Acórdão nº 00900/21.BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução03 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Café Restaurante (...), Ldª (Rua (…)), interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF de Braga na presente providência de suspensão de eficácia intentada contra o Município (...) (Av.ª (…)) e contra-interessados id. nos autos, julgada improcedente.

Conclui: 1. O presente recurso vem interposto da douta sentença de fls. que julgou improcedente a requerida providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, porquanto entende a Recorrente que a mesma padece de erro de julgamento quer quanto aos factos quer quanto ao direito.

  1. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por julgar não verificados os requisitos do artigo 120º CPTA, padecendo, ainda, a douta sentença recorrida, de nulidade.

  2. A douta sentença recorrida traduz-se, salvo o devido respeito, numa decisão puramente economicista que descura, flagrantemente, as especificidades do caso concreto.

  3. A sentença recorrida encerra um gravíssimo erro de julgamento, vendo a Requerente ser-lhe esbulhado, sem qualquer fundamento, o direito de retenção que exerce sobre o prédio (reconhecido por sentença judicial) até que os proprietários lhe paguem a indemnização devida pelas benfeitorias que executou.

  4. O Tribunal a quo premeia a atuação do Município, que imiscuindo-se num litígio entre particulares, pratica atos administrativos em manifesto desvio de poder (em benefício dos proprietários), forçando a saída da Requerente do prédio, visando extinguir-lhe o direito de retenção que legitimamente exerce.

  5. Se dúvidas existissem, basta atentar no facto de terem sido os proprietários a despoletarem a visita inspetiva do Município (denunciando alegadas desconformidades que aos próprios incumbe corrigir) e ainda ao facto de o decretado despejo administrativo ter surgido logo após a sentença cível que reconheceu à Requerente o direito a uma indemnização por benfeitorias bem como a exercer o direito de retenção sobre o prédio até que a mesma lhe seja paga.

  6. O Tribunal a quo qualificou, erradamente, o ato de despejo administrativo como um mero ato de execução do ato de homologação do auto de vistoria, incorrendo em erro de julgamento.

  7. E foi esta qualificação, que é, salvo o devido respeito, simplista e errada que ditou, irremediavelmente, o desfecho da sentença recorrida.

  8. O ato de homologação do auto de vistoria não consubstancia qualquer ato prévio, passível de ser executado por via do despejo administrativo.

  9. O que foi definido no ato de homologação do auto de vistoria foi que existiam alegadas desconformidades (sem que no entanto fossem descritas quais) que necessitavam de ser corrigidas (sem que o Município (...) notificasse os proprietários para o efeito, por serem quem tinha legitimidade para realizar tais obras).

  10. Nunca e em momento anterior existiu qualquer notificação com cominação de despejo ou qualquer exigência para realização de obras sob pena de se proceder a despejo.

  11. A decisão da entidade Requerida, ao decretar o despejo administrativo, constitui uma verdadeira decisão surpresa, não revestindo, por isso, um mero ato de execução, ao contrário do foi entendido na douta sentença recorrida.

  12. Se o ato de despejo administrativo fosse qualificado como um mero ato de execução, o mesmo assentaria em ato administrativo inexistente, porquanto nunca e em momento anterior, foi comunicado à Requerente tal possibilidade, nem por via de eventual cominação legal.

  13. O despejo administrativo decretado pelo Município não é uma consequência direta, necessária e automática do ato administrativo consubstanciado na homologação do auto de vistoria.

  14. Sendo que o mesmo alicerça-se em factos diversos dos constantes no auto de vistoria (o que constituiu, de resto, uma das muitas vicissitudes de que o mesmo padece e que foram suscitadas no processo de impugnação respetivo - processo n.º 1577/18.0BEBRG que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga - Unidade Orgânica 1) e contém vícios/ilegalidades próprios.

  15. O Município só podia determinar o despejo administrativo se os proprietários não tivessem realizados as obras necessárias (que reitere-se, continua sem saber-se quais, porquanto até à presente data o Município não as identificou - em manifesta violação do disposto no art.º 90 n.º 4 do RJUE) e se o despejo se mostrasse necessário à execução de tais obras.

  16. Sendo a verificação de um desses requisitos, condição essencial para que pudesse decretar-se o despejo administrativo.

  17. Mas, não há qualquer facto provado na sentença recorrida que permita ao Tribunal considerar que se verificou a condição exigida pelas normas em causa (e pelo próprio ato suspendendo).

  18. O que consta dos factos provados é uma mera transcrição das informações e despachos emitidos pela Entidade Requerida, não constando quaisquer factos relativos ao preenchimento das condições para decretamento do despejo administrativo.

