Acórdão nº 01914/09.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução03 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A., intentou Ação Administrativa Comum contra o Hospital de (...), tendente, designadamente, à condenação do Demandado na atribuição de indemnização de 745.029,45€ em resultado de alegado erro médico que “levou a que este fosse submetido a amputação do membro inferior esquerdo pela coxa, em 08.02.2005 (…)” e à “amputação do seu membro inferior direito, abaixo do joelho, em 16.02.2005 (…)” Por Sentença proferida no TAF de Braga em 18 de maio de 2021, corrigida em 12 de outubro de 2021, foi decidido julgar “a presente ação parcialmente procedente, em consequência, condeno o Réu Hospital a pagar ao Autor: a) a quantia de €150.000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; b) A quantia de €29,45, relativo ao custo que o Autor suportou com as suas deslocações ao serviço de urgência do Réu, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; c) A quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, respeitantes a” um conjunto enunciado de situações.

No Recurso para esta instância apresentado em 21 de junho de 2021, o Autor A.

, concluiu: “1.ª Pese embora concordar com o sentido geral da douta sentença recorrida e reconhecer que, finalmente, lhe foi feita, e dentro do que ainda é possível, Justiça, entende o Autor que a mesma é nula, por omissão de pronúncia quanto ao seu requerimento de ampliação de pedido.

2.ª Por requerimento apresentado em 17.06.2015, antes do encerramento da discussão, o Autor veio requerer a ampliação do pedido, ao abrigo do disposto no art. 265.º, nº 2, do CPC, peticionando que o Réu fosse condenado no pagamento dos juros legais vencidos e vincendos, sobre a quantia de €745.029,46, desde a citação para a presente ação até efetivo pagamento, sendo, naquela data, os já vencidos no montante de €161.497,95.

3.ª A jurisprudência é unânime em admitir a ampliação de pedido nestas situações, em que, inicialmente, é pedido o pagamento de uma indemnização e, posteriormente, o pedido é ampliado no sentido de também incluir os juros vencidos e vincendos sobre a quantia inicialmente peticionada.

4.ª Porém, certamente por lapso, a referida ampliação acabou por não ser apreciada e, consequentemente, admitida pelo tribunal a quo, existindo uma clara omissão de pronúncia.

5.ª Deste modo, deve ser proferido acórdão que decrete a nulidade da douta sentença recorrida, atento o disposto nos arts. 152.º, nº 1, e 615.º, nº 1, al. d), do CPC, e admita a ampliação do pedido requerida pelo apelante, condenando o Réu no pagamento ao Autor dos juros legais vencidos e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento, sobre todas as quantias a pagar ao Autor.

6.ª Conforme consta da douta sentença proferida, o Réu foi condenado a pagar ao Autor a quantia de €150.000, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por este sofridos.

7.ª Salvo o devido respeito, entende o apelante que a quantia arbitrada peca por defeito, face à matéria de facto provada.

8.ª Entende o Autor que face aos graves sofrimentos que padeceu, durante o período em que, por omissão dos serviços do Réu, não lhe foi diagnosticado o seu grave problema de saúde, e que ainda padece, face às graves e profundas sequelas que apresenta em consequência da atuação do Réu, a indemnização terá que ser necessariamente superior.

9.ª Cotejada a jurisprudência dos nossos tribunais, verifica-se que existem casos menos gravosos onde foram fixadas quantias similares e mesmo superiores.

10.ª Deste modo, atento o disposto no art. 496.º, nº1 e nº 4, do C. Civil, deve ser proferido acórdão que, revogando, nessa parte, a douta sentença recorrida, condene o Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização ou compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, o montante de €200.000.

