Acórdão nº 0887/20.0BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Data12 Janeiro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

Caixa Geral de Depósitos, S.A., …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 30 de abril de 2021, que julgou, além do mais, parcialmente procedente impugnação judicial, apresentada contra ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, no valor total de € 8.179,46.

A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: « (

  1. Considerou o Tribunal a quo que, não obstante nenhuma fundamentação constar no documento que consubstancia a liquidação de imposto contestada, sequer por remissão, verificou-se a fundamentação por remissão efectuada em momento anterior, uma “remissão antecipatória” que se traduziu no “aviso” constante no ofício mediante o qual a Recorrente foi notificada do relatório de inspecção tributária, dando como cumpridas, por essa via, as exigências legais relativas à fundamentação.

(b) O Tribunal a quo aceitou assim que um acto subsequente à notificação do relatório de inspecção pode ser validamente fundamentado com uma “remissão antecipatória”, a título de “aviso”, nessa mesma notificação do relatório de inspecção.

(c) Mas tal entendimento não pode proceder, quer pela natureza das coisas, quer pela sua incompatibilidade notória com a letra da lei, quer pelo absurdo que encerra, quer, por fim, pela sua incompatibilidade com o que em matéria de fundamentação dos actos administrativos se encontra previsto na Constituição da República Portuguesa.

(d) O entendimento do Tribunal a quo não pode proceder pela natureza das coisas porque, independentemente dos actos administrativos praticados antes da emanação do acto de liquidação ou dos procedimentos que a possam ter precedido, esta materializa-se, enquanto acto final e completo, aquando da sua notificação ao sujeito passivo, no acto de notificação deste.

(e) E tal acto tem que, por determinação legal (incluindo aqui a lei constitucional), as razões, de facto e de direito, que lhe subjazem e que podem (ou não) coincidir com as justificações antes adiantadas noutras fases procedimentais, nomeadamente em sede inspectiva.

(f) Seguir a argumentação decisória do Tribunal a quo levaria a concluir que a liquidação de retenções na fonte aqui contestada teria sido efectuada mediante a notificação do relatório de inspecção tributária, em momento prévio à notificação recepcionada pela Recorrente, o que, naturalmente, contrariaria a natureza das coisas e tomaria a notificação da liquidação de imposto ao sujeito passivo inútil a este nível.

(g) Concluindo-se que o problema reside na falta de fundamentação do acto de liquidação de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento - por não conter as razões, de facto e de direito, subjacentes à decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira - nem de forma sucinta nem através de remissão, terá também de se concluir que não estamos no âmbito do artigo 37.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e que a liquidação impugnada padecerá sempre do vício de falta de fundamentação, na medida em que o recurso ao referido mecanismo legal não sana o vício em análise.

(h) O entendimento do Tribunal a quo não pode proceder por incompatibilidade com a letra da lei porque esta, permitindo a fundamentação por remissão, não pode deixar de se referir à acção de chamar à colação num determinado texto um outro texto necessariamente já existente, pelo que tal acção só pode ter lugar no acto a notificar, não no acto que precedeu tal notificação.

(i) É assim no número 1 do artigo 77.° da Lei Geral Tributária que, permitindo a fundamentação por remissão, exige que a mesma consista numa “declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”, ou seja, exige uma “declaração” contemporânea do acto a fundamentar - no caso, a liquidação remetendo para actos anteriores, não a um qualquer “aviso” de que com base no que foi apurado no relatório poderá seguir-se uma liquidação nele fundamentada.

(j) O mesmo se diga do número 1 do artigo 63.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, pois também neste caso se prevê que “[o]s actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório”, pois que aí o legislador admite que possa não haver coincidência entre as conclusões do relatório de inspecção tributária e a fundamentação da liquidação de imposto e, ao prever a “adesão ou concordância” (no fundo, a fundamentação por remissão para o relatório de inspecção tributária), claramente estabelece que a mesma só pode ter lugar em momento posterior ao procedimento inspectivo que culminou com o relatório de inspecção tributária.

(k) E, sem remissão para o relatório de inspecção tributária, como é que o contribuinte pode saber se a fundamentação do acto de liquidação coincide com o que naquele documento é argumentado? Ou deve presumir que a entidade competente para a liquidação aceita sempre e sem mais as conclusões do relatório de inspecção tributária, ainda que as mesmas possam estar erradas ou contrariem orientações específicas que superiormente tenham sido dadas na matéria relevante? (l) E como é que se ultrapassa, sem ferir as regras da sintaxe e da lógica, a exigência de que, para efeitos de fundamentação dos “actos que resultem do relatório”, haja “adesão ou concordância com as conclusões do relatório de inspecção" nesses actos? Ou há que admitir uma “adesão ou concordância antecipatória” ou “por aviso” com as conclusões do relatório de inspecção”? (m) E nada no artigo 36.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que contém os princípios gerais em matéria de fundamentação dos actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, desenvolvidos depois nas normas antes mencionadas, permite acomodar a interpretação do Tribunal a quo.

(n) O entendimento do Tribunal a quo não pode proceder pelo absurdo que encerra, porque não permite acomodar os casos em que o contribuinte não tenha recebido o relatório de inspecção tributária por motivo que não lhe seja imputável, por exemplo porque o mesmo se extraviou ou porque (e não seria caso inédito) o mesmo foi notificado a outro contribuinte. Nestes casos, a ausência de referência a acto anterior impediria o contribuinte de, mais até do que perceber a fundamentação, perceber que alguma falha poderia ter ocorrido anteriormente.

(o) E, se se admitir como válido o entendimento do Tribunal a quo, importa ainda questionar como é possível ao contribuinte concluir, num caso concreto, se está diante de uma situação de falta de fundamentação, a invocar em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, ou se está perante a falta do “envio” formal da fundamentação, enquanto vício externo do acto, falha a colmatar mediante recurso ao expediente consagrado no artigo 37.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

(p) E se, nesta última hipótese, o contribuinte não obtiver resposta, num ou noutro sentido, no prazo previsto para apresentação de reclamação graciosa ou impugnação judicial, importa definir como poderá o contribuinte proceder exercer os seus direitos de tutela, aí invocando o vício de falta de fundamentação.

(q) O entendimento do Tribunal a quo não pode, por fim, proceder pela sua incompatibilidade com o que em matéria de fundamentação dos actos administrativos se encontra previsto na Constituição da República Portuguesa, ao afastar-se das rigorosas exigências de fundamentação da liquidação de imposto enquanto acto administrativo que afecta os interesses dos contribuintes.

(r) E que a “fundamentação expressa” exigida no artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa, se não parece contender com a admissibilidade da fundamentação por remissão, não pode ser equiparada à remissão “implícita”, como o Tribunal a quo parece querer qualificar a...

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