Acórdão nº 0107/17.5BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução09 de Dezembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – A………… IBÉRIA, LDA., com os sinais dos autos, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (na sequência do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 2810201504004701) impugnação judicial ao acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativo ao exercício de 2014, no qual foi apurada derrama regional no montante de € 581.074,80.

2 – Por sentença de 15 de Janeiro de 2021, o TAF do Funchal julgou procedente o pedido de anulação da autoliquidação de IRC correspondente ao exercício de 2014 na parte impugnada e improcedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

3 – A Representante da Fazenda Pública, inconformada com sentença do TAF do Funchal, vem dela interpor recurso, apresentando, para tanto, alegações que remata com as seguintes conclusões: «[…] A. Decidiu por aplicação analógica integral dos fundamentos acolhidos no Acórdão do STA de 02/12/2020 proferido no Processo 194/17.6BEALM, o Tribunal recorrido entendeu que a derrama regional de 2014 seria um imposto extraordinário sobre lucros e despesas por ter sido criada e integrada em diploma legal destinado a vigorar durante um período limitado de tempo, num só ano económico, (lei de orçamento regional), se bem que mantida em anos subsequentes pelos vários orçamentos da Região Autónoma da Madeira subsequentes.

B. Mais referindo na sentença recorrida que a derrama regional é dogmaticamente distinta da derrama estadual prevista nos termos do artigo 87.º-A do CIRC, pois a derrama estadual constitui uma receita ordinária, tendo sido “instituída para vigorar ordinariamente, isto é, em todos os exercícios” C. Concluiu a sentença recorrida que a derrama regional de 2014, sendo imposto extraordinário, é “enquadrável na previsão contida na alínea e) do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e que a esta conclusão não obstam as limitações/alterações introduzidas pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/2011/M, de 10 de janeiro, e n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho.” D. A Fazenda Pública entende que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, quanto aos pressupostos de direito, decorrente da qualificação da derrama regional de 2014, como “imposto extraordinário sobre lucros e despesas” e da consequente aplicação à derrama regional da isenção estabelecida na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.

E. Com efeito, a derrama regional foi criada pelo art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, conjugados com o n.º 1 do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, e do artigo 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, que aprovou a lei de consolidação orçamental F. Em 2014, o regime jurídico da derrama regional foi republicado e regulamentado no Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho, o qual veio “adaptar às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.” , sendo também aí estabelecido que o diploma legal retroage os seus efeitos a 1 de janeiro de 2014, sendo “aplicável aos períodos de tributação que se iniciem, em ou após a referida data”, G. Assim, podemos concluir que a derrama regional teve por objetivo adaptar à RAM o regime da derrama estadual, e que a derrama regional, tal como a derrama estadual, foi instituída para vigorar ordinariamente, não estando já em 2014 exclusivamente integrado e regulamentado em lei de orçamento regional de vigência anual.

H. Por outro lado, a leitura do texto da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, demonstra que criação da derrama estadual tem uma finalidade de consolidação orçamental, enquadrando-se a derrama estadual num conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento I. E foi com a mesma finalidade de consolidação orçamental que a Região Autónoma da Madeira adaptou o sistema fiscal nacional de derrama estadual às especificidades regionais nos termos do n.º 1 e 2 da alínea b) do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, normativos que fundamentaram a derrama regional formulada nos termos do art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho de 2014.

J. Alias, se atentarmos ao teor do preâmbulo e artigo 1º do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho, tal leitura demonstra que a derrama regional não constitui nenhuma das formas de financiamento extraordinário da Região Autónoma da Madeira determinadas na Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, (que fixou os meios que asseguram o financiamento na Região Autónoma da Madeira em 2014).

K. E se compararmos o teor deste diploma legal com o da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, torna-se evidente a finalidade única e análoga de consolidação orçamental de ambas as derramas, não podendo a derrama regional ser qualificada como um imposto extraordinário, porque o regime vigente e aplicável não teve como fim a obtenção de receitas extraordinárias, não foi destinada a necessidades orçamentais extraordinárias, nem por um período de tempo limitado.