TERMOS em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se acórdão nos termos atrás expostos, como é de JUSTIÇA.” No Recurso para esta instância apresentado em 30 de junho de 2021, a Demandada Administração Regional de Saúde do Norte, IP/Hospital de (...), concluiu: “1ª Estando judicialmente estabelecida a autoria dos atos médicos bem como determinadas as circunstâncias de lugar e de tempo, num Serviço de Urgência hospitalar não pode operar-se a subsunção da matéria de facto e, por conseguinte, do respetivo objeto da instância ao fundamento de um «anormal funcionamento de serviço» hospitalar; 2ª E quando a ação se acha instaurada tendo como causa de pedir, complexa, inerente a este tipo de responsabilidade, com base na negligência médica grosseira imputável aos médicos agentes dos atos médicos, e, por consequência, ao Hospital, não pode o Tribunal desviar-se da responsabilidade por imputação subjetiva, com apreciação dos vários pressupostos em que a mesma se decompõe, muito menos invadir outros campos de hipotética responsabilidade; 3ª E extrai-se linearmente do teor dos artigos 48º, 68º e 118º da douta petição inicial a imputação que visa caracterizar a ação médica daqueles dias 29 de janeiro, 2 e 4 de fevereiro de 2005 como de «negligência grosseira» e de «má atuação» por parte dos agentes médicos, sem invocação de qualquer outro fundamento; 4ª A doutrina e a jurisprudência analisam a ‘responsabilidade objetiva’ constituída pela denominada «faute du service» ou de “funcionamento anormal dos serviços” em termos que não consentem a verificação de tal fundamento quanto a um Hospital que no ano de 2005 não tenha ligação informática, nem em rede, entre cada assistência e “episódio de urgência” (de tal sorte que tenham de ser os doentes a transmitir ao novo médico, e a cada um dos novos atendimentos, o que tinha resultado da assistência anterior) nem, afinal, por não dispor de outros profissionais, de todas as especialidades médicas ou dos modernos meios complementares de diagnóstico, ou sofrer as contingências da triagem de «Manchester»; 5ª Nem ocorre em situações como aquelas a que reporta a douta sentença recorrida por se colocar o Hospital na situação «… que, manifestamente constitui uma oferta de serviço inferior à que deveria o Réu disponibilizar ao Autor e à população que servia».

6ª Ao ter acolhido esta via de fundamentação do sentido decisório, desviou-se a douta sentença do sentido acolhido pelas normas dos artigos 265º/1 e 609º/1 do CPC que ficam assim frontal e diretamente violadas (a causa de pedir só pode ser alterada mediante regras precisas e a sentença não pode desviar-se do objeto da causa); 7ª Está a douta sentença recorrida afetada da contradição intrínseca de seguir o fundamento da «faute du service» ou funcionamento anormal do serviço pela não disponibilidade do Hospital no ano de 2005 de todos os meios complementares de diagnóstico nem dos médicos de especialidade, no caso de cirurgia vascular, e a imputação subjetiva aos médicos intervenientes por não prescrição e execução dos exames associados a esses meios complementares de diagnóstico; 8ª Os arestos referenciados na sentença recorrida (Acórdão do STA de 16-03-2005 e de 10-09-2014) reportam-se a atos médicos ou atos em saúde, de natureza executiva e ou omissiva (por relação à execução) e não perante atos de diagnóstico médico face a situações a explorar e sobre as quais o médico nada sabe para além da sintomatologia percecionada (aquilo a que os médicos designam como «a clínica», ou seja, o que pode ser captado diretamente), em cada uma das assistências em causa, que são o cerne dos presentes autos; 9ª E, também como mais mediatamente se extrai daqueles arestos, atos médicos onde o ‘tempo’ de intervenção, numa gestação de grávida, em trabalho de parto, nada tem que o assemelhe, de emergência médica, à incerteza do tempo e à insídia de uma doença oculta e germinal que o médico pode não conseguir antecipar sequer; basta pensar nos diagnósticos que se estabelecem apenas com a morte, porque a ‘medicina’ não logra explicar e intervir; 10ª A via de imputação de responsabilidade exclusiva do Hospital por verificação dos pressupostos da ilicitude e da culpa imputável à responsabilidade nas pessoas dos médicos intervenientes, quando tenha havido conhecimento processual quanto à responsabilidade criminal dos mesmos agentes médicos, não pode deixar de observar a tutela e o sentido ínsitos na norma do artigo 624º/1 do CPC 11ª Aí se consagra uma verdadeira pedra angular da unidade do sistema de direito e da segurança da justiça, de onde decorrem especiais exigências probatórias que não podem ser desconsideradas; 12ª Impende sobre o autor o ónus da prova, e ónus agravado pela exigência resultante da imposição do Acórdão criminal a que reporta a presente instância, de ser feita «prova em contrário» por relação à matéria apurada no processo crime, de todos os pressupostos da responsabilidade civil médica, na modalidade de responsabilidade subjetiva, estando em causa a realização de diagnóstico médico, incluindo sobre a culpa médica, sobre a ilicitude e ainda sobre a causalidade adequada entre essa ação culposa e o dano sofrido pelo doente; 13ª O diagnóstico médico ineficiente ou errado não consubstancia um ato ilícito por violação das leges artis salvo se for grosseiramente desviante por relação aos concretos sintomas percecionados e enfrentados pelo médico no momento da sua prática e ainda se o mesmo se mostrar implausível; 14ª Aquele ónus da prova no contexto consequente a decisão criminal absolutória (Proc nº 708/05.4 TABRG) exigiria a demonstração de que os diagnósticos «errados» dos dias 29 de janeiro e de 2 e 4 de fevereiro de 2005, em face dos sintomas então percecionados, fossem qualificados como «grosseiros» ou seja, implausíveis, o que não aconteceu nem se mostra comprovado na presente instância; 15º Faltando, ainda a prévia fixação e consequente demonstração, para cada um...

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