Acórdão nº 02694/08.0BEPRT 0169/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução09 de Dezembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2694/08.0BEPRT (169/17) 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por “LIPOR – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto”, anulou a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 2004, por a Administração Tributária (AT) ter considerado que não podia beneficiar da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 9.º do Código do IRC (CIRC).

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

): «A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação sub judice, deduzida da liquidação de IRC de 2004, declarando que “prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público – o de recolha e tratamento de resíduos”, (…) “não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9.º al. b), do CIRC”.

  1. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se, por entender que a sentença recorrida se mostra afectada de erro sobre os pressupostos de direito, em termos que afectam irremediavelmente a validade substancial da sentença.

  2. Sem prescindir nem conceder da inaplicabilidade da isenção referida no art. 36.º da L. n.º 11/2003 à tributação da impugnante em sede de IRC, a Fazenda Pública defende que, tendo a L. n.º 11/2003, de 13.05, sido revogada pela L. n.º 45/2008, de 27.08, não havia sequer que ponderar a aplicação da norma remissiva constante do seu art. 36.º, porque a ressalva do n.º 6 do art. 38.º da L. n.º 45/2008 refere-se exclusiva e precisamente à manutenção em vigor da natureza de pessoa colectiva de direito público, indicada pelo n.º 2 do art. 2.º da L. n.º 11/2003, e não a todo o regime consagrado nesta lei.

  3. A manutenção da natureza de direito público não significa que se possa invocar para as associações de municípios de fins específicos a manutenção do benefício das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, porque este benefício decorria tão só do art. 36.º da L. n.º 11/2003 e não é inerente à natureza de pessoa colectiva de direito público.

  4. Ao permitir a manutenção em vigor, estritamente, da natureza de direito público para as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da L. n.º 45/2008, como é o caso da impugnante, esta lei pretendeu restringir o alcance do regime pretérito que aceitou continuasse a reger essas associações, devendo entender-se, do seu conjunto normativo, que a L. n.º 45/2008 pretendeu que após a sua entrada em vigor só as associações de municípios de fins múltiplos ou comunidades intermunicipais beneficiariam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.

    Sem embargo, F. A Fazenda Pública entende também ser de rejeitar a afirmação que admite que a remissão do art. 36.º da L. n.º 11/2003, de 13.05, é realizada para os termos previstos na al. a) do art. 9.º, n.º 1, do CIRC, em que as associações de municípios são equiparadas a autarquias locais e como tal estão isentas de IRC, “por mais discutível que seja a opção legislativa ou a redacção da norma remissiva e da norma de isenção”.

  5. Se o legislador pretendesse que as associações de municípios beneficiassem da isenção que vale para as autarquias locais a que se refere a al. a) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC não só não restava espaço para a aplicação da al. b) do mesmo preceito, havendo que considerá-la implicitamente revogada a partir da entrada em vigor da L. n.º 11/2005, como igual conclusão teria de se retirar para qualquer norma constante de qualquer diploma fiscal que previsse, em condições específicas de cada tipo fiscal, isenções para as associações de municípios.

  6. Revela-se mais razoável e plausível que o legislador tenha querido salvaguardar a aplicação das normas especiais que fixem tratamento especial para as essas associações, preservando o efeito útil destas – assim, a remissão genérica do art. 36.º da L. n.º 11/2003 não prejudica a aplicação de normas especiais, caso da al. b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC.

    I. No que concerne à aplicação à impugnante da isenção da al. b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC, razão de ser do enquadramento da associação de municípios impugnante como sujeito passivo não isento de IRC que exerce a título principal actividades de natureza comercial e industrial decorre da reconhecida realização de operações económicas por parte da impugnante com carácter empresarial, ie, buscando a melhor combinação dos factores de produção para a percepção de acréscimos patrimoniais, visando obter uma diferença positiva entre os valores do património líquido no início e no fim do período de tributação, que a impugnante destina segundo a gestão dada pela sua administração.

