Acórdão nº 12367/19.2T8LSB.L2-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelNELSON BORGES CARNEIRO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. RELATÓRIO AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra INTERNACIONAL FOOT II - GESTÃO E ASSESSORIA DE CARREIRAS DESPORTIVAS, LDA.

, BB e CC, pedindo que seja declarado resolvido o acordo celebrado entre autor e 1.ª ré, e condenados os réus no pagamento da quantia correspondente a metade dos montantes que tenham recebido provenientes de negócios celebrados com o atleta, DD, deduzido dos montantes já pagos ao autor, o que perfaz um total de € 485 000,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros), acrescido de juros de mora.

Foi proferida decisão que condenou o autor, AA, como litigante de má-fé, no pagamento de multa no valor de quatro (4) unidades de conta e, em indemnização à parte contrária, no valor correspondente aos honorários dos mandatários e despesas em que os réus incorreram com a dedução de defesa nos presentes autos.

Inconformado, veio o autor apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes CONCLUSÕES[3]: 1. O presente recurso versa sobre a condenação do ora apelante como litigante de má fé no despacho com data de elaboração Citius de 09- 06-2021, numa multa de quatro unidades de conta e numa indemnização à parte contrária no valor correspondente aos honorários dos mandatários e despesas em que os Réus incorreram com a dedução de defesa nos presentes autos.

  1. Sucede que, o Apelante nunca litigou de má-fé nos autos.

  2. O Apelante em nenhum momento utilizou reprovavelmente os meios processuais, nem tão pouco deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.

  3. O Apelante apenas confundiu a sua personalidade jurídica com a personalidade jurídica da sociedade na qual é sócio único e beneficiário efetivo.

  4. Tal ato não lhe pode ser censurável considerando que o seu entendimento não diverge da realidade das sociedades comerciais portuguesas.

  5. A legitimidade processual ativa é um conceito de cariz técnico-jurídico.

  6. Um homem médio sem conhecimentos jurídicos não tem domínio completo da personalidade jurídica e legitimidade processual ativa.

  7. O Apelante quando confrontado com a alegação de exceção de ilegitimidade ativa, o mesmo confessou os factos e aceitou todas as consequências processuais que dela advinham.

  8. O Apelante ao aceitar todas as consequências processuais que advieram da exceção dilatória, cumpriu com o dever da boa-fé processual previsto e tipificado no artigo 8º do CPC, esclarecido de que não estavam preenchidos todos os pressupostos legais para o normal procedimento da ação.

  9. À cautela e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que havendo uma condenação às partes contrárias, a mesma não deverá ser nos moldes proferidos.

  10. O douto tribunal não teve em conta o grau de culpa diminuto do Apelante, violando e forma clara o artigo 543º/2 do CPC.

  11. A não fixação de uma quantia certa da indeminização, revelou a usura por parte dos Réus, juntando aos autos, cheque bancário, nota discriminativa de honorários, e um recibo notoriamente dúbios.

    Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogado o douto despacho datado de 13-05-2021, substituindo-se por outro que absolva o A. do pedido de condenação como litigante de má-fé e do pagamento da indemnização à parte contrária.

    Os réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação do autor.

    Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.

    OBJETO DO RECURSO[5],[6] Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões: 1.) Saber se a conduta processual do autor é subsumível ao conceito de litigância de má-fé.

  12. ) Saber se o autor deve indemnizar os réus pelo valor correspondente aos honorários dos mandatários e despesas suportadas com a dedução de defesa nos presentes autos.

  13. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. FACTOS PROVADOS (por acordo e documentos) 1) O Autor dedica-se à atividade de intermediação e representação de jogadores de futebol.

    2) O Autor é pai do jogador profissional de futebol DD.

    3) A 1.ª Ré é uma sociedade por quotas, que exerce atividade de intermediação, aquisição de direitos de inscrição e representação, gestão e assessoria de carreiras desportivas, mediação desportiva e comércio e representação de produtos e equipamentos desportivos.

    4) No âmbito das respetivas atividades profissionais, o filho do Autor e a 1.ª Ré celebraram, a 09/02/2018, um contrato de agenciamento.