  19. Não foram cumpridas as formalidades prévias ao decretamento do despejo administrativo, porquanto a exigência das alegadas obras a executar apenas foi, estranhamente, notificada à Requerente e não a quem devia realizá-las (os proprietários do prédio) e ainda porque se desconhece, até à presente data, quais as obras que, afinal, o Município considera necessário executar para corrigir as alegadas e pretensas desconformidades - o Município, em manifesta violação do disposto no art.º 90 n.º 4 do RJUE, continua sem concretizar quais as pretensas obras que "têm" que ser executadas.

  20. Também aqui errou a douta sentença recorrida, pois em face da falta desses factos provados, não podia considerar a probabilidade da licitude do ato suspendendo de despejo administrativo.

  21. Não há o preenchimento da condição necessária e essencial ao despejo administrativo, factualidade essa que podia e devia ter sido sindicada pelo Tribunal a quo, que sempre estaria em condições de o fazer em face dos elementos de prova documental junta aos autos.

  22. A douta sentença recorrida é nula por ter privado a Requerente de produzir a prova pela mesma requerida e por ter omitido convite ao aperfeiçoamento.

  23. Com a produção da sua prova testemunhal, a requerente pretendia fazer prova dos factos invocados e dos prejuízos; prova esta que considera imprescindível para se proceder à verificação dos requisitos do “periculum in mora” (artigo n.º 120.º n.º 1 do CPTA), que tem que se verificar cumulativamente com o “fumus boni iuris”.

  24. Acontece que, o Tribunal a quo ao considerar desnecessária a produção de tal prova, a mesma ficou prejudicada e inviabilizada.

  25. E o facto é que a prova desses prejuízos (e da sua manifesta desproporcionalidade) era, como é, imprescindível para se proceder à análise do requisito do periculum in mora e do fumus boni iuris.

  26. A requerente alegou e indicou não só vícios respeitantes ao ato suspendendo, como os prejuízos decorrentes do seu decretamento, pretendendo prová-los com o depoimento das testemunhas indicadas.

  27. E o Tribunal a quo, que recusou a produção desta prova, é o mesmo que considera que não se verifica o periculum in mora e o fumus boni iuris justificado no facto de a requerente não os ter alegado suficientemente nem os ter conseguido provar.

  28. É manifesto que a decisão do Tribunal a quo é violadora da lei (art.º 118.º n.º 1, n.º 3 e n.º 5 do CPTA), coartando o direito da Requerente em fazer prova da verificação dos requisitos do art.º 120.º n.º 1 do CPTA, inviabilizando a sua correta análise pelo Tribunal.

  29. A dispensa da prova influi na boa decisão da causa incorrendo a sentença recorrida na violação do disposto no art.º 118 do CPTA e ainda na violação dos art.º 367.º do CPC e art.º 342 do CC.

  30. Sem a produção de prova requerida pela requerente com a petição inicial, o Tribunal a quo - para além de violar a lei - impossibilitou à requerente provar em tribunal a verificação cumulativa dos requisitos de que depende a providência cautelar de suspensão da eficácia do ato.

  31. Se cabe ao requerente o ónus da prova dos factos que alega, não pode ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração dos pressupostos do art.º 120.º n.º 1 do CPTA.

  32. O Juiz deve promover a produção da prova sobre toda a factualidade alegada que se revele pertinente à luz das várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas e não apenas daquela que entende pertinente à solução jurídica por ele projetada (por ser mais simples e económica).

  33. Sobretudo quando, para além dos vícios, graves e próprios, apontados ao ato de despejo, foi inclusivamente suscitada a, absoluta, desproporcionalidade do mesmo.

  34. Pelo exposto, ocorreu uma nulidade processual, decorrente da omissão de ato processual – produção da prova testemunhal - com influência sobre a decisão da causa (art.º 195.º n° 1 do CPC ex vi art.º 1 do CPTA), que tem como consequência a nulidade da decisão da providência cautelar, que daquela depende absolutamente.

  35. O erro de julgamento que afete o despacho de dispensa de produção de prova constitui fundamento de recurso da própria decisão final.

  36. Não obstante a Requerente não concordar com as considerações expendidas pelo Tribunal a quo a respeito da pretensa falta de alegação de vícios próprios de que padece o despejo administrativo (porque assentes no pressuposto, errado, de que o ato suspendendo consubstancia um mero ato de execução), sempre se impunha que o Tribunal a quo tivesse convidado a Requerente a suprir eventuais irregularidades ou imprecisões - cfr. art.ºs 590 n.ºs 3 e 4 do CPC; 38. Trata-se da prescrição ao juiz de uma ação: a realização do convite, fixando-se prazo tal.

  37. Se o Tribunal a quo entendia que a Requerente não tinha alegado, suficientemente, as vicissitudes imputadas ao despejo administrativo, impunha-se que a convidasse a concretizar (e, eventualmente, densificar) tais factos.

  38. A omissão do convite ao aperfeiçoamento integra, in casu, uma omissão do juiz a quo na regularização da instância...

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