposto ao abrigo do previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, sendo a inconstitucionalidade das normas vem suscitada nas alegações exaradas na impugnação judicial, sendo certo que a restrição de recorribilidade imposta pelo disposto no artigo 28.º, n.º 5 da Lei 34/2004, de 29 de julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais), impede que suscitação de inconstitucionalidade de norma durante o processo.

11. Quando aos demais requisitos o impugnante/recorrente apresenta o presente recurso com base na inconstitucionalidade das normas jurídicas interpretadas e aplicadas no julgamento sobre questões jurídicas, conforme se expõe em seguida.

12. Está em causa a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 542.º, n.º 2, al. a), 543.º, n.º 1, al. b), 580.º, n.º 1, e 581.º, n.ºs 3 e 4, todos do CPC e do artigo 10.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 34/2004, de 29/7, por ofenderem os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, o direito de acesso aos tribunais, à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo, […] por virem interpretados e aplicados no sentido de possibilitarem o cancelamento da proteção jurídica do reclamante na sequência de decisão da Relação de Évora que confirmou a condenação por litigância de má fé com multa de 5 UCs e indemnização aos réus de 400,00 €, de forma estritamente formal, sem se atender à substância da questão do caso julgado que alicerça a condenação em litigância de má fé, que não pode ser efetivamente verificada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mais se entendendo que existe uma situação de dupla conforme em relação à decisão de cancelamento da proteção jurídica ao reclamante, incindível da decisão de confirmação da condenação por litigância em má fé.

13. A inconstitucionalidade da referida interpretação e aplicação das normas em causa foi invocada pelo recorrente na sua impugnação judicial, quando aí surge com a interpretação e aplicação que se reputa como inconstitucional.

14. Mesmo que se verificasse uma situação conformando exceção de caso julgado, o que jamais acontece, tal, só por si nunca poderia determinar uma decisão de condenação em litigância de má fé, não se compreendendo porque razão o Tribunal a quo vem, em primeiro lugar, apontar o facto de o recorrente instaurar “… novamente uma ação com base nos mesmos factos sobre os quais anteriormente já havia instaurado outra ação sobre a qual já havia recaído sentença transitada em julgado” – como fundamento da condenação de litigância de má fé.

15. Instaurar novamente uma ação com base nos mesmos factos sobre os quais anteriormente já havia instaurado outra ação sobre a qual já havia recaído sentença transitada em julgado, só por si, não fundamenta condenação em litigância de má fé, muito menos, quando na própria douta decisão sentença que está na génese da decisão de cancelamento da proteção jurídica se reconhece que não se pode considerar verificada a tríplice identidade pressuposto da exceção de caso julgado, contida no artigo 581.º do CPC.

16. Tal é inaceitável: reconhecer-se que não ocorre a verificada a tríplice identidade pressuposto da exceção de caso julgado e do mesmo passo julgar procedente a exceção de caso julgado, sem que ocorra de forma efetiva a identidade da causa de pedir e dos pedidos nas duas ações em causa.

17. Nos autos da ação do processo n.º 17937/16.8TSLSB, tramitado no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Faro – Juiz 1: o recorrente exerceu o seu direito de acesso aos tribunais e o direito ao contraditório, conforme previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, dentro dos limites do legitimo exercício dos direitos processuais e com escrupuloso respeito pelo princípio da boa fé processual, tal como vem sufragado em abundante e constante jurisprudência do Tribunal Constitucional.

18. Foi este o estado das coisas donde se partiu para a condenação do recorrente como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização aos réus.

19. À referida douta sentença proferida nos autos principais – salvo o devido respeito, erradamente – considerou-se relevante como conduta processual tipificadora de litigância de má fé, quais sejam os factos dados como provados relativos a outras ações antes instauradas.

20. Nunca o Tribunal ali especificou ou identificou, quais os factos em que se basearam as ações anteriormente intentadas e que correspondem àqueles em que se funda a ação do processo n.º 17937/16.8T8LSB em que se fundou a condenação por litigância de má fé, pelo que importa cotejar uns e outros, obviamente, para se demonstrar que tal não aconteceu.

21. A conduta processual do recorrente que vem apontada como violadora das normas legais aplicáveis à litigância de má fé, não integra nenhuma das condutas processuais que vêm tipificadas na norma (alíneas a) a d) do artigo 542.º, n.º 2, do CPC).

22. Instaurar uma nova ação com base nos mesmos factos em que se instaurou uma ação anterior não é facto ou conduta processual que venha tipificada em qualquer norma legal, como litigância de má fé.

23. Na douta sentença de 25.10.2017 nenhuma norma vem apontada como tendo sido violada pela conduta processual do recorrente, sendo certo que a falta de especificação de norma violada pela putativa conduta processual do recorrente impediu desde logo que pudesse exercer de forma efetiva e ampla a sua defesa contra tal imputação.

24. Decorre da lei que instaurar uma nova ação com base nos mesmos factos em que se instaurou uma ação anterior não é uma conduta processual merecedora de reparo ou censura e por isso, não é sancionável e legitimadora de decisão de condenação como litigante de má fé na qual se fundou a decisão de cancelamento da proteção jurídica.

25. Aliás, a existência de culpa do recorrente, bem como o seu grau, nem sequer foram alguma vez abordadas na douta sentença de 25.10.2017 para fundamentar a decisão de condenação como litigante de má fé, tratando-se de um elemento essencial de que não se pode prescindir para fundamentar e legitimar uma decisão judicial, mormente quando é de cariz sancionatório.

26. Com referência ao disposto nas alíneas do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, concretamente, com referência ao disposto na alínea a), nunca A. deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.

27. A decisão da Desembargadoria de Évora nos autos principais em sede de recurso de apelação não deu provimento à alegação de recurso do beneficiário de proteção jurídica, confirmando a decisão da 1.º Instância, já de si e só por si, errada e injusta.

28. Malogradamente, em sede de Supremo Tribunal de Justiça, não pôde exercer-se de efetivo o que se pretendia ou impugnava, pois, o recurso de revista excecional apenas foi parcialmente admitido, nada podendo ser devidamente apreciado para julgamento sobre a matéria da condenação por litigância de má fé.

29. Isto não pode deixar de ter...

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