  7. Relevante, para o caso delineado nos autos, é, então, a natureza e modo de exercício da actividade pela impugnante, que gerou os valores objecto de tributação, pois que ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, a realidade económica, a realidade de facto, conforme estatui, de forma genérica, no n.º 3 do art. 11.º da LGT.

  8. Sendo certo que a impugnante dispõe de organização comercial e industrial em ordem ao exercício de uma actividade de produção ou troca de bens e serviços que é capaz de gerar rendimentos e, portando de acréscimo patrimonial.

    L. Daí que a omissão do escopo legal ou estatutário da impugnante de qualquer finalidade lucrativa efeito não assuma relevo excludente, pois que as actividades exercidas pela impugnante são reconhecidamente dirigidas à obtenção [de] sucessivos acréscimos patrimoniais, obtidos pela eficiente combinação de factores de produção, conseguindo não apenas economias de escala, mas “maior rentabilidade”, “redução de custos” e, por isso, aumento de proveitos.

  9. Tais acréscimos destinam-se a ser aplicados na estrutura produtiva, reduzindo as contribuições financeiras que os Municípios associados têm o dever de prestar, repartindo assim, indirectamente, os proveitos entre esses associados.

  10. É esse acréscimo patrimonial verificado na associação impugnante em consequência do modo como exerce a sua actividade que determina a sua tributação em IRC.

  11. A prossecução de finalidades típicas de um serviço público não obsta em si mesma, na perspectiva da Fazenda Pública, ao preenchimento das condições para que a associação de municípios impugnante se constitua em sujeito passivo não isento de IRC, desde que exerça as actividades atribuídas em vista daquela prossecução com natureza empresarial, nos termos do n.º 4 do art. 3.º do CIRC.

  12. As actividades de tratamento e valorização dos resíduos urbanos sólidos que compõem a parte do objecto da associação impugnante indicada no n.º 1 do art. 2.º dos seus Estatutos podem ter sido estabelecidas em função da satisfação de fins ou interesses da colectividade, podem manifestar a prossecução de um serviço público, Q. mas o modo empresarial através do qual é exercida, em conjunto com as demais, e o resultado lucrativo que, em repetidos exercícios económicos é conseguido, reintegrado em toda a estrutura produtiva, preenche a estatuição da lei fiscal de sujeição e não isenção, e deve determinar a tributação daquela entidade em sede de IRC.

  13. Posto que a impugnante exerce a sua actividade de modo empresarial, buscando acréscimos patrimoniais entre o início e o fim de cada exercício económico, tem de concluir-se que os seus custos ou gastos, tal como os seus proveitos ou ganhos, fazem parte do apuramento do resultado líquido desse exercício.

  14. Em face do exposto, a associação aqui impugnante exercendo sua actividade de modo empresarial em vista do contínuo incremento do seu património, aliviando a carga financeira que impende sobre os seus membros, e evidenciando capacidade contributiva, é sujeito passivo não isento de IRC.

  15. Como tal, a situação da impugnante subsume-se à al. b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC, dado que, no ano fiscal a que respeita a liquidação impugnada, se demonstrou exercer a título principal actividade comercial, industrial ou agrícola com carácter empresarial e escopo lucrativo.

  16. Adicionalmente, e sem reserva dos fundamentos do presente recurso até aqui expostos, a Fazenda Pública não se conforma com a condenação em custas proferida na sentença recorrida na vertente em que, de modo implícito, e ao abrigo do n.º 7 do art. 6.º do RCP, considera não haver fundamento bastante para dispensar a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa superior a € 275.000,00.

    V. Entende a Fazenda Pública, com respeito por diversa opinião, que se encontram preenchidas todas as condições previstas no art. 6.º do RCP, n.ºs 1 e 7, para a dispensa do pagamento do remanescente, pois a causa não se mostra de decisão especialmente complexa, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes.

  17. Como tal, a Fazenda Pública pugna, com o maior respeito, que a decisão recorrida deve ser alterada quanto às custas, por erro de julgamento, e substituída por outra que dispense a Fazenda do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte devida pelo valor da causa superior a € 275.000,00, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP.

    Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA».

    1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor: «A. Inconformada com a decisão a Fazenda Pública...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT