Acórdão nº 2333/17.9GBABF.S1.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA MARGARIDA BACELAR
Data da Resolução23 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: No processo comum nº2333/17.8GBABF.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 1, por acórdão de cúmulo jurídico de 25-03-2021 (cfr. fls. 598 a 617), no que agora interessa, foi decidido: – efetuando o cúmulo jurídico das penas de prisão, em que o arguido (...) foi condenado no presente processo e nos processos 81/16.5MAPTM e 298/18.8GBABF, condenamos o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

Inconformado, o arguido (...) interpôs recurso da referida decisão, para o Supremo Tribunal de Justiça, que motivou formulando as seguintes conclusões: “ 1. O presente recurso tem por objeto a medida da pena única de 10 (dez) anos de prisão aplicada ao arguido no cúmulo jurídico realizado pelo Tribunal «a quo» emergente das penas parcelares aplicadas ao Recorrente nos presentes autos e nos processos 81/16.5MAPTM e 298/18.8GBABF.

III – B) DO ERRO NOTÓRIO DA MATÉRIA DE FACTO 2. Constata-se da simples leitura da douta decisão «sub judice» que o tribunal «a quo» labora em erro ao relevar e fazer constar do acórdão a seguinte factualidade do processo n° 298/18.8GBABF “Na madrugada do dia 03/03/2018, individuo não identificado dirigiu-se a Urbanização de (…), local onde conseguiu abrir a porta do veículo da marca Peugeot, modelo 206, matricula (...), de (...) que se encontrava estacionada em frente ao Lote 36.

  1. Após abrir a porta o individuo retirou do interior da viatura: i. um telemóvel da marca Nokia de valor não concretamente apurado mas superior a € 80 (oitenta euros); ii. uma carteira de valor não concretamente apurado; jjj.€ 100 (cem euros) em dinheiro, quarenta dólares americanos, cinco libras esterlinas; iv. dois alicates multiusos, de valor não apurado, mas que valiam pelo menos € 85 (oitenta e cinco euros); e v. uma caixa com cinco perfumes, de valor não apurado, mas que valiam pelo menos € 140 (cento e quarenta euros) 9. O individuo levou consigo os objetos, fazendo-os seus.

  2. No dia 16/04/2018, pelas 7h00m, indivíduo de identidade não apurada dirigiu-se à residência de (…), sita Rua (…).

  3. Aí chegado, por forma não concretamente apurada, entrou no interior da residência e retirou: i. um relógio da marca Casio, no valor de pelo menos 50,00 (cinquenta euros); ii. dois relógios digitais de marca não apurada, de valor não também concretamente apurado, mas nunca inferior a €40,00 (quarenta euros), UM.

  4. O referido indivíduo saiu da habitação com os objetos acima mencionados, fazendo-os seus.

  5. Um dos relógios digitais subtraídos veio a ser recuperado na posse de (...),” 3.Resulta evidente que esses concretos actos que o tribunal «a quo» fez constar da matéria de facto, não foram cometidos pelo Arguido, aqui Recorrente, mas por individuo desconhecido.

  6. Tal factualidade deve, assim, ser expurgada do texto da decisão recorrida.

    Sem conceder, III – C) INSUFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO NA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA 5. É consabido que no caso de realização de cúmulo jurídico de penas, a específica fundamentação da pena única determinada em função da ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, na dimensão assinalada supra, também deve ser esclarecedora das razões por que o tribunal "chegou" a determinada pena única.

  7. O que obriga a uma especial fundamentação, «só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da "arte" do juiz uma vez mais – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário».

  8. Obrigação a que a decisão aqui em apreço não dá cumprimento.

  9. Com efeito, a esse respeito o douto acórdão «sub judice» refere apenas que: “atendendo à prática dos crimes, ao período temporal que mediou (dois anos), o tipo de crimes ao valor dos mesmos e, acima de tudo ao percurso de vida do arguido.” 9. Salvo melhor e douta opinião, essa fundamentação afigura-se manifestamente insuficiente para justificar a aplicação de uma pena única de 10 anos de prisão. Na verdade, essa fundamentação não esclarece minimamente quer o arguido, quer a aqui subscritora, das razões por que o tribunal «a quo» chegou àquela concreta pena, sendo certo que há condenações pelo crime de homicídio - cujo bem jurídico protegido é a vida humana, supremo bem do indivíduo e igualmente um bem da colectividade e do Estado – mais brandas do que aquela que vem aplicada ao aqui Recorrente pelo tribunal «a quo».

  10. In casu, o tribunal «a quo» não deu cumprimento a essa exigência legal (artigo 77.º do CP) incorrendo em insuficiência da fundamentação da decisão na determinação da medida da pena única a aplicar.

    ACRESCE QUE 11. Em parte alguma do texto da decisão recorrida se alude à idade do arguido à data da factualidade em causa nos autos em concurso, impondo-se colmatar essa lacuna nesta sede.