L. A derrama regional constitui, isso sim, a “adaptação às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro” M. Assim sendo, tendo em conta a republicação do regime da derrama regional pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M; tendo em conta o seu objetivo de adotar à Região os artigos 87-A e 105-A do CIRC, e tendo em conta que a derrama regional não está incluída no rol de meios de financiamento extraordinários previstas na Lei Orgânica n.º 2/2013, de 16 de junho, então não existe fundamento para concluir que, neste caso, a derrama regional tenha carácter temporário e transitório, ao invés do que entendeu a Sentença recorrida N. Por identidade com a derrama estadual, a derrama regional tem a finalidade de consolidação orçamental, não tem carácter extraordinário, nem temporário, como evidencia o cotejo do disposto na Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, e no do regime jurídico da derrama regional efetuado pelo DLR 5-A/2014/M de 23 julho.

O. A não ser assim, questionamo-nos então o seguinte: fosse a derrama regional um imposto extraordinário, o que só por mero dever de cautela se hipoteniza, então não deveria incidir derrama estadual e derrama regional conjuntamente sobre o lucro tributável das empresas com sede na Região Autónoma da Madeira? P. Ora, obviamente que tal não se verifica, porque não há, nem pode haver, incidência conjunta de taxa de derrama regional e de derrama estadual sobre o mesmo lucro tributável, do mesmo sujeito passivo, com sede na RAM.

Q. Na verdade, o regime jurídico da derrama regional aplica-se na RAM, em substituição do da derrama estadual, porque a derrama regional não é mais do que a adaptação à região da derrama estadual.

R. Têm ambas a mesma natureza, mesmo conteúdo dogmático, mesmo objetivo, mesma incidência.

S. O facto de, historicamente, a vigência da derrama regional ter sido integrada e sucessivamente prorrogada pelos vários Orçamentos da Região Autónoma da Madeira, desde 2010, resulta apenas do cumprimento do princípios orçamentais da anualidade e da universalidade previstos, respetivamente, no n.º 1 e 4 do art.º 4.º e no n.º 2 do art.º 5.º, da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto.

T. Alias, o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 31-A/2013/M, de 31 dezembro, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2014, explica que esse Orçamento «cumpre com os diversos princípios e regras orçamentais estabelecidos na Lei de Enquadramento do Orçamento, nomeadamente as regras da anualidade, do equilíbrio, da não consignação, do orçamento bruto, da especificação, da unidade e da universalidade» e que dá continuidade à implementação de medidas necessárias à sustentabilidade e estabilização das finanças públicas da Região e à salvaguarda dos seus compromissos financeiros.

U. E foi neste contexto que o disposto no art.º 19.º do Decreto Legislativo Regional n.º 31-A/2013/M, (inserido no Capítulo V, respeitante à «Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais»), prorrogou a vigência do regime da derrama regional para o exercício de 2014, com o propósito de consolidação orçamental.

V. Note-se aliás a referência feita na sentença recorrida, quanto à natureza da derrama local: “A derrama local constava ao tempo do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro e consta atualmente do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Lei das Finanças Locais). Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de abril de 2013 (acórdão n.º 197/2013), perdeu o carácter extraordinário porque se apresenta agora como um «mecanismo corrente de financiamento dos municípios». Ou seja, a derrama local constitui atualmente uma receita ordinária dos municípios (que se repete, por natureza, todos os anos), embora o seu lançamento esteja dependente de uma deliberação anual.

W. Neste mesmo sentido, entendemos que a derrama regional constitui uma receita ordinária embora haja, quanto a esta, uma deliberação anual em sede de orçamento regional.

X. O que a derrama regional, in casu, não pode ser, é um imposto extraordinário sobre lucros e despesa, pois constitui uma mera adaptação sem alterações do regime da derrama estadual, vigorando para o futuro na região Autónoma da Madeira, em substituição da derrama estadual, não sendo...

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