Acórdão nº 233/21.6T8VFX.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelSÉRGIO ALMEIDA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

A)–Autor (designado abreviadamente também por A.) e recorrente: AAA; Ré (R.): BBB, Não tendo havido acordo na audiência de partes, a R. apresentou articulado de motivação do despedimento em que alegou, em síntese, que a sua decisão foi determinada pela prática, em duas ocasiões distintas, de comportamentos do trabalhador que desrespeitando procedimentos e directivas por si estabelecidas na execução da prestação laboral, configuram ilícitos disciplinares e colocam em causa a sua confiança futura no cumprimento pelo trabalhador das regras que regem a actividade que desenvolve. Tal sucede não apenas pela objectiva desobediência do determinado, mas também pelo facto de os comportamentos ocorrerem no contexto das regras que estabeleceu por via da pandemia Covid-19, no desrespeito de regras que são essenciais à manutenção da actividade desenvolvida. Foi instaurado procedimento disciplinar o qual foi tramitado com observância de todas as formalidades legais e que junta aos autos. Conclui pela improcedência da acção.

Notificado veio o trabalhador contestar, reconhecendo a prática das duas condutas que lhe são imputadas, mas considerando que não têm a relevância que a empregadora lhes atribui, atento o contexto que descreve.

*** Saneados os autos e efetuado o julgamento o Tribunal a quo julgou não provado e improcedente o pedido de declaração da ilicitude do despedimento decretado pela empregadora, considerando-o lícito e regular com a consequente cessação do contrato celebrado entre as partes.

*** O A. não se conformou e recorreu, concluindo: 1-Os factos imputados ao recorrente pela recorrida devem ser avaliados, para os efeitos do art.º 351º, n.º 1, do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02, de acordo com as circunstâncias temporais que se viviam na época, uma fase agressiva e como que incontrolável da pandemia que a todos atingiu.

2-Sendo absolutamente inaceitáveis, por quase para-concentracionárias, as limitações dos trabalhadores ao contacto urgente do seu agregado familiar, devendo, pelo contrário, ser obrigada a entidade patronal (para mais em épocas de pandemia quase que descontrolada) a ter um ponto de contacto para solicitações externas garantido a cada trabalhador (e não é nada difícil tal organizar) ou então admitir livre acesso em caso de cônjuges, descendentes menores e ascendentes a cargo.

3-E se, no caso da segunda atitude imputada, se reconhece como censurável e releva, até em termos sociais, de falta de equilíbrio e ponderação, senão mesmo de educação, esta deveria ser avaliada no quadro geral da perturbação provocada pela pandemia, aqui agravada pelo facto, que terá escapado à escrupulosa e meticulosa seleção de factos, de ser um dos locais destinados a utilizar pelos trabalhadores como casa de banho alternativa o mesmo onde a entidade empregadora colocava os trabalhadores suspeitos de infeção por Covid19.

4-Daí que, ainda que não isenta de censura, deveria o comportamento em causa merecer a devida apreciação atenuante atribuível à situação de quase pânico social com o vírus que na altura (sem controle, nem vacinas) se vivia e que permite excluir a aplicação, por causa dela e da outra, de sanção expulsiva, cuja repercussão familiar e social carece de mais alertas; 5-Assim não tendo entendido, violou a douta decisão recorrida os artigos 351º-1 e 381º b), do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02, na atual redação.

Rematou impetrando que seja dado provimento ao recurso e julgado inexistir a justa causa para o seu despedimento.

*** A R. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso, sem formular conclusões.

*** O DM do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Não houve resposta ao parecer.

Foram colhidos os competentes vistos.

*** II– A)–É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC. Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se não há justa causa de despedimento.

* * Factos assentes: 1.-Em 18-6-2013 trabalhador e empregadora celebraram contrato de trabalho nos termos do qual o primeiro se obrigou, mediante o pagamento de uma remuneração mensal, ao desempenho das funções inerentes à categoria de operador de logística estagiário, sob as ordens direcção e fiscalização da segunda.

  1. -Em setembro de 2020 o trabalhador executava as funções de operador de logística II, nas instalações da empregadora sitas na (…).

  2. -Em contrapartida de tal prestação o trabalhador auferia uma remuneração mensal de 770,00 €, acrescida de subsídio de alimentação diário.

  3. -No dia 28-9-2020, pelas 17 horas, o trabalhador encontrava-se nas instalações da empregadora, em período de pausa, gozando a mesma no exterior do armazém.

  4. - Mantendo o equipamento/vestuário que utilizava na execução da sua prestação e que o identificava como trabalhador da empregadora.

  5. -Encontrando-se junto a um espaço exterior de estacionamento, dentro das instalações e sito junto ao muro, que delimita estas das propriedades confinantes, o trabalhador virou-se para o muro e urinou.

  6. -O parque de estacionamento onde o trabalhador urinou situa-se junto à entrada de mercadorias.

  7. -Sendo a conduta do mesmo observada por outros trabalhadores da empregadora que se encontravam no exterior das instalações.

  8. -No interior do armazém existiam instalações sanitárias.

  9. -Às quais o trabalhador podia aceder a partir do local onde se encontrava em cerca de dois minutos.

  10. -A empregadora rege-se por um Código de Conduta e de Ética Empresarial, cuja última revisão é de datada de 8-5-2020, no qual estabelece normas de funcionamento da sua actividade e de execução da mesma pelos seus/com os seus trabalhadores.

  11. -O referido Código é do conhecimento dos trabalhadores da empregadora.

  12. -No mesmo consta expressamente que os trabalhadores devem “ajudar a garantir que o seu ambiente de trabalho seja saudável e seguro, e de manifestar cuidado com a sua própria saúde e segurança, assim como com a saúde e segurança de todos os que podem ser afetados pelo seu comportamento”.

  13. -O referido Código e as suas regras eram do conhecimento do trabalhador.

  14. -A empregadora dedica-se à distribuição de produtos farmacêuticos, regendo-se por normas de qualidade, higiene e segurança que são objecto de certificação oficial e de cujo cumprimento depende a prossecução da sua actividade.

  15. -No dia 7-10-2020 o trabalhador terminava a sua prestação às 19 horas.

  16. -Por volta das 18h30m o trabalhador abandonou o seu posto de trabalho no interior do armazém.

  17. -O que fez sem dar conhecimento ou solicitar permissão a qualquer superior hierárquico.

  18. -Tendo saído para o exterior das instalações onde esteve ao telefone e a fumar.

  19. -Já depois das 19 horas comunicou ao seu superior que se ausentara para ir aos sanitários e, entretanto, tinha recebido uma chamada telefónica que terminara depois da sua hora de saída.

  20. -O trabalhador sabia que a ausência do seu posto de trabalho durante o horário da sua prestação está sujeita a autorização do superior imediato.

  21. -O trabalhador sabia que a empregadora não permite a utilização de telemóvel durante o desempenho da actividade laboral.

  22. -As normas e padrões de funcionamento da empregadora em matéria de qualidade, higiene e segurança foram objecto de maior exigência e controle com a declaração de pandemia Covid-19.

  23. -A qual determinou o estabelecimento e aplicação de plano de contingência direccionado à prevenção e mitigação de riscos de transmissão da doença Covid-19.

  24. -Para o que foram formadas equipas de trabalhadores, espaços de trabalho/circulação e horários que visavam evitar o cruzamento de trabalhadores das diversas equipas.

  25. -O referido plano de contingência foi explicado a todos os trabalhadores e publicitado em espaços de acesso dos mesmos.

  26. -Em 9 de outubro de 2020 a empregadora instaurou processo disciplinar com intenção de despedimento ao trabalhador.

  27. -No dia 12 de outubro de 2020, a empregadora elaborou Nota de Culpa da qual fez constar os seguintes factos: “1-O Arguido foi admitido ao serviço da Arguente em 18 de junho de 2013.

    2-O Arguido exercia as funções correspondentes à sua categoria profissional de “Operador de Logística II”, nas instalações da Arguente, nomeadamente no seu armazém de (…).

    3-O Arguido, pelas 17h00 do dia 28 de setembro de 2020, no parque automóvel das instalações do armazém de Alverca, saiu da viatura onde se encontrava e começou a urinar, visivelmente contra a parede interna do muro que delimita a área das instalações da Arguente, junto à entrada de mercadorias.

    4-O local da prática dos factos situa-se no parque automóvel da Arguente, utilizado por colaboradores, fornecedores e clientes, junto à entrada de mercadorias.

    5-O Arguido não se preocupou em ocultar ou disfarçar a sua atuação dos colegas de trabalho, dos trabalhadores das empresas fornecedoras que se encontravam a descarregar mercadoria, ou de clientes que, igualmente, utilizam o parque.

    6-À altura da prática dos factos o Arguido envergava a farda da Arguente, sendo, como tal, perfeitamente identificável como seu funcionário.

    7-Atento o local da prática dos factos, no parque automóvel junto à entrada de mercadorias, o Arguido não podia deixar de saber que seria visto por clientes, fornecedores e colegas, tal como realmente aconteceu.

    8-O Arguido foi observado a urinar por todos os que se encontravam naquele local, nomeadamente pelo Diretor Técnico e Diretor Regional de Operações Sul, Dr. (…), e pelo Supervisor de Infraestruturas Sul, Eng.° (…) e, ainda, pelo Técnico de Infraestruturas Sul, Senhor (…).

    9-Acresce que, o Arguido se encontrava a gozar o seu intervalo de descanso, ou seja, não se encontrava a realizar qualquer tarefa que...

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