    5) Na mesma data, a 09.02.2018, o Autor e a 1.ª Ré celebraram o contrato que denominaram de “Acordo de Parceria”, mediante o qual Autor e 1.ª Ré acordaram dividir em partes iguais todos os montantes que a 1.ª Ré viesse a receber em virtude do contrato de intermediação celebrado no mesmo dia com o filho do Autor, DD.

    6) Em aditamento ao “Acordo de Parceria”, em 16 de novembro de 2018, nos termos da sua cláusula Quarta, o Autor cedeu a sua posição contratual a R….. – UNIPESSOAL, Lda..

    7) Sendo que a referida sociedade foi constituída pelo Autor.

    8) Tendo a 1ª Ré aceitado a referida cedência da posição contratual.

    9) A ação foi instaurada em 2019-06-12.

    2.2. O DIREITO Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada[7], importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso [8] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

  14. ) SABER SE A CONDUTA PROCESSUAL DO AUTOR É SUBSUMÍVEL AO CONCEITO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

    O apelante alegou que “desconhecia o alcance e valor legal que este aditamento ao contrato consubstanciava e as consequências do mesmo na presente ação”.

    Mais alegou que “acabou por cometer, sem qualquer consciência ou intenção dolosa, um erro aquando da propositura da ação, que acabou por levar a que a mesma fosse improcedente”.

    Assim, concluiu que “nunca litigou de má-fé nos autos”.

    O tribunal a quo entendeu que “com tal conduta, gravemente negligente, o Autor fez um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a, neste caso, deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e, consequentemente, entorpecendo a ação da justiça”.

    Vejamos a questão.

    Litigância de má-fé (conceito) As partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior – art. 8.º, do CPCivil.

    Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – als. a) a d), do n.º 2, do art. 542.º, do CPCivil.

    O processo não pode mais ser encarado como um «campo de batalha» em que às partes seja permitido lutar entre si com recurso a quaisquer meios, pelo contrário, o processo moderno é essencialmente um processo cooperativo no qual todos os intervenientes devem funcionar como uma “comunidade de trabalho”, em prol da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio[9].

    É, pois, necessário que a parte tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso, não apenas reprovável, mas manifestamente reprovável. Supomos que a lei pretende acentuar que a conduta da parte apenas merece censura se o modo como exerce as diversas faculdades processuais for inequívoca ou claramente reprovável[10].

    A lide deixa de ser justa e legítima quando alguma das partes, deixe de agir dentro das regras da boa fé, colocando ao tribunal pretensões ou alegações de factos ou de normas jurídicas sabendo ou devendo saber que a razão não está do seu lado[11].

    O princípio da boa-fé processual impõe aos litigantes um dever de verdade (ou, talvez melhor, a “proibição de falsas alegações”) e ainda o dever de alegação dos factos cuja omissão seja, por si só, capaz de falsear toda a ação ou toda a defesa, deixando-lhe, no entanto, margem para optar por expor ou silenciar todos os restantes[12].

    Quando nos referimos ao abuso processual devemos distinguir o “abuso macroscópico” do “abuso microscópico”, ou seja, a circunstância em que se abusa do processo globalmente considerado, em que a própria propositura da ação ou a defesa se encontram ab initio viciadas, dos casos em que se abusa de instrumentos processuais específicos (como incidentes processuais ou recursos) [13].

    Ao aludirmos ao abuso macroscópico do processo, ocorre-nos de imediato o abuso do direito de ação, isto é, aqueles casos em que o sujeito propõe a ação funcionalizando-a a interesses ou escopos distintos daqueles que justificaram a concessão do direito. Como casos mais flagrantes podemos destacar aqueles em que o autor intenta a ação com o único propósito de “perturbar” a contraparte (lesando-lhe o crédito ou o bom nome e causando-lhe danos não patrimoniais), prejudicar terceiros mediante a simulação da existência de um litígio, ou ainda defraudar a lei para a alcançar de um objetivo ilegal (art. 612º)[14].

    É corrente distinguir má fé material e má fé instrumental.

    A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má fé[15].

    De acordo...

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