  11. Assim, do cotejo entre a data de nascimento do recorrente (09-09-1997) e as datas da prática dos crimes pelos quais foi condenado nos 3 (três) processos que integraram o presente cúmulo jurídico resulta que o recorrente, aquando do cometimento dos crimes em concurso, era menor de 21 anos.

  12. A douta decisão recorrida não pondera, ainda que perfuntoriamente essa factualidade (fundamental a nosso ver) o que consubstancia, a nosso ver, um vicio de insuficiência de fundamentação de facto para a decisão, que não cumpre, assim, o requisito geral da sentença enunciado no nº 2, do artigo 374.º do CPP, o que gera a sua nulidade por força do disposto no artigo 379.º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal.

  13. O que dizer então da afirmação feita no aresto recorrido de que “o impacto positivo que a privação da liberdade tem vindo a provocar no arguido e que se traduz na sua motivação para a aquisição de competências pessoais e sociais a vários níveis. Assim, o presente contexto prisional pode dar-lhe oportunidade de consolidação destes aspetos e de outros, minimizando os fatores de risco de modo a poder equacionar um futuro mais responsável e juridicamente aceite.” 15. Tal afirmação atenta contra o princípio fundamental de um sistema penal democrático, assente em princípios humanistas e ressocializadores da pena, nomeadamente da pena de prisão tout court, entendida como última ratio ou da mínima intervenção do direito penal exigida pelo artigo 18.º, n.º 2 do Constituição da República Portuguesa, mas e sobretudo em atenção à teleologia que enforma as regras da punição do concurso de crimes.

  14. Cumpre salientar que face à pena única encontrada na decisão recorrida, a situação jurídico-penal do Recorrente seria mais favorável se não houvesse lugar à realização deste cúmulo, antes acumulação material das penas, uma vez que na hipótese de cumprir, sucessivamente, as penas de prisão efectiva que lhe foram doutamente aplicadas, cumpriria menos de 6 anos e 2 meses, sem prejuízo da liberdade condicional.

    Senão vejamos: 17. Foi condenado no âmbito do processo n.°81/16.5MAPTM na pena de 4 anos e 6 meses efectiva.

  15. E no âmbito do processo nº 2333/17.8GBABF, na pena de 20 meses de prisão efectiva.

  16. No total o condenado teria de cumprir uma pena de 6 anos e 2 meses de prisão.

  17. Sendo certo que poderia sair em liberdade condicional após o cumprimento de metade ou dos dois terços dessa pena, ou seja, quando tivesse cumprido 3 anos e 1 dias ou 4 anos e 1 mês, respetivamente.

  18. Nunca uma pena de 10 anos.

  19. Por força desse circunstancialismo e arrimado na premissa de que se está perante um jovem com 23 anos, impunha-se que o cúmulo jurídico harmonizasse as finalidades punitivas com a almejada reintegração do arguido, o que não o fez, de todo, pelo que se impõe a sua censura.

  20. Assim como, salvo melhor opinião, não efetuou, como devia, uma apreciação global conjunta, dos factos e da personalidade do agente, 24. Não reapreciou como exige a lei, as exigências de prevenção geral especial, seja na sua veste positiva seja negativa, nem as de prevenção especial tendo em vista a reintegração do agente na sociedade.

  21. O referido Acórdão é omisso quanto a esses aspectos fundamentais, aflorando apenas “o período temporal que mediou (dois anos), o tipo de crimes ao valor dos mesmos e, acima de tudo ao percurso de vida do arguido (que não analisa)”, o que colide com os pressupostos legais que estão na base da determinação de semelhante pena.

  22. Ora, dos autos resulta que o Arguido terá incorrido nos actos ilícitos em apreço no final da sua adolescência (entre os 18 e os 20 anos de idade) e que os mesmos terão corrido num contexto de consumo de substâncias estupefacientes.

  23. Mais resulta do relatório social que o tribunal «a quo» transcreveu na integra, que o mesmo tem sido “sujeito a testes a despiste de substâncias aditivas, com resultado negativo.” 28. E ainda que (…) quando confrontado com os factos e a gravidade da sua história criminal, (...) reconhece o desvalor das condutas e existência de vítimas decorrentes desses ilícitos praticados por si.

  24. Nenhuma destas circunstâncias foi ponderada pelo tribunal «a quo», quando o deveria ter sido pois, “A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71.º, do CP); e ainda a um critério especial: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua, agora reavaliada à luz do conhecimento superveniente dos novos factos (citado art. 77.º, n.º 1, do CP). Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente, neles revelada.” conforme Acórdão do STJ de 16-05-2019.

  25. Destarte a douta decisão enferma de insuficiência de fundamentação para a decisão, em violação do estatuído no nº 2, do artigo 374.º do CPP, o que gera a sua nulidade por força do disposto no artigo 379.º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal.

    Sem conceder III – C) DA MEDIDA CONCRETA DA PENA ÚNICA 31. O nº 2 «in fine» do relatório do Decreto-Lei n.º